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12 DE JUNHO DE 1945
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Sr. Presidente: o Sr. Dr. Mário de Figueiredo, sem lisonja e sem favor um dos mais brilhantes ornamentos desta casa, expôs aqui, com o vigor e o brilho próprios da sua inteligência, alguns dos princípios fundamentais informadores da proposta de lei. Há todavia um princípio fundamental que especificamente a caracteriza, segundo creio, e merece, por isso, particular atenção, refiro-me à preocupação, cujo domínio me parece visível em toda a economia da proposta, de proteger e defender os transportes ferroviários.
Não nego, e decerto ninguém de bom senso negará, a necessidade, a legitimidade desta protecção e desta defesa.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — A necessidade resulta das precárias circunstâncias económicas em que se encontra a sua exploração.
Vem-lhe a legitimidade do facto de os caminhos de ferro constituírem um alto problema de ordem económica, política e social.
Basta reflectir, mesmo ao de leve, por exemplo: no considerável montante dos valores neles investidos; na avultada carga tributária que dêles sai para as receitas do erário público; na legião de empregados que andam ao seu serviço; no papel indispensável que representam dentro do sistema da defesa militar do País; na missão capital que lhes cabe dentro do vasto quadro dos interêsses gerais agrícolas, comerciais e industriais da Nação.
A necessidade da protecção e defesa dos caminhos de ferro é evidente. A sua legitimidade está fora e acima de qualquer dúvida séria.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: mas como se orienta a proposta na procura desta defesa e na busca desta protecção?
Utilizando duas espécies de processos, que poderei talvez chamar: directos, uns; indirectos, outros.
É protecção directa o estabelecimento de uma concentração total do sistema ferroviário, concentração a que me não parece poderem fazer-se objecções de monta e que, pelo contrário, se me afigura de louvar.
Nem isto se estranhe da parte de quem se mostrou aqui adversário irredutível de concentrações sistemáticas.
Os caminhos de ferro pertencem ao número daqueles ramos de actividade económica que só podem constituir-se sob a forma de portentosas sociedades anónimas, com vastos capitais despersonalizados e que ou hão-de trabalhar em muito grande ou não funcionarão bem.
Não há, assim, que pôr, acêrca dêles, os inconvenientes que do alto desta tribuna apontei para as concentrações ao discutir-se aqui a proposta de lei sôbre reorganização industrial. Quando muito, podemos dizer que, no caso presente, a concentração, sendo um mal, é um «mal necessário».
Concentração, portanto, e concentração total dos caminhos de ferro — já que não são iguais as condições de exploração nas mãos dos actuais concessionários e se torna mester, para benefício do País, que os lucros e os prejuízos se possam repartir pelo conjunto da exploração de toda a rêde ferroviária.
É também defesa directa a faculdade de se suprimirem algumas linhas deficitárias — preceito em cuja análise não vou entrar agora, para me ater só à generalidade da discussão da proposta, mas do qual, não obstante, há-de dizer-se que se não entende bem quando pôsto em confronto com a faculdade de arredar da exploração comum certas linhas rendosas, e, sobretudo, que não terá justificação senão quando o transporte ferroviário fôr eficazmente substituído por outros.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Feitas estas breves considerações sôbre a protecção e defesa directas do sistema ferroviário, vejamos agora o que chamei processo indirecto.
Aqui, parece-me, as medidas preconizadas na proposta envolvem a idea de dar aos caminhos de ferro uma verdadeira hegemonia, subalternizando-se-lhes em vasta medida os transportes por estrada.
Ora, Sr. Presidente, será necessária esta segunda modalidade de protecção? E ainda, sendo-o, haverá de considerar-se legítima tal defesa?
Salvo melhor critério, por emquanto não está provada a necessidade de, para proteger os caminhos de ferro, restringir e restringir excessivamente a camionagem.
Mercê do regime de monopólio em que exercia os transportes, o nosso sistema ferroviário burocratizou-se. Ancilosou os seus processos de administração. Não se adaptou em apetrechamento. Deixou envelhecer e encardir a sua regulamentação.
Tem relógios nas estações, mas não servem para regular horários. Passa-lhe ao lado o veículo automóvel e não curou de aumentar a velocidade das suas máquinas. Diz-se que está subordinado a uma direcção geral, mas esta não lhe impõe perfeita coordenação de chegadas e partidas dos combóios em estações de ligação para linhas diversas.
Em suma, descurou a ordem e a segurança; menosprezou a rapidez e o confôrto; esqueceu o progresso, decerto por não ter vislumbrado a concorrência.
Ora, além do refôrço, mercê da concentração preconizada na proposta, das condições económicas da exploração do nosso sistema ferroviário, porque não há-de êle tentar, embora com eficaz auxílio do Estado, remodelar-se, actualizar-se, fazer dentro de si uma revolução interior, semelhante àquela revolução interior que se aconselha aos homens para que se dispam do homem velho e se vistam do homem novo?!
Não estará, então, em condições de se bastar a si próprio e até de eliminar a concorrência da camionagem em certos casos?
Por que justos motivos há-de êle vir, antes de se impor esta espécie de auto-protecção; proteger-se à custa de limitações, restrições e encargos impostos à camionagem?
De mais, ainda quando revelada necessária, esta forma de defesa parece-me inconveniente.
É que, Sr. Presidente, os transportes colectivos por estrada assumiram, no quadro dos interêsses gerais do País, um lugar de alto relêvo, que não é inferior aos dos caminhos de ferro e se mostra, pelo menos, tam indispensável como o dêstes.
Efectivamente, pode com inteira afoiteza proclamar-se que, em relação aos caminhos de ferro, não são menores na camionagem, e até nalguns casos bastante maiores: nem os quantiosos valores monetários nela investidos; nem o grosso volume dos impostos que paga ao Estado; nem o numeroso pessoal nela ocupado; nem a alta importância dos seus serviços para as necessidades militares; nem o extraordinário desenvolvimento económico por ela trazido ao País.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Bastará para documentar a afirmação o seguinte breve apontamento:
Cálculos recentes, já aqui apontados pelo Sr. Deputado Dr. Ulisses Cortês, avaliam em cêrca de 2 mi-