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4 DE DEZEMBRO DE 1954 51

todos os cantos da Terra, sentiu e viveu os acontecimentos do chamado caso de Goa.
Em qualquer continente, em qualquer país, em qualquer província da Mãe-Pátria onde se encontrasse um português, a todos vibrou na alma a acção injustificada e o atropelo sofrido pela nossa soberania no Estado Português da índia.
Nesta cidade de Lisboa, desde sempre coração das terras de Portugal, onde sempre se sentiram vibrar as pulsações emotivas de todos os acontecimentos nacionais, assistimos ao espectáculo empolgante da perfeita unidade nacional na afirmação colectiva do nosso comum amor da Pátria.
Para esta Assembleia, que em si representa todos os povos da terra-mãe e que é a expressão mais viva da unidade portuguesa, tais factos merecem aqui uma palavra de reconhecida menção. E digo aqui porque precisamente nesta tribuna têm voz todos os povos dos quatro continentes por onde se dilata o património nacional, povos esses que são partes do mesmo corpo e alma da mesma alma, a todos a Pátria considerando como filhos iguais e de tal modo os tratando e estimando que apenas se lhe pode imputar o confundi-los de tal jeito que os não sabe distinguir na comum afeição que lhes devota.
E digo aqui porque no arco desta abóbada se encontram gravadas a ouro as armas e as províncias de Portugal, desde Aveiro até à índia, na mesma afirmação de perene e indestrutível unidade nacional, testemunho seguro da nossa fé e certeza inabalável da nossa pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: em perigos audazes e aventuras desmedidas chegaram um dia por mar à índia os Portugueses. Levaram apenas consigo a ânsia civilizadora de desbravar os mundos ignorados, de colher novas que por lá trocariam no dilatar da cultura ocidental e europeia, embalados no amorável misticismo duma fé que lhes inebriava o coração.
Ali foram, pois, muitos homens: uns atraídos pela grandeza da Pátria, outros seduzidos pelo dilatar da fé, alguns ofuscados pela aventura. Entre alguns comerciantes, à índia levaram os Portugueses, sobretudo, os seus próprios estadistas, os seus rectos administradores, os seus ascetas, os seus santos e os seus poetas. Entre os seus operários e os seus soldados, entre os seus músicos e os seus escritores, entre os seus sábios e os seus fidalgos, foram também alguns concupiscentes e ambiciosos, como joio natural, mas que por lá feneceram, para ali só florirem os místicos, os sonhadores e os patriotas.
Consigo levaram a imprensa e a música ocidental; consigo levaram a arte de marear nos grandes oceanos, a rectidão da administração pública e o espírito equilibrado da justiça; consigo levaram a medicina e a botânica de Garcia de Orta, a cartografia e a navegação de Duarte Pacheco, a fundição e a gravura dos arsenais e das tercenas.
Por lá construíram muralhas para sua defesa, mas dentro destas ergueram as catedrais, as casas de imprensa, os lugares de ensino, as salas de justiça, os hospitais e até as Misericórdias com seu espírito humanitário e cristão e que ainda hoje atestam o alto sentido da fé portuguesa em ideais nobres e alevantados.
Não foram, pois, nem as armas, nem as munições, nem o temor, nem as represálias que consolidaram e mantiveram o Estado Português da índia por estes longos séculos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outros povos, depois de nós, por lá apareceram. Mas a esses deixámos o comércio e os lucros, o dinheiro e as operações materiais.
A nossa sobrevivência depois do século XVII é apenas o produto de uma fé e de uma civilização expressas na bondade, na tolerância, na crença firme da dignidade humana, na ânsia constante de elevar o homem, sem destrinça de raça ou de religião.
São passados quase cinco séculos e os outros, os que depois chegaram, já partiram, sem terem deixado atrás de si uma obra espiritual com alicerces tão sólidos e tão profundos como aquela que os Portugueses ali devotadamente levaram a cabo. Retraídos num minúsculo território, de um interesse económico quase nulo, os Portugueses construíram nele, porém, a catedral de uma civilização, o templo de uma fé.
E catedrais e templos, sejam de que religião forem, devem ser respeitados, demais quando traduzem sinceridade, desinteresse, amor do próximo e das gentes, como no caso de Portugal.
«A Índia falará por nós» - dizia Afonso de Albuquerque.
A História fala por nós - bem podemos afirmar hoje.
De facto, é impossível apagar da História os nomes de Duarte Pacheco Pereira, de Afonso de Albuquerque, de S. Francisco Xavier e do próprio Camões.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As fortalezas, ainda que carcomidas e arruinadas, falarão sempre daqueles homens que «se mais filhos houvessem mais filhos dariam para nelas morrerem por Portugal».
Os templos e as catedrais afirmarão sempre uma fé de bondade irradiante sobre todas as almas.
As pontes, as estradas e as obras de arte recordarão sempre aqueles que, acima de tudo, punham o ideal sincero de servir o bem público e o interesse da comunidade, ainda que para tanto, se mais não houvera, tivessem de empenhar as próprias barbas.
De tal azo bem podemos provar que não representamos o domínio da força, mas antes, sim, e apenas, o domínio do sentimento e do espírito.
Somos dos que acreditam que a força não basta para subjugar ou destruir na alma de um povo cinco séculos de cultura e de espírito.
O rei de Portugal nunca se arrogou títulos ou direitos imperiais; a Índia nunca teve para nós jeito ou foros de colónia. Logo desde o princípio, Albuquerque estabeleceu e fomentou o cruzamento com os seus naturais, aos quais deu direitos de igualdade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por lá se fundou e criou em seguida um exército, com seus quadros de mando abertos a todos sem distinção, e nele ascenderam muitos dos naturais da Índia Portuguesa.
A Escola de Medicina de Goa, criada há cento e doze anos, traduz a continuidade da escola de Garcia de Orta e as suas aulas têm sido frequentadas por muitos milhares de portugueses da Índia, que ali têm ido buscar conhecimentos e ciência, com que depois em todo o Mundo ilustram a nossa cultura e o nosso espírito.
Na nossa vida pública, no nosso exército, em altas e importantes funções da administração da vida nacional temos topado sempre, e ainda hoje, com muitos dos nossos compatriotas nados e criados na Índia.
Tudo isto prova que a Índia Portuguesa não é nem foi jamais império ou colónia; a Índia, a nossa Índia, é, sim, para os Portugueses, um bocado da sua própria