436 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 74
entrou-se aberta e claramente no regime de defesa da qualidade por forma, radical como o foi, entre outras medidas, a obrigatoriedade da enxertia ou do arrancamento puro e simples dos produtores directos. Medida igual foi proposta naquele ano ao Parlamento pelo Governo Francês; mas entre nós ela constituiu um golpe profundo em vastas regiões ao norte do meu distrito, que assim foram as primeiras e as mais directamente sacrificadas.
Depois, até ao Decreto n.º 38 525, actualmente em vigor, seguiu-se uma teoria de leis, decretos e portarias, em número superior a vinte, que por brevidade não especifico; mas manteve-se, em determinados casos, a proibição do plantio e noutros a sua restrição, a destruição das enxertias ilegalmente feitas, etc.
Porém, ora não existiram, ora eram leves as sanções legais; e o panorama foi tal que, mesmo estando já em vigor o importante Decreto n.º 24 970, da autoria do Sr. Dr. Rafael Duque, pôde o actual Ministro das Finanças, Sr. Dr. Águedo de Oliveira, exclamar na sessão de 7 de Junho de 1935 que se estava plantando desaforadamente, e manifestou estranheza por os agricultores, no seu instinto de explorações lucrativas, «teimarem e persistirem em cultivar antieconómicamente a vinha, cultura que estava sendo tão funesta e tão violenta como o jogo».
E já meses antes, em 5 de Fevereiro, o Sr. Dr. Proença Duarte revelara que o Decreto n.º 21080, de 1933, proibira a plantação, mas continuara-se a plantar por falta de sanções; e, referindo-se às estabelecidas naquele Decreto n.º 24 976, então discutido para o efeito de ratificação com emendas, acrescentou que os transgressores se sujeitavam a todas as consequências do seu acto. É a doutrina do risco - concluiu.
Outras opiniões insuspeitas e autorizadas, como a do Sr. Melo Machado, se revelaram, então e posteriormente, favoráveis à restrição dó plantio.
O actual Decreto n.º 38 525, de 23 do Novembro de 1951, promulgado em conformidade com a Lei n.º 2021, de 21 de Maio de 1947, teve o merecimento de unificar e corrigir aquela legislação dispersa, e, não obstante atenuar muito o rigor do condicionamento, com ele teve-se em vista - diz o relatório - contribuir para melhorar a qualidade do produto pela escolha dos terrenos e pela selecção das castas.
E conclui-se que, nessa ordem de ideias, quis preferir na autorização para plantio as zonas vitícolas susceptíveis de produzir vinhos de boa qualidade, ou sejam, como é notório, os terrenos de encosta e até os mais pobres, e portanto menos produtivos.
Numa palavra: propôs sacrificar a quantidade a qualidade, como se fazia mister.
Simplesmente o legislador não logrou alcançar o seu objectivo, pois a parte dispositiva do decreto nem em tudo se concilia com as suas acertadas premissas e, por outro lado, são muito menores as áreas por plantar e plantáveis que tenham condições de produzir vinhos de melhor categoria.
Acresce que o decreto autoriza a plantação sem limite em terrenos de erosão ou frequentemente inundáveis e onde outras culturas não tenham possibilidades económicas de exploração, o que, de uma forma abstracta e em período normal, podia considerar-se justificável se pròviamente se procedesse à classificação e delimitação destes terrenos, entre os quais, aliás, os há férteis, graças aos nateiros que ais cheias depositam. E não é verdade que agora as barragens têm larga influência no ímpeto e na regularização das cheias ? Tom as brigadas do condicionamento ponderado todas estas circunstâncias?
Tamanha amplitude do decreto veio contrariar, por exemplo, o g 3.º do artigo 1.º do Decreto n.º 23 590 e a alínea d) do § 1.º do artigo 1.º da Lei n.º 1891, que
dispunham o contrário; e, contra a intenção do legislador, vai originar em pleno um grande aumento na produção de vinhos, com os quais nunca podem competir em quantidade e em preço os de outras regiões, nomeadamente os das três Beiras e de Oeste, e ainda os do Douro excluídos do contingente da beneficiação.
Será exagero recear que, se as coisas continuarem por este caminho, veremos um dia o esmagamento da pequena viticultura, isto o, a sua miséria, ou a conversão do trabalhador rural em pobre de pedir V
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Vem a propósito ler o que se disse nu relatório do Decreto n.º 24 970:
Aquelas (as terras de encosta) produzem menos, de melhor qualidade e com maiores despesas, ao passo que estas (as de terras de várzea) produzem mais, de pior qualidade e com menos despesas.
E este testemunho é insuspeito por todos os títulos, pois subscreve-o, com tola a autoridade do seu nome e da sua competência, e Sr. Dr. Rafael Duque. E ó uma verdade irrecusável; não se atentar nela é um erro clamoroso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Mas o Decreto n." 38525, além da sua exagerada amplitude, contém disposições que não se conciliam com as norma» repressivas usuais. Mais con-cretamente: sanciona, por dinheiro, a fraude u lei! Parece-me até -Deus me perdoe- que nesta altura foi esquecida a necessidade de limitar o plantio e melhorar a qualidade, para, com os olhos postos no estreito critério fiscal, se amealharem mais uns cobres nos cofres do Tesouro, não ocorrendo ao legislador que se dão casos em que uma nova nascente faz secar as que existem.
Os bem comportados pagam $10 por cepa plantada depois da concessão da licença, mas os apressados ou receosos de que o seu caso não seja atendível, esses podem plantar primeiro e arrumar logo o negócio, dobrando simplesmente a parada, ou elevando-a a s550, se só mais tarde se apresentarem a pedir a legalização.
Passa-se por cima uma esponja, pois não se manda arrancar o que foi abusivamente plantado. Não! Ato, se o seu desmazelo chegar ao ponto de não legalizarem o acto em troca daquele preço mesquinho, pagam a multa anual de 2S50 por videira até atingir 105. Assim a prestações, como que a esporar cobrir a multa com o lucro da fraude!
Cura sem dor ...
Pelo artigo 29." as licenças concedidas por erro resultante de falsas - falsas note-se bem! - ou inexactas informações dos interessados serão consideradas nulas, mas, contra o que era lógico, eles não são processados por falsas declarações, nem tão-pouco, como sucede ao acto que é nulo, desaparecem os vestígios.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não, senhor! Um infractor fica margem do Código Penal e paga ; também, por videira, aqueles 2($f)Ü anuais até perfazer 10£.
Pronto! Ao fim de quatro anos as mãos ficam lavadas ... e a vinha, essa cresce e floresce e não tarda a produzir à farta! Negócio garantido.
A tal nulidade é, afinal, aquilo a que na lei de processo se chama uma nulidade suprível. Aqui suprível com dinheiro!
Vozes: - Muito bem, muito bem!