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426 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 73

Já passaram quatro séculos, e Maria Parda era uma megera, e ébria tão incorrigível que recomendou para o seu enterro:

Quem mais mando levar
Por tochas cepas de vinha...

E, vendo a canada vazia, lamuriava:

Oh! coitadas das goelas!
Oh! Goelas da coitada!...

Os tempos e as coisas mudaram, repito, mas a sátira de mestre Gil, mesmo que pudesse ter pretexto sério, e até por isso, vinha afinal demonstrar quanto desde então o Ribatejo tem feito com sucesso para aperfeiçoar cada vez mais as qualidades enológicas dos seus vinhos. Honra lhe seja.
Encontramo-nos em presença de um assunto muito sério. Muito sério social, económica e politicamente. E note-se que fui intencionalmente que dei a primazia ao aspecto social. Como os outros, mas ainda mais do que eles, torna o problema da vitivinicultura num verdadeiro problema nacional.
Se não bastasse para demonstrá-lo a circunstância de o vinho ser uma grande fonte de riqueza pública, havia de ter-se em consideração o facto de ela ser o ramo da nossa actividade agrícola que ocupa, proporcionalmente, maior número de brados e lhes fornece trabalho mais ou menos aturado no decurso de quase todo o ano.
É nas regiões vinhateiras que, geralmente, há menos desemprego e os salários mantêm, excepcionando a época das cavas, uma certa estabilidade, que, embora não atinja sempre uma razoável mediania, excede por vexes apreciavelmente nalgumas regiões a de outras e mantém nas suas populações um poder de compra mais elevado.
Nem sempre assim sucede? Mas o que seria a situação da humilde gente do Douro, da Bairrada do Dão e de outras regiões sem a vinha ?
É com verdade que o relatório do Decreto n.º 38 525 diz que a vinha é das culturas que absorvem maior e mais regular volume de mão-de-obra e é ela que condiciona a vida económica e social dos respectivos agregados populacionais. E o largo e douto parecer da Câmara Corporativa de Abril de 1951 comenta:

A vinha é, pelo valor económico dos produtos, pelo número e condição dos empresários e pela soma de trabalho que utiliza, a base de sustentação de uma grande parte da população portuguesa, e, consequentemente, factor importante de equilíbrio e estabilidade social.
E mais adiante acrescenta que a massa de trabalho absorvida pela respectiva cultura condicionou através dos tempos o desenvolvimento das populações e às vezes a sua formação.
Na autorizada expressão do digno Subsecretário de Estado da Agricultura e nosso colega. Sr. Engenheiro Agrónomo Vitória Pires, transcrita no interessante Boletim dos Grémios da Beira Litoral, todos os esforços da exploração agrícola, seja qual for o sector, devem convergir para um bem-estar rural, dando os maiores proventos aos empresários, melhores condições de vida aos trabalhadores e maior desafogo à economia nacional.
Também o distinto Deputado Dr. Proença Duarte, quando fez a sua estreia parlamentar, na sessão de 5 de Fevereiro de 1935, disse que o problema vinícola tem de ser encarado sob o ponto de vista económico e social.
A importância do aspecto social do problema, na sua influência na fixação das populações e no nível da sua vida, é também posta em relevo pelo Procurador à
Câmara Corporativa Sr. Cabral Mascarenhas no exaustivo e notável relatório que precedeu o projecto das bases resolutivas aprovadas pelos delegados das regiões tradicionais vitivinícolas na recente reunião de Coimbra e ontem apresentadas ao Governo.
Neste valioso e desapaixonado estudo, sob todos os aspectos bem digno de ponderação das instâncias oficiais, sustenta-se que o rendimento bruto da cultura da vinha é de quase 20 por cento do somatório de diferentes modalidades de exploração da terra, incluindo a silvícola e pecuária, e o seu granjeio ocupa uma média anual de cerca de 200 000 trabalhadores, ou seja 16 por cento da população agrícola activa do País, sendo de cerca de 90 por cento a percentagem dos vinicultores que produzem anualmente uma média, inferior a cinco pipas. Note-se bem.
A área da vinha plantada no País atingia, há anos, 244 000 ha e correspondiam-lhe 1 404 822 000 pés, segundo o inquérito a que procedeu a Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas.
O número de produtores de vinho cifrava-se em cerca de 303000 e a média da produção anual andou à volta de 9 500 000 hl, tendo sido excepcionalmente de 14 500 000 a de 1944, máximo atingido, pelo menos nas últimas décadas. Na sua comunicação de há dias, o Sr. Ministro da Economia atribuiu ao decénio de 1915 a 1944 a média de 4 842 000 hl e ao último decénio a de 9 062 000. Veja-se a diferença para mais!
Estes números têm colocado esta nesga de terra em 4.º, 5.º e 6.º lugares na produção mundial de vinho, embora seja de notar que em outros países a produção vem aumentando também de forma inquietante, tendo a produção mundial atingido em 1953 cerca de 203 200 hl.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença para um pequeno esclarecimento?
Os números que V. Ex.ª indicou dizem respeito a todos os vinhos produzidos ou estabelecem-se números diversos em relação aos vinhos comuns e aos vinhos licorosos?

O Orador: - Dizem respeito aos vinhos comuns.

O Sr. Carlos Moreira: - Esses números totalizam também as produções restritas dos vinhos do Porto?

O Orador:- Referem-se à produção total antes do tratamento dos vinhos contingentados para a beneficiação.
Vem a propósito recordar o slogan que há anos foi largamente divulgado na imprensa e na rádio, berrado em cartazes e até glosado nas revistas de teatro: «Beber vinho é dar de comer a 1 milhão de portugueses ...».
O Sr. Deputado Melo Machado computou em 2 milhões o número de pessoas com interesses ligados à actividade vitivinícola do País.
Por tudo isto, pode dizer-se acertadamente que se trata, sem dúvida, de una cultura eminentemente social.
E, sob o aspecto económico, basta dizer, por exemplo, que se lhe atribui o rendimento de 2 200 000 contos nos últimos cinco anos.
Quais as soluções?
Foi sempre difícil encontrá-las, e geralmente, só se procuravam nos momentos de grave crise, para dominá-la, e nada mais. Nos anos de fraca produção ou fácil escoamento deixava-se correr o marfim, voltava-se ao abandono do assunto, com manifesto menosprezo pelo porvir.
Ressalvando algumas boas intenções e tentativas feitas outrora, entre elas as de João Franco, a vitivini-