2 DE FEVEREIRO DE 1955 467
(...) mesmo tempo, a medida das imperfeições técnicas do sistema e a medida em que se impõe reconhecer a necessidade da sua urgente modificação e revisão.
Por outro lado, acresce que alguns princípios basilares contidos nesse emaranhado de legislação se revelam, nas actuais circunstâncias da vida económica e social, não só lesivos da liberdade de acção julgada comumente legítima no quadro das actividades mercantis, mas também impeditivos da livre circulação de mercadorias e produtos, com directa influência na determinação dos seus preços e no abastecimento dos respectivos mercados.
Apoiados.
Por todas estas razões, daqui se apela para SS. Ex.as os Srs. Ministros da Justiça e da Economia no sentido de que seja revisto, expressamente revogado onde tal se impuser, e republicado, depois das modificações cabidas que nele devam introduzir-se, todo o conjunto de normas definidoras e punitivas dos delitos antieconómicos, por forma a acabar com a grave injustiça e o espantoso anacronismo da sobrevivência, em época de normalidade da vida económica, de leis de emergência, cujo conteúdo foi determinado por circunstâncias anormais resultantes do estado de guerra. Tanto pedem a certeza do direito e o sentimento de justiça que deve inspirá-lo, em ordem à satisfação dos interesses legítimos do comércio e à normal satisfação das necessidades do consumidor.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: certas reformas processuais penais -recordo a que instituiu o Habeas corpus, recordo as que discriminaram minuciosamente os casos e a forma de prisão sem culpa formada - parece terem sido inspiradas em culto profundo pelos direitos de liberdade da pessoa humana.
Não quer isto dizer que outras reformas, paralelamente, não posterguem esses direitos, na exacta medida em que proscrevem o poder processual de recorrer. Mencionarei, para ilustrar esta afirmação, o caso clamoroso que se passa no regime jurídico punitivo dos delitos por avariação, alteração, corrupção e falsificação de produtos alimentícios, para cujo conhecimento é competente um tribunal colectivo, com sede em Lisboa, e cuja alçada alcança todos os casos em que a punição aplicada compreenda multa, excluídos os adicionais, até 6.000$.
Este regime de alçada é o que se definia no artigo 49.º e seu § único do Decreto n.º 20 282, de 5 de Setembro de 1931, e que diplomas posteriores mantiveram até ao presente. Sucede, entretanto, que, enquanto por este decreto a única pena aplicável a tais delitos era a de multa, vária legislação posterior, nomeadamente o artigo 4.º do Decreto n.º 32 334, de 20 de Outubro de 1942, modificou a pena aplicável, acrescentando à de multa a de prisão -não remível nem suspensa -, que nos casos de reincidência é de seis a dezoito meses, e até seis meses no caso de delinquências primárias.
Apesar disto manteve-se o mesmo regime de alçada, impondo-se que o acusado não tenha recurso possível quando condenado em dezoito meses de prisão, se o tribunal lhe aplicar multa inferior a 6.000$.
Mas a lei vigente e a jurisprudência estabelecida conduzem ainda a uma mais extravagante situação, que é a seguinte: não pode o tribunal fazer o cúmulo das penas e, embora a decisão seja unitária no caco de apensação e julgamento conjunto de processos contra um mesmo arguido, o certo é que nela se aplicam condenações distintas e relativas a cada um desses processos. Daqui se chega a esta situação paradoxal: se a multa aplicável é de, por exemplo, 7.000$, pode o arguido recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, mas se a soma das multas
aplicadas é de 20, 30 ou mais contos de réis, não tem o arguido possibilidade de recorrer.
É preciso rever também estes casos, e em tal sentido apelo de novo para o Sr. Ministro da Justiça e agora também para o ilustre titular da pasta do Interior.
Apoiados.
Sr. Presidente: se me é lícito esperar alguma coisa mais em expressão da paciência com que V. Ex.ª e a Câmara me estão ouvindo, desejo não concluir estas considerações sem aludir à também premente necessidade de modificar o nosso actual regime de direito processual civil.
Sabemos que S. Ex.ª o Ministro da Justiça encarregou já de fazer a sua revisão o eminente processualista Prof. Doutor José Alberto dos Reis, autor do projecto do código vigente desde l de Outubro de 1939.
Sem contestar os merecimentos indiscutíveis desta codificação, forçoso será reconhecer que a experiência destes últimos quinze anos de vida judiciária revelou numerosas deficiências do sistema inicialmente definido e originou a publicação de já numerosos diplomas avulsos, que ou lhe introduziram modificações de fundo e de forma ou criaram novos esquemas de organização judiciária para aplicação do anterior direito adjectivo.
Não é este o lugar próprio, nem é próprio este momento, para fazer sequer uma enunciação minuciosa das deficiências normativas facilmente verificáveis, nem um estudo crítico da nossa organização judiciária e dos processos do seu funcionamento.
Quanto àquelas, lembraremos apenas que o sistema ou regime da oralidade visou alcançar verdadeira celeridade na administração da justiça, mas com propriedade deverá dizer-se que nem sequer isso conseguiu.
Apoiados.
São do nosso conhecimento casos de acções ordinárias, por exemplo, que pendem na l.ª instância há mais de dez anos, sem que em algum tempo se tenha suspendido a sua movimentação.
Mas o pior é que se sobrepôs a celeridade processual à certeza na administração do direito e se legislou por modo que, em muitos casos, o juiz ficou desonerado da responsabilidade moral, social o profissional das suas decisões.
O Sr. João Neves: - Em prejuízo da justiça.
O Orador: - Diz V. Ex.ª muito bem. Por exemplo, reparemos nos seguintes casos:
O magistrado dos tribunais de recurso - culto, inteligente e superiormente equilibrado nos seus julgamentos -, perdida a possibilidade de se chegar à, decisão pelo apuramento de votos tencionados (apoiados), ficou equiparado ao colega em quem, porventura, aquelas qualidades não concorram.
O julgamento em 1.ª instância, para além do grave inconveniente do como que anonimato da decisão, cria até aos próprios magistrados as incómodas posições sociais de, nas próprias comarcas em que servem, aparecerem, aos olhos do público em deprimente situação de subalternidade aparente, se é que certa e legal subordinação hierárquica não conduzirá muitas vezes a subalternidades reais.
Vezes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E em todo este conjunto normativo vigente, na fase processual do julgamento, o advogado vê-se tão cerceado nas suas iniciativas, tão limitado nos seus direitos de actuação, tão condicionado nas suas possibilidades de expressão -seja em processo criminal, seja em processo civil -, que em muitos casos, na gene-(...)