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20 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 54

mostra-se extraordinariamente sensível a essas grandes frases, e nós vemo-nos obrigados a parar uns momentos para lhes dar atenção.
Eu confesso grande medo aos ideólogos que, afeitos às abstracções e concepções geométricas, pretendem refazer séculos de história nas suas mesas de trabalho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O que é um anacronismo histórico? A vida dos povos é cheia de estruturações do passado e delicados germes do futuro, que pouco a pouco se desenvolvem, sem haver regra ou momento preciso que fixe as mutações na carta política do Mundo. Por isso esta se apresenta em cada momento recheada de ilogismos e anacronismos que as vicissitudes históricas criaram e a prudência aconselha a respeitar.
Para começar por nós próprios: Portugal separou-se dos outros Estados da Península e tem noutros continentes elementos estruturais da Nação: um ilogismo quanto a alegados imperativos da geografia. A Suíça formou-se de Alemães, Franceses e Italianos, que conservam os idiomas originais: ura ilogismo quanto à língua. Os Magiares ocupam há mil anos a Hungria, no seio de uma Europa linguística e racialmente diferente: um ilogismo quanto à raça. E assim sucessivamente. Em que é que a existência de um povo de cultura ocidental no Indostão e fazendo parte de uma nação europeia pode repugnar mais à inteligência que os outros ilogismos citados? Não. A alegação de ilogismo ou anacronismo histórico não tem sentido senão quando se lhe empresta o significado pejorativo de colonialismo. Existe então este no Estado Português da Índia? Eu já demonstrei o contrário na minha exposição de 12 de Abril e nenhum dos factos em que me baseei pode ser contestado.
O colonialismo exige essencialmente o desnível das raças e das culturas, um objectivo de exploração económica servido pela dominação política, a qual geralmente se exprime pela diferenciação entre o cidadão e o súbdito. Não há colonialismo onde nenhum benefício estratégico, económico ou financeiro se tira e o orçamento metropolitano suporta ainda pesado encargo com a manutenção dos serviços. Não é possível conceber estatuto ou condição de colónia quando é semelhante o nível de vida, idêntica a cultura, indiferenciado o direito público, igual a posição dos indivíduos perante as instituições e as leis. Não pode haver colonialismo onde o povo faz parte integrante da Nação, onde os cidadãos colaboram activamente na formação do Estado, em termos de igualdade com todos os mais, onde os indivíduos exercem funções públicas e se movem e trabalham no conjunto dos territórios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E tudo isto não de agora, estabelecido ou legislado à pressa, mas cimentado pelos séculos, quase podemos dizer desde sempre. O caso é talvez extraordinário e surpreende pela sua peculiaridade; mas, se o Mundo está sendo perturbado na justa visão das coisas por afirmações superficiais e destituídas de exactidão, nós temos de continuar a insistir em que uma consideração mais objectiva e atenta seja dada, fora da poeira das discussões, ao caso da Índia Portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Goa e o Cristianismo na Ásia. O Primeiro-Ministro da União Indiana, num seu discurso de 26 de Agosto no Conselho de Estado, acusou o Governo Português de tentar envolver a Igreja Católica no problema político de Goa, e a mim pessoalmente; de estar mal servindo o Catolicismo na Índia, porquanto por aquele modo o associava ao colonialismo. O Pândita Nehru não está bem informado dos factos e daí talvez a errada conclusão a que chegou.
Tenho escrupulosamente evitado em toda a minha vida pública misturar a religião com a política ou, o que é o mesmo, fazer política com a religião.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Isso não me impede a convicção de que há efectivamente problemas de ordem religiosa na Índia; estes nascem, porém, dos factos e do condicionalismo em que se desenrolam na União Indiana, não das nossas atitudes. A acusação acima obriga-me por isso a algumas explicações.
É em face de um perigo não imaginário mas real e profundamente sentido que o Governo da União se tem visto obrigado, com escassos resultados, aliás, a sossegar a consciência católica de Goa: ora lhe promete com solenidade as mesmas liberdades que estão consignadas na Constituição; ora exalta as mais eminentes dignidades do clero católico por interporem no caso a sua confiante autoridade e declararem a sua satisfação com o regime que usufruem; ora acredita e ostenta em altas missões oficiais no estrangeiro personalidades categorizadas do clero e da Acção Católica indiana. Se uns e outros, como cidadãos, servem a União, fazem o que devem; se, como católicos, agem contra a presença de Portugal em Goa, fazem o que não lhes é lícito fazer e de que em boa consciência deviam abster-se.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Exactamente porque Portugal não faz assentar na religão a legitimidade da sua posição política em Goa, apesar de certa bula papal que traz intrigado o Pândita Nehru, tem o direito de lamentar a atitude assumida contra os seus legítimos direitos em restritos sectores católicos. E por isso os denuncia.
A generalidade dos depoimentos que me foi dado ler, e em que o conflito com a União foi visto à luz de conveniências religiosas e contra Portugal, nasce, além do referido, de duas fontes: dos católicos progressistas e de certos meios da Propaganda Fide. Sabe-se o que são os primeiros: católicos que se deram à missão de baptizar o comunismo. (Risos). Assim como Roma convertera os bárbaros e moldara espiritualmente as novos sociedades cristãs, também a Igreja deverá agora abrir os braços e conciliar-se com o comunismo, metendo-o no seu seio ou a si no seio dele, para criar a sociedade futura: a verdade política e social adviria do comunismo; a verdade religiosa defini-la-ia a Igreja, dentro dos limites consentidos por aquele. Não discuto: anoto para dizer que não estranho a atitude hostil para com Portugal. Já o caso da Propaganda Fide - e considero as pessoas que nela trabalham e nos seus colégios se formam e nos seus métodos se educam - merece mais largo comentário.
Trezentos anos de incidentes e irritantes discussões leva a Propaganda a mostrar a sua má vontade a Portugal e ao Padroado Português do Oriente, privilégio outorgado pela mesma Igreja em cujo seio e para cujo desenvolvimento a Propaganda trabalha: mais realista que o rei, mais papista que o papa. A, luta tem sido sobretudo desagradável, e devemos confessar que a evolução das circunstâncias até agora ajudou a dar às pretensões daquela quase completa satisfação: o Padroado é uma sombra do que fora e nos territórios onde