O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

488 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77

O Orador: -Sr. Presidente: o problema vitivinícola português é, em meu entender, e pondo de parte o caso especial do vinho do Porto, um problema do consumo e um problema de qualidade. Desses dois aspectos, já aqui excelentemente tratados, me quero também ocupar, pedindo a V. Ex.ª o favor de me relevar.
Digo um problema de consumo, porque, se a capitação fosse um pouco mais elevada do que efectivamente é, não me parece que, mesmo com as produções consideradas altas dos dois últimos anos, houvesse motivo paru preocupações e alarme.
Problema de qualidade, porque, dentro da instabilidade da produção .num baixo nível de consumo, só o apuramento da qualidade do vinho criará um clima propício à defesa da exportação e ao hábito de beber bons vinhos.
Ao atentarmos nas estatísticas oficiais sobre a produção e o consumo, por um lado, e a evolução demográfica, por outro, chegaremos a conclusões bem pouco agradáveis e que nos obrigam a encarar o futuro com apreensões.
Vemos que, enquanto no decénio de 1916-1925 a capitação média anual foi de pouco mais de 50 l, no decénio seguinte, de 1926-1935, subiu para 87 l, número que, com pequenas oscilações, voltamos a encontrar no quinquénio de 1948-1952.
Hoje, por virtude das grandes colheitas de 1953 e 1954, essa média deve andar pelos 100 l por cabeça, ainda assim distante das capitações da Itália e da França, a desta última por volta dos 130 1.
Ora, num país como o nosso, ocupando o quarto lugar entre os (produtores europeus, país em que existe generalizado por todo o território o hábito de beber vinho, não pode dizer-se que seja demasiado, ou ale normal, cada habitante consumir menos de um quarto de litro por dia, quantidade bastante inferior à defendida pelo Sr. Prof. Almeida Garrett, mesmo levando em conta que, se o número obtido se refere ao consumo aparente de toda a população, ele peca pelo defeito do cálculo não tomar em atenção os excedentes da produção, isto é, os saldos.
Dir-se-á que se bebe pouco porque a população não está habituada a beber ou porque o vinho é substituído por outras bebidas, como acontece em países refractários ao seu consumo, ou nos quais o álcool, a cerveja, os refrigerantes e as cocacolas têm larga divulgação.
Em Portugal não se bebe pouco vinho por falta de hábito ou porque outras bebidas o substituam. No nosso país não só não existe aversão pelo vinho, como até a generalidade das pessoas, de todas as condições sociais, o aprecia. O consumo da cerveja é diminuto, não atingindo, moa últimos anos, 2 por cento do consumo do vinho; os refrigerantes, apesar da falta de tipos de vinho chamados de café, não constituem concorrência digna de apreço; as bebidas fortemente alcoólicas estão somente nos hábitos ou nas pretensões dos frequentadores de certos meios, muito limitados, dos grandes centros.
Não, em Portugal bebe-se pouco vinho porque, infelizmente, a população não tem poder de compra suficiente para satisfazer todas as suas necessidades primárias, e o vinho, para muitos, não passa de uma necessidade secundária.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E se isso se pode aplicar a muitos portugueses ocupados nas actividades comerciais e industriais ou ao pequeno e médio funcionalismo, todos eles n braços com dificuldades para manterem um nível de vida pouco menos que medíocre, melhor ainda se poderá dizer da lavoura, da pequena lavoura, que, apesar dos evidentes progressos da nossa economia geral, continua a viver como vivia há algumas décadas, isto é, sem qualquer desafogo e abandonada às contingências de uma produção de grandes amplitudes.
Há poucas semanas, o nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Camilo Mendonça, com a sua excepcional autoridade, pôs-nos perante o panorama da nossa agricultura, que ocupando cerca de metade da população activa do País, não chegava a contribuir com 30 por cento para a composição do rendimento nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -A agricultura não deixou de ser, paru mal dos nossos pecados, a arte de empobrecer alegremente; e se no latifúndio -é o caso do vinho- é possível obterem-se grandes produções a baixo custo, a pequena lavoura, com todo o seu elevado valor económico e social, luta cada vez mais com dificuldades insuperáveis, ou que não poderá superar se o Estado não entrar decididamente no caminho de lhe facilitar a organização e não intensificar o auxílio da técnica, do crédito fácil e barato, da garantia dos mercados, da estabilidade dos preços, enfim, de tudo aquilo que lhe é indispensável para poder viver menos pobremente.
Se o lavrador do Minho - e quem diz do Minho diz das Beiras ou de qualquer região de pequena propriedade - se alimenta parcamente da broa de milho, do porco criado com as couves da horta e do caldo de feijões, é ao vinho que ele vai buscar o que precisa para pagar ao Estado ou aos organismos corporativos ou pré-corporativos.
Para o fazer, quantas vezes deixa de beber o vinho que produz ou, se o não produz, não vai comprá-lo fora. Mas, pelos hábitos tradicionais e pela vida dura que leva, ele deveria ser o mais importante dos consumidores.
É nesta verdade que se deve atender.
A economia nacional ressente-se do rendimento do vinho e, quando o lavrador o não consome ou não o vende a preço compensador, o comércio e a indústria são imediatamente afectados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o nível de vida da população de um país, por maiores que sejam os recursos ou a visão e a audácia dos governantes, não se modifica de um momento para o outro, e há que fazer esforços para que o consumo do vinho aumente em Portugal.
Porque não lançar mão de uma propaganda sugestiva e bem orientada, apta a exaltar essa bela bebida natural, cheia de nobreza, rira de qualidades, a propósito da qual António Dinis da Cruz e Silva dizia:

Tragam-me um copo já de branco vinho
De líquidos topázios fino orvalho ...

É claro que este fino orvalho, como o poeto esclarece, é ... o vinho verde!
Porque se não criam tipos de vinho ligeiros, de Verão, brancos ou rosados, de fraca graduação alcoólica, vinho de toda a hora, para ser vendido barato, em concorrência com a detestável cerveja que para aí se fabrica e com as laranjadas, limonadas, pirolitos e imitações do cocacolas?
Devia ser esse o vinho preferido pela Maria Parda, já aqui tão oportunamente citada - como autoridade que é-, pelo Sr. Dr. Paulo Cancella de Abreu:

Uni vinho claro rosete
O meu bem doce pallhete,

e que não era positivamente o de Santarém ...