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148 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 13

não nesta Casa, mas lá fora, não hesito em afirmar que devido à sua acção se remediou a estranha atitude dos Serviços Pecuários em 1948 e se pôde evitar os males resultantes do recrudescimento da raiva no pais vizinho, onde esta doença passou de enzootia a grave epizootia em algumas regiões.
Sinto, porém, que iguais louvores não possam ser atribuídos à primeira parte desta documentação - a que diz respeito ao assunto por mim trazido a esta Assembleia.
Pelo Decreto-Lei n.º 37:627 foi criado no Porto um dispensário anti-rábico, com as seguintes características especiais em relação aos restantes já existentes:
Deve preparar vacina anti-rábica.
Deve fazer análises remuneradas.
Deve proporcionar ao seu director a gratificação mensal de 500(9.
Deve ser o herdeiro forçado de um laboratório particular.
Ora eu não compreendo a necessidade de mais dispensários anti-rábicos num país onde praticamente não há raiva desde 1945.
E justo é abrir aqui um parêntesis de homenagem aos obreiros principais deste êxito sanitário num país de larga fronteira com outro fortemente infeccionado e exposto, portanto, a contágio constante. Comparados com este, os êxitos da ilha da Madeira ou das Ilhas Britânicas deixam de ter significado, dada a barreira marítima que as protege.
Refiro-me aos veterinários rurais, a cujo corpo tive a honra de pertencer durante dez anos. Profissionais humildes, como a lavoura, a cujo serviço se dedicam constantemente, sob o calor escaldante ou o frio intenso, sob a poeira sufocante ou a chuva impiedosa, bem merecem a gratidão das populações, libertas do flagelo da raiva graças ao seu devotado labor.
Muito menos compreendo a criação deste dispensário em moldes diferentes de todos os outros e até à sombra de legislação diversa. De facto, nenhum dos trinta e seis dispensários criados nos termos do Decreto n.º 16:770 fabrica vacina: recebem-na de Lisboa ou de Coimbra.
Estarão, acaso, mais perto do que o Porto ? Não, porque há dispensários em Valença e em Tavira.
Terão menos movimento que o do Porto? Também não, porque neste havia, em Setembro passado, 24 pessoas em tratamento, e em Évora, por exemplo, houve no mesmo mês 110.
Porque há-de então fabricar vacina?
Nos documentos aqui presentes diz-se que o Instituto do Porto fabricara uma vacina muito boa. Qual? A de vírus vivo que Pasteur fabricou. Santo Deus!
Todo o progresso realizado neste campo há cinquenta anos deixou-o impassível; nem mesmo o método português de Pereira da Silva o moveu. E contudo reconhece-se no relatório que a vacina de vírus morto é mais fácil na preparação, na conservação e na aplicação, e até sai mais barata.
Para exibição de incoerências já seria suficiente. Mas ainda pareceu necessário acrescentar o seguinte: «Não posso assumir a grave responsabilidade da substituição da vacina de vírus vivo pela de vírus morto ...
Sinto-me acanhado para condenar com a crueza adequada esta injustificada timidez, mas o que não posso, por certo, é louvá-la. Como o Padre António Vieira, e acompanhando as turbas, admiro-me somente. Admiro-me de que tal frase possa figurar num documento oficial; admiro-me de que ela tenha passado sem os reparos devidos; e admiro-me até de que a autoridade máxima na matéria o Instituto Bacteriológico Câmara Pestana- não tenha sequer sido ouvida.
Porque este estabelecimento científico, ignorado pelo Decreto-Lei n.º 37:627, é, de facto, a autoridade máxima em rabiologia, como o reconhece o Decreto n.º 16:770 já citado!
E até - há coisas estranhas! - o § 1.º do artigo 2.º deste último decreto diz que para ser criado um dispensário anti-rábico é preciso:

a) Declaração de que jamais será entregue a direcção técnica do estabelecimento a médico que não tenha feito a devida frequência especializada no Instituto Bacteriológico Câmara Pestana.
E na sua alínea b) insiste:
Declaração assinada pelo director do Instituto de que o médico indicado tem a frequência especial que o Instituto facultará.
Foram respeitadas estas normas no Decreto-Lei n.º 37:627 ? Não foram.
Diz-se nesta documentação (documento n.º 5):
Continua o médico estagiário desta Delegação de Saúde, o Dr. X, a frequentar o serviço de preparação e aplicação de vacina anti-rábica no Instituto Pasteur do Porto.
Se nos recordarmos de que este ainda lê pela cartilha de Pasteur e que o seu material estava «todo antiquado e em más condições», como está escrito nos documentos vindos do Ministério do Interior, só o valor pessoal do médico indicado poderá tornar auspiciosa uma tal especialização, que, além do mais, é contrária à lei.
Há ainda outro motivo de criação do dispensário - a cobiça de fabricar vacinas para animais.
Escutemos o relatório:

... o Instituto Pasteur do Porto nunca se dedicou, como o fizeram organismos congéneres, e até simples laboratórios particulares, à preparação de vacinas para canídeos!... Se tal tivesse acontecido, certamente outra seria a situação do Instituto ...
Esta expressão «simples laboratórios particulares» vale bem um poema. A indústria especializada são simples laboratórios particulares. Os estabelecimentos oficiais, desviando-se do seu labor científico para a actividade industrial, esses, naturalmente, são ... complexos.
E o Ministério do Interior confirma que o novo dispensário terá sensivelmente as mesmas atribuições do serviço anti-rábico e vacínico da Universidade de Coimbra, também estranhamente autorizado a fabricar vacinas para animais. Prevendo tudo isto, o Decreto-Lei n.º 37:627 já estabelece que os funcionários terão percentagem nos lucros da laboração.
Quer dizer: o Governo, que diz não poder promover funcionários civis com direito a ocupar vagas de categoria superior, dispõe-se a gastar umas centenas de contos na instalação de um serviço inútil, com laboratórios de bacteriologia, de urologia, de histologia e o mais necessário à produção e à venda de vacina anti-rábica.
Quer dizer ainda: o Governo, não contente de manter em produção industrial, contra os princípios económicos que tem proclamado e contra os desejos das actividades interessadas, alguns estabelecimentos científicos que oferecem os seus produtos a preços ridículos (porque o prejuízo é pago pelo orçamento), competindo deslealmente com a iniciativa privada, ainda se propõe criar outros com a mesma finalidade.
Talvez ignore que, quanto a vacinas para animais, a indústria nacional está em condições de abastecer todo o mercado nacional, incluindo as possessões ultramarinas, e até de exportar.