O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

14 DE JANEIRO DE 1955 315

do Código Penal, determinam a própria existência e qualificação dos crimes de homicídio involuntário e de ofensas corporais involuntárias.
Quer dizer: se nenhuma dessas circunstâncias se verificar cumulativamente com o facto material da morte ou da ofensa corporal em terceiros, não há sequer lugar a acção penal nem à consequente aplicação de qualquer pena.

O Sr. Morais Alçada: - E quando for uma série de infracções? Nesse caso é justo que seja agravada.

O Orador: - Mas na lei o que se faz é a transcrição do artigo 368.º do Código Penal.
Portanto, a interpretação literal do preceito do n.º 5 do artigo 58.º do novo Código da estrada conduziria a esta situação absurda: sempre que se instaurasse acção penal por homicídio involuntário ou por ofensas corporais involuntárias, quando resultantes dum acidente de viação, essas infracções de natureza penal teriam de ser punidas com a pena correspondente à infracção imputada, mas sempre com essa pena agravada.
Na realidade, não se compreende essa disposição que impõe ao julgador a aplicação duma pena agravada ao agente do crime de homicídio involuntário ou de ofensas corporais involuntárias quando estas sejam puníveis, só porque tais infracções penais tenham resultado dum acidente de viação.
Ora, justamente, só há infracções penais para cuja punição se deve conceder maior latitude ao julgador, são justamente as que resultam de acidentes de viação, pois que, normalmente, o facto material da morte ou de simples ofensa corporal ligeira resulta de circunstâncias puramente fortuitas que ao julgador cabe apreciar em cada caso concreto para com justiça poder graduar a responsabilidade penal delas decorrente.
Esta disposição do Código da Estrada parece traduzir uma falta de ajustamento entre os preceitos do código e os princípios informadores da nossa legislação criminal, que mais acentuado se torna no que respeita às gravíssimas penas maiores do seu artigo 59.º, quanto ao crime de homicídio involuntário cometido nas circunstâncias especiais que nele se referem.
Essa disposição, nos termos em que se adi!» redigida, colidia com o preceito expresso do artigo 110.º do Código Penal, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 39 688, em que se estabelecia taxativamente que nos crimes meramente culposos nunca seriam aplicáveis penas superiores à de prisão e multa.
Reconhecendo certamente essa anomalia, já o Governo, no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39 929, esclareceu que as penas maiores do artigo 59.º do Código da Estrada não são aplicáveis aos crimes meramente culposos.
Pela influência que pode exercer na qualificação do condutor como habitualmente imprudente, há ainda que apreciar o preceito do n.º 4 do artigo 46.º do novo código.
Diz esse preceito: «por cada transgressão será levantado um auto de notícia, ainda que se verifiquem várias no mesmo momento e relativamente ao mesmo responsável».
Tal disposição è manifestamente incompreensível, porque, além de contrariar o preceito do § 2.º do artigo 166.º do Código de Processo Penal, vai desnecessàriamente aumentar o trabalho das entidades fiscalizadoras do trânsito, pelo desdobramento em vários autos de uma e mesma ocorrência, e agravar igualmente o trabalho da própria Direcção-Geral de Transportes Terrestes, que tem de apreciar as contravenções delas constantes.

O Sr. Melo Machado: - Todos conhecemos a lentidão com que na via pública estes assuntos são resolvidos: lavrando-se quatro ou cinco autos, o trânsito pára. O código, neste ponto, em vez de facilitar, vem engarrafar o trânsito.

O Orador: - Tem V. Ex.ª razão.
Por outro lado, se esses autos forem enviados a juízo, daí resultará uma dispersão de processos originados por um único e mesmo evento, com o consequente desdobramento dos próprios actos de julgamento.
Esse desdobramento de autuações terá ainda uma consequência muito grave pela sua repercussão nos averbamentos do registo de infracções da Direcção-Geral de Transportes Terrestres.
Assim, por uma única ocorrência podem vir a resultar dois, três ou mais averbamentos de contravenções distintas, e, como esse registo tem necessário reflexo na qualificação de contraventor como habitualmente imprudente, nos termos da alínea c) do artigo 61.º do novo código, esses averbamentos em pouco tempo poderiam vir a acarretar para qualquer condutor essa qualificação e a consequente aplicação por mero acto administrativo das penalidades que ali se cominam.
Além disso, como, segundo os princípios da lei penal, na graduação da pena se deverá ter em linha de conta a personalidade do delinquente e sua habitualidade na prática de infracções penais, o desdobramento de autuações pode vir a ter repercussões de grave injustiça, nos processos crimes resultantes de acidentes de viação, pois que, nos termos do artigo 65.º do Código da Estrada, a todos esses processou devora ser junta uma cópia do registo de infracções da Direcção-Geral de Transportes Terrestres.
E, embora a apreciação da habitualidade na prática de infracções penais deva resultar, fundamentalmente, do seu registo criminal, a verdade é que, no que respeita a processos crimes por acidentes de viação, esse registo de infracções, da Direcção-Geral de Transportes Terrestres impressiona sempre o julgador.
Por isso há que rodear os averbamentos nesse registo de todas as cautelas, devendo, consequentemente, remodelar-se a sua organização e neles averbar igualmente todas as decisões que tenham sido favoráveis aos arguidos e não apenas as que lhe sejam desfavoráveis.

Vozes : - Muito bem!

O Orador: - Em resumo, deveriam esses registos subordinar-se ao regime adoptado para o registo criminal, com seus averbamentos e correspondentes cancelamentos, e nunca manter-lhes a actual orgânica, em que apenas se averbam elementos desfavoráveis aos condutores que não mais são cancelados.
Em qualquer caso deverá revogar-se o preceito do n.º 4 do artigo 64.º do Código da Estrada e manter para todas as autuações do Código da Estrada o regime geral do § 2.º do artigo 166.º do Código de Processo Penal, ou seja a do auto único para cada ocorrência.
Sr. Presidente: uma outra matéria, esta inteiramente nova no nosso sistema processual, merece especial apreciação.
É a do artigo 67.º do novo código, que permite o exercício da acção cível em conjunto com a acção penal.
Criou-se, assim um novo processo misto, no qual, perante a jurisdição criminal, podem desde logo ser demandados os civilmente responsáveis pela indemnização, mesmo que estes não tenham sido os arguidos na acção penal.