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24 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 24

realizada em três tempos e sem dor, como algumas operações cirúrgicas.
Volto à frase que citei como expressiva do mais estreme pensamento goês: «está aí um problema que só a nós e a Portugal diz respeito», e não pode servir de base de solução ao conflito com terceiros. Que o novo estatuto que neste momento se apronta permita em breve intensificar e desenvolver a colaboração de todos os valores de Goa, não é outro o desejo de todos os Portugueses; mas a questão não terá dado um passo no que respeita à União Indiana, porque no fundo da sua hostilidade não estão os nossos problemas: estão exclusivamente os dela, do seu amor próprio e das suas ambições.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Goa e o futuro.
Quereria terminar com uma palavra sobre à evolução provável deste infeliz caso de Goa. A reflexão mais concentrada, a meditação mais profunda sobre os dados do problema não me permitiram porém chegar a uma conclusão, mesmo medianamente segura E no entanto tínhamos elementos para concluir, se as coisas devessem passar-se como o direito impõe, a razão aconselha e as normas de convivência internacional exigem. Pois de que se trata afinal? Da pretensão de um pais a apoderar-se de territórios pertencentes a outro. Podia esse país ter a convicção de que as respectivas populações estavam ansiosos por ser «libertadas» de um jugo estranho, e, cansadas de ser colónia portuguesa, desejavam integrar-se na União. Está visto que nem Goa é uma colónia, nem as populações querem ser «libertadas», nem lucrariam alguma coisa, económica, política, social ou moralmente, em passar a fazer parte da União Indiana.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, a União não tiraria vantagens da anexação, nem aumentaria sensivelmente territórios ou riquezas, nem arredaria perigos que de facto não existem, nem adquiriria seguranças que por outra forma não pudesse mais concreta e utilmente conseguir. Trata-se portanto de um equívoco: não duma aspiração razoável ou necessidade imperiosa da União, mas de ambições pessoais ou caprichos partidários, em que o Primeiro-Ministro se deixou envolver.
A União foi levada a atitudes e à prática de actos que não podem ser coonestados pelos fins a atingir. Praticou agressões, abusou da força, desconheceu o direito. O caso é especialmente grave para uma independência nascente, a quem todos os apoios e auxílios da sociedade internacional são não só preciosos mas indispensáveis. A União não pode continuar a desafiar indefinidamente a consciência do Mundo, mesmo que as vítimas dos seus actos de agressão sejam, na aparência ou realmente, pequenas potências que a sua grandeza esmague.
Nestas condições, o que está naturalmente indicado é rever a posição, corrigir a política, desistir do intento. Nós temos o direito de fazer passar para os enclaves forças que ali restabeleçam a ordem e o autoridade legítima; temos direito ao respeito da soberania portuguesa; e temos direito à coexistência pacífica, que não pode ser só entre a Índia e a China, mas também entre a Índia e os territórios portugueses do Indostão, como norma universal que é ou pretende ser. Muitos problemas há que precisam de ser estudados e resolvidos no interesse comum das duas nações. Pois a conclusão razoável a que chega toda a inteligência esclarecida e toda a consciência recta é, depois de desistir, negociar acerca desses problemas.
Não sendo este o caminho, que outros se oferecera à União Indiana? O Primeiro-Ministro, no seu dia; curso de 26 de Agosto, teve a consciência de estarem a cerrar-se-lhe os horizontes, pois só via a alternativa de negociar ou fazer a guerra. E como essa sua negociação é o acordo sobre a transferência da soberania, inaceitável para nós, não lhe ficaria efectivamente aberto senão o caminho da guerra. A guerra: eis o termo duro, terrível, mas profundamente exacto. Já disse o que pensava acerca dessa saída, e não o repito nem desejo esclarecê-lo agora mais. No entanto, a União receia-a: ela compromete em cheio a sua doutrina política e sai fora dos quadros morais da consciência mundial. Não querendo desistir e não lhe convindo fazer uma guerra declarada, conduzida pelo exército, pode a União perseverar na presente atitude? Pode. As mil tricas administrativas, as notas impertinentes, as reclamações infundadas, as campanhas de imprensa e da rádio oficial sobre factos inexistentes ou deturpados, a especiosa, interpretação dos tratados e das leis podem continuar a patentear-se, mas nada disso tem dignidade ou grandeza à altura de um Estado como a União Indiana. E uma hipótese possível, mas não creio provável, uma vez verificado o fracasso do bloqueio, a eternização da guerra fria que actualmente se nos faz.
Por nosso lado, conscientes do direito e indissoluvelmente ligados àquela pequena comunidade por 400 anos de história, pelos laços do sangue e pela cultura que ali levámos, somos livres e estamos prontos a negociar, mas não podemos ceder sobre a soberania portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E entretanto em duas coisas essencialmente nos temos de apoiar e delas não podemos desprender-nos - força e paciência: força suficiente para que uma pseudo-acção policial não possa ser-nos imposta; paciência que não se altere com a impaciência inimiga e dure tanto, pelo menos, como a sua pertinácia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para tanto precisamos de não nos exceder no nosso próprio esforço, cuidando antes de o manter sempre proporcionado à capacidade normal da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E se, apesar de tudo, a União Indiana levar a guerra ao pequeno território, o que podem fazer as forças que ali se encontram ou vierem a ser concentradas? Bater-se, lutar, não no limite das possibilidades, mas para além do impossível.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Devemos isso a nós próprios, a Goa, à civilização do Ocidente, ao Mundo, ainda que este se sorria compadecidamente de nós. Depois de afagar as pedras das fortalezas de Diu ou de Damão, orar na Igreja do Bom Jesus, abraçar, os pés do apóstolo das Índias, todo o Português pode combater até ao último extremo, contra dez ou contra mil, com a consciência de cumprir apenas um dever. Nem o caso seria novo anais da Índia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
Grande ovação. A Assembleia e todos os presenteia de pé, aplaudiram prolongadamente S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho.