27 DE JANEIRO DE 1955 (425)
Questão situada na base da prosperidade da Nação lhe chamou O Século num artigo recente «tal é o papel que a produção vinícola representa na existência das populações rústicas e na economia do País» e. acrescento eu, na sua distribuição demográfica .
O problema é suficientemente sério para exigir a dedicada colaboração de todos.
Necessária e útil era, pois, a intervenção da Assembleia Nacional. E logo que ela foi iniciada, e depois de alguns Deputados se terem ocupado incidentalmente do assunto, a atitude do Governo começou a revelar-se do modo mais acentuado e a não deixar dúvida.- de que está disposto a enfrentar, com decidida vontade, este grande problema nacional, indo assim ao encontro dos anseios do Pais.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - O primeiro sintoma foi a nomeação, por despacho ministerial de 13 de Dezembro último, de uma comissão de estudo, para rever as questões relacionadas com o plantio da vinha e avaliar do possível reflexo deste na perturbarão do mercado dos vinhos. e que proporá, se for caso disso, as alterações que julgar necessárias 110 actual regime de condicionamento (sic). Comissão formada por dignos funcionários superiores, de incontestável competência, que muito mo apraz salientar, mas cuja nomeação, por um lado. pecou por tardia e por a lavoura não estar nela representada e. por outro lado. parece demonstrar que o Governo ainda não estava integrado da situação; isto é, levou a concluir que. salvo o devido respeito, se estava actuando sem previsão do perigo e das suas funestas consequências, e enfim, sem olhar à nova situação criada e aos novos problemas surgidos nos três anos de vigência do Decreto n.º 38525.
O Sr. Melo Machado: - Ao Sr. Ministro da Economia ouvi a afirmação de que o parecer dessa comissão seria depois levado ao conhecimento dos interessados, para darem sobre ele as suas opiniões.
O Orador: - Muito obriga-lo pelo esclarecimento de V. Ex.ª Só é de louvar a atitude do Sr. Ministro.
Aquele decreto, por seu turno, na doutrina vaga e abstracta de alguns dos seus preceitos e no erro. na insuficiência ou falta de outros, permite as incertezas e vicissitudes de que a vitivinicultura tem sido vítima e nos estamos fazendo eco. e tiveram larga repercussão nas importantes reuniões dos grémios da lavoura e dos representantes das regiões tradicionalmente vinícolas realizadas recentemente na cidade de Coimbra, que. pela elevação como decorreram e pelas suas resoluções unânimes, muito honraram a lavoura portuguesa.
Vai, assim, acalmando o pé-de-vento que a crise levantou de norte a sul. erguendo, com as últimas folhas Caídas, a poeira dos interesses e das paixões, que é mister repelir numa discussão livre e imparcial, como é tradição nesta Casa.
Se houve quem imaginasse que me propus arvorar um estandarte de revolta do Norte contra o Centro e o Sul, ou do Sul contra o Norte e o Centro, ou do Centro contra o Norte e o Sul, enganou-se redondamente, pois nunca tive semelhante propósito. Norte, Sul e Centro podem carecer de soluções diversas para o bom resultado comum, mas não .prevalecem acima de um problema que. por ser nacional, não admite compartimentos estanques.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Não meus senhores!
Não se trata de luta; nem sequer de lota ...
O que devemos pretender, na presente conjuntura e sempre, é, sim, que se encontre uma solução de justo equilíbrio, numa aglutinação 'de vontades, como já tive ocasião de preconizar aqui na sessão de 10 de Janeiro de 1947. Não unicamente mais uma solução de circunstância, pois, se assim sucedesse, dela poderia resultar remédio .passageiro para o esgotamento da sobreprodução acumulada em dois anos, apesar de não ter sido excepcional; mas voltar-se-ia, forçosamente, à situação anterior e, então, já convertida numa verdadeira catástrofe. em resultado do vultoso acréscimo que vai trazer a produção das novas plantações, atingido que seja o período da sua maior produção.
Mas acaba de ver-se que. graças a Deus. o Governo pretende atalhar o mal e; reconhecer a indispensabilidade de um socorro urgente. pois de outro modo o Sr. Ministro da Economia. nosso colega nesta Assembleia, teria seguido o caminho lógico e habitual, isto é. usava da faculdade que resulta dos artigos 113.º da Constituição e 49.º do Regimento, mandando à Assembleia os esclarecimentos que pudessem orientar o debate do aviso prévio, e legislava depois, ponderando as sugestões que daqui partissem.
E para não parar de .novo. deve o Governo lembrar-se de que embora se trate de uma cultura de produção cíclica, ela não é de safra e contra-safra regulares como o é. quase pendularmente. n do azeite. que. aliás. é uni produto cuja conservação está exposta a menos contingências do que a do vinho.
Sr. Presidente: quando vem à supuração a crise. o alvo de incidência é especialmente o Ribatejo, por ser, por excelência, a região vinícola com grandes várzeas. e das de maior e de mais económica produção unitária, e onde a graduação alcoólica dos vinhos lhes aumenta o valor comercial ; o que tudo, .na opinião do engenheiro agrónomo Henrique de Barros, lhe dá papel saliente nos preços e na regularizarão do mercado.
Mas o Ribatejo, como é sen direito, acode sempre, com galhardia, à chamada.
Foi um mal? .Foi um bem a plantação desmedida da cepa na grande planície ribatejana?
Ë irrelevante discutir perante o facto consumado. Em séculos idos, o bom ribatejano, activo, audaz e empreendedor, numa ânsia firme de conquista, desbravou e arroteou como lhe aprouve e com denodo as terras bravias e. com mercê de Deus, converteu-as naquele manancial de riqueza, que, através dos tempos, tem vencido com tenacidade e resignação todas as crises e todas as provações; a tal ponto que já Fernão Lopes pôde dizer, na Crónica de El-Rei D. João I, ser Santarém suma das grandes vilas que há no Reino de Portugal, e mais abastadas de todas em rendimento».
É certo, porém, que o seu povo se lastimou junto das Cortes de 1481 ; mas não seria fácil que aquele húmus geralmente privilegiado fosse a causa da crise que se desenhou então, a não ser ... ; a não ser que a origem estivesse, já no plantio da vinha em grande extensão, como, aliás, pode depreender-se de uma postura do Senhor Rei D. Fernando.
Mas, na História da Sociedade Portuguesa, da Costa Lobo, já se dizia que no século XV os vinhos de Santarém não tinham grande nomeada, embora, é claro, isto não autorize a dar fé aos «Prantos da Maria Parda», tão falsos quanto caluniosos.
«Quando viu as ruas do Lisboa com tão poucos ramos nas tabernas e o vinho tão caro, e não podia viver sem ele», praguejou desbragadamente a sua desdita e dispôs em testamento:
Os d'Obidos e Santarém.
Se aqui pedirem pousada.
Dêem-lhe de tanta paneada
Como de maus vinhos têm.