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3 DE FEVEREIRO DE 1955 485

sem paralelo: a que Ricardo Espírito Santo desenvolveu no campo das artes e das letras!
Quantos artistas puderam afirmar-se como tais graças ao seu amparo; quantas publicações se editaram sob o seu incentivo e patrocínio; quantas obras de arte dispersas pelo Mundo vieram ou regressaram a Portugal por sua interferência!
E, como se tudo isto não bastasse para que a contei corrente da sua vida tivesse já um saldo sobejamente credor, quanta gratidão devemos todos ainda a esse homem excepcional que há dois anos nos legou a Fundação Ricardo Espirito Santo, num gesto magnânimo de verdadeiro príncipe da Renascença, que, a bem da Nação, abdicou de tão avultada fazenda e de tão preciosa colecção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Este formosíssimo museu de artes decorativas, constituído exclusivamente por obras portuguesas do maior interesse, é bem o espelho da sua alma de artista e do seu coração generoso, e é também, só por si, motivo de gratidão geral.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Por isso, evoco aqui com sentido pesar, e já com dolorosa saudade, o nome de Ricardo Espirito Santo, que a partir de boje se inscreve nas sagradas páginas da história, e faço votos para que a sua alma encontre no Céu a paz que merece, e que o exemplo da sua benéfica acção frutifique na Terra, inspirando novos e semelhantes feitos, como fonte criadora de valorização nacional.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu relativamente a problemas Vitivinícolas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Garrett.

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: ouvi com a devida atenção o excelente trabalho em discussão, ampla e conscienciosamente elaborado, notável discurso que honra esta Assembleia. Deu-me ele valiosos ensinamentos, que robusteceram a opinião que sempre tive, por mera intuição, de que a cultura da vinha só deveria fazer-se com largueza em terrenos que não possam produzir outros géneros alimentícios mais indispensáveis.
No tema em debate há aspectos técnicos, de que não me ocuparei, porque para tal me falta competência. A minha intervenção limita-se a um comentário médico a propósito daquela passagem em que se fala da pequenez do consumo interno do vinho e, consequentemente, da necessidade de o aumentar, o que pode afigurar-se - e já assim o ouvi lá fora - como contrário à luta contra o mal social que é o alcoolismo. Pareceu-me oportuno esclarecer este ponto, não para a Assembleia, que seguramente está sobre ele inteirado, mas para o público, que, através da imprensa, segue o que aqui se diz. E o esclarecimento poderá talvez contribuir, ainda que modestamente, para as conclusões do debate.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Parto de duas premissas fundamentais:

1.ª O vinho è um alimento de grande utilidade;
2.ª O alcoolismo só em pequena parte deponde do hábito de beber vinho.

O vinho não é apenas um soluto de álcool etílico. E uma complexa mistura de substancias nutritivas, proteicas, glucídicas e salinas, rico em vitaminas. Pelos éteres aromáticos, principalmente, é um alimento eupéptico. O álcool produz sete calorias por grama, o que dá ao vinho um valor energético importante.
O álcool ingerido absorve-se rapidamente, difunde-se por todo o organismo, é oxidado à medida que nele vai entrando, desde que o ingresso não seja grande, nem rápido. Se assim não for, o organismo tenta eliminar o álcool que não pode queimar e, se a eliminação total do excesso se não faz com brevidade, o álcool impregna as células dos tecidos orgânicos e intoxica-as. As investigações cientificas sobre estes fenómenos mostraram que durante a refeição podem ingerir se, sem qualquer inconveniente, entre 2 dl e 5 dl, segundo a massa corporal de cada indivíduo e a sua feição nutritiva. Fora das refeições, estas quantidades, para serem inócuas, têm de ser bebidas lentamente, aos poucos.
Em suma, o uso moderado do vinho, nos termos que acabo de lembrar, é benéfico e aconselhável, por ser um alimento higiénico de notório valor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-O abuso do vinho conduz, como é sabido, a fenómenos de intoxicação aguda ou crónica, sendo esta a que sanitariamente mais interessa, pelas lesões irreversíveis que provoca. O alcoolismo de origem vi n iça é, porém, menos importante que o devido às bebidas fortemente alcoólicas de graduação superior a 40, as quais geralmente dão intoxicação crónica sem o alarme da intoxicação aguda; e isto ainda é mais sensível quando contêm, além do álcool etílico, álcoois diversos de maior toxicidade sobre o sistema nervoso. Isto faz com que o público olhe, sobretudo, para o alcoolismo provocado pelo vinho, impressionado pelo espectáculo da embriaguez, sem saber que há alcoólicos que nunca se embriagaram.
A intoxicação crónica pelas bebidas alcoólicas é, afinal, da mesma ordem que as intoxicações causadas pelo abuso de outros géneros alimentícios, tal como sucede com o relativo a carnes e gorduras, responsável pelo desgaste visceral, sobretudo do fígado e dos rins, e pelo endurecimento das artérias, estados patológicos tão frequentes nos indivíduos de alimentação rica.
Resumindo: a higiene indica ser o vinho um alimento de alta qualidade, que a todos convém, desde que bebido em quantidade e forma que o não transforme de útil em prejudicial. Verdade esta cientificamente firmada, que já Hipócrates, o pai da Medicina, na velha Grécia, por simples observação, havia proclamado. Não é por haver uns quantos que dele abusem que esta verdade deixa de se impor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Posto isto, qual deverá ser o consumo desejável para o total da população?
Abstraindo os menores de 10 anos, que aliás devem beber, mas em diminutas quantidades, podem estabelecer-se as seguintes rações médias diárias: 3 dl para adolescentes e mulheres e 6 dl para os homens. Estas médias correspondem às variações individuais, tendo em conta as idades e as ocupações, de trabalho físico ou sedentárias. São médias determinadas com grande parcimónia,