10 DE JANEIRO DE 1948 153
natural pudor em tocar no problema, que envolvia tão altos interesses nacionais. A verdade e a justiça são sempre maiores do que todos os homens.
Passou-se, pois, da oposição ofensiva à defensiva de uma realidade que não interessava directamente ao assunto. E assim se cantou o hino ao vinho, se glorificou o vinho. Enfim, era um tema novo que não interessava ao assunto, mas podia interessar a economia vinícola. Foi ao menos essa defesa mais eficiente que a oposição ao aviso prévio?
Sem quebra de respeito pelos ilustres Deputados, parece que essa defesa do vinho não foi aquela que os interesses da própria economia vinícola reclamavam.
Não foi nem tão feliz nem tão verdadeira como deveria ser.
Primeiro, não foi tão feliz porque nessa defesa do vinho se passou por cima da transgressão da lei e nesta transgressão há altíssimos valores comprometidos: a defesa do descanso dominical - tantos desgraçados que estão privados dessa garantia -, que é reconhecida não &ó pela Constituição, mas pelo próprio direito natural!; a defesa da formação moral de tantos rapazes dos nossos liceus, cujas escolas estão cercadas de tabernas; a defesa da nossa sociedade em armas, visto que aqui se demonstrou tantos quartéis cercados de tabernas; a defesa da família e conservação da Raça, da moralidade pública. ~Ë certo que .a oposição contestou estas duas coisas: que as tabernas constituem os focos de perturbação e de desordens que se julga; que o próprio despacho do Sr. Subsecretário de Estado das Corporações tivesse ficado letra morta.
Eu quero nesta hora, Sr. Deputado Homem de Melo, agradecer a V. Ex.ª as palavras de estima e amabilidade, as palavras de imerecido elogio, as palavras de altíssima consideração que V. Ex.ª bondosamente se dignou pronunciar a meu respeito.
Confesso que essas palavras, esses elogios e essas homenagens são filhos exclusivamente da muita bondade de V. Ex.ª
V. Ex.ª traz no seu sangue grandes virtudes ancestrais, tem o seu carácter enflorado de altas qualidades.
Não podia V. Ex.ª julgar-me de outra maneira.
Quem julga não é a nossa razão abstracta: a razão é afinal a nossa própria pessoa, com o nosso sangue, com a nossa inteligência, o nosso coração.
E, se assim é, V. Ex.ª, julgando pela sua própria pessoa, mão podia julgar-me de maneira diferente.
Agradeço a V. Ex.ª essas palavras e essas homenagens, e agradeço-as pela bondade que se serviu haver para comigo e pela revelação que fez de si mesmo.
Ouvi encantado a conferência de V. Ex.ª, tipicamente portuguesa, pelo assunto, pela linguagem e até pela feição romântica e pelos perfumes de lirismo que a ilustraram.
Apenas esse género oratório não é o mais ajustado às exigências da dialéctica.
Por isso só é que a dialéctica de V. Ex.ª não correspondeu à beleza oratória.
V. Ex.ª disse que as tabernas não são aquele foco de desordens e de perturbações que tanta gente julga.
Para demonstrar a sua afirmação desdobrou aqui o resultado de um inquérito que tinha sido promovido pela Junta Nacional do Vinho, sob a direcção de um engenheiro distinto, coadjuvado por fiscais.
Ao ouvir ler esse inquérito é-se tentado a julgar que a taberna em Portugal seria uma espécie de retalho arrancado ao paraíso terreal antes da tentação dos nossos primeiros pais, um novo Tabor de esplendor tão vivo que imuniza as pessoas de toda a tentação do mal, e pensei de mim para mim se, afinal de contas, andando o Governo tão preocupado com a ordem pública, a solução
não seria fazer do País uma grande taberna do Norte ao Sul.
Infelizmente, não é assim. Porquê? Porque, não obstante os resultados do inquérito que V. Ex.ª desdobrou diante dos nossos olhos, as tabernas continuam a ser um foco de perturbação e desordens.
V. Ex.ª foi conduzido por uma confiança que só depõe em favor da sua muita bondade; V. Ex.ª foi iludido numa confiança ilimitada, porque os homens bons confiam em toda a gente e V. Ex.ª teria encontrado o documento com que o seu brio patriótico teria ficado lisonjeado e satisfeito.
Simplesmente, é que o resultado desse inquérito não corresponde à realidade.
Há um artigo no Código de Processo Civil, creio que o 158.°, que diz que os factos notórios não precisam de prova nem de alegação.
Ora, se há em Portugal factos notórios são as perturbações e desordens ocorridas nas tabernas, principalmente e quase exclusivamente ao domingo. Facto notório nas cidades, facto notório nas vilas, facto notório nas aldeias.
Facto notório na família, facto notório nos tribunais e nos hospitais. Mais notório que a combustão da hulha nas locomotivas dos caminhos de ferro, a implantação da República em 5 de Outubro de 1910, o desaguar do Tejo no Oceano.
Porquê aquele resultado falso de inquérito?
Porque não foi feito junto das entidades que são testemunhas vivas de todos esses desastres: as vitimas que os suportam, as casas assistenciais que as socorrem, os médicos que as curam e os tribunais que as julgam.
Dispenso-me de trazer a esta Assembleia as provas que posteriormente ao discurso obtive, porque não quero fatigar a atenção de VV. Ex.ªs Apenas digo: procurei saber junto da Ordem dos Médicos, do Conselho Superior Judiciário, da guarda nacional republicana, da polícia e da Procuradoria Geral da República informações a este respeito, e em todas essas entidades me disseram que não tinham estatísticas organizadas sobre este assunto, mas que a maior parte dos crimes em Portugal têm tido na taberna a sua origem.
Agora o desmentido do despacho do Sr. Dr. Trigo de Negreiros. V. Ex.ª disse que o despacho de S. Ex.* o Subsecretário de Estado das Corporações não ficara letra morta e apresentou-nos a obra da F. N. A. T. em prova da afirmação.
Mas a F. N. A. T. foi fundada em 13 de Julho de 1935 e o despacho de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado das Corporações é de 8 de Setembro de 1941.
Muitas das obras a que V. Ex.ª aqui se referiu já estavam realizadas, nessa altura, e portanto o despacho não poderia ser referido a elas. Não se conhece nem na ginoconologia animal nem na ginoconologia social um feto que apareça cinco ou seis ano» antes do respectivo parto.
O Sr. Homem de Melo: - V. Ex.ª dá-me licença?
Não queria interromper V. Ex.ª, mas tenho de esclarecer o erro em que V. Ex.ª está induzido. Os números que eu aqui trouxe são referentes à posteridade do despacho.
Perdão a V. Ex.ª, mas temos de viver com realidades e não com lirismos.
O Orador: - Tanto pior. Se essas obras foram realizadas posteriormente ao despacho do Sr. Subsecretário de Estado das Corporações, encontramo-nos diante de uma nova dificuldade, pois que aquele despacho se compõe de duas partes: que se criem obras de recreio, «de distracção e de instrução para os trabalhadores; depois destas obras que se modifique o horário de trabalho de