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3 DE FEVEREIRO DE 1950 491

O Orador: - Impõe-se o recurso ao Estado, mas não se pode fiar dele o encargo de, por sua couta, construir as adegas, trabalho aliás demorado, e seu equipamento. Esse encargo pertence à própria vitivinicultura, devidamente organizada e por intermédio das suas adegas cooperativas.
Para já, a solução terá de ser o aproveitamento das adegas dos vitivinicultores até às novas colheitas, onde o vinho ficará de conta e à responsabilidade da Junta Nacional do Vinho. Mas devemos aproveitar a oportunidade para encarar desde já o futuro, na previsão rias piores eventualidades, depois de nos assegurarmos do bloqueamento total dos excedentes que dificultam a paralisam o jogo normal das leis da oferta e do procura.
Na previsão de piores dias ainda, o único remédio está na organização corporativa da lavoura, que não passa, por enquanto, duma vaga e parece que remota aspiração, não obstante as recentes declarações dos Srs. Presidentes da República e do Conselho.
Com base nos grémios da lavoura, reunidos em federações regionais de carácter provincial, tendo por cúpula a corporação, que engloba os interesses afins da produção, comércio e trabalho, ela deve substituir os organismos do coordenação económica, que, indispensáveis numa situação de emergência de carácter necessariamente provisório, dão a toda a gente a impressão de aspirarem a eternidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Desta aspiração resulta que a proclamada organização corporativa não se realizou ainda- isto a mais de vinte anos do seu início-, e o pouco que dela se construiu encontra-se solto, disperso, sem unidade, incompleto, sem eficiência económica nem social, em detrimento do prestígio que doutrinária e constitucionalmente lhe é atribuído e conviria afirmar, em resultados práticos, com demonstração palpável da sua potencialidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Influências várias, estranhas aos interesses da organização, desconhecidas mas sentidas, interesses criados, têm obstado ao seu normal desenvolvimento. É necessário vencer essas resistências. É de vital urgência eliminá-las e prosseguir no trabalho iniciado com corajosa resolução, sem olhar a considerações de qualquer natureza.
Se o tivéssemos feito, o problema actual não teria surgido sequer.
A lavoura organizada tê-lo-ia resolvido a tempo e horas, a contento de todos, dentro daquele equilíbrio que na sua generalidade disciplina os interesses afins, harmonizando os inevitáveis antagonismos que sempre surgem na realização dos mesmos interesses.
E teríamos hoje o suspirado corporativismo de associação, e não um corporativismo estadual.
Se constitucionalmente, doutrinàriamente, é aquele que desejamos, importa que ele o seja de facto.
Se o fosse, as dificuldades presentes de certo não existiriam; não preocupariam o Governo nem afligiriam a produção.
Foi a sua falta que em base, originou a crise actual e determinará as que se lhe vão seguir nos anos futuros.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: como fatal consequência da inexistência da organização corporativa, surge um outro dos grandes motivos das nossas dificuldades actuais, e que consiste na inexistência de um plano de produção agrícola, construído em escala verdadeiramente nacional, pelo qual se elevassem equilibradamente os preços das várias produções da lavoura portuguesa, nivelando-as de maneira a eliminar preferências culturais.
Se ele existisse, não se teria dado a corrida ao plantio da vinha, porque nele a lavoura, considerada individualmente, não teria qualquer interesse particular ou especial, a não ser os da melhor adaptação e rendabilidade.
Plantou-se mais vinha, muita vinha, porquê?
Porque, apesar de tudo, o vinho foi, no decénio que já citei e apesar de momentâneas dificuldades de colocação, o produto agrícola que maiores compensações ofereceu ao lavrador. Também não cito números, pois hoje estou com horror às cifras, mas quem for curioso que as procure, porque elas dir-lhe-ão isto mesmo.
Ora o lavrador é um homem e, digam o que disserem e façam o que fizerem, há-de ser sempre influenciado pelo princípio edonístico que o ensina a procurar o maior proveito com o mínimo de esforço.
Se uma cultura dá mais do que qualquer outra, toda a gente foge desta para se dedicar àquela. Isto, porque é humano, nada tem em princípio de censurável. É lógico, perfeitamente lógico, como lógicas são as suas consequências numa economia liberal. Tudo fugiu para a cultura da vinha: a serra, a encosta, a planura e a lezíria. E, como ninguém pensou naquilo a que conduziria a febre do plantio, ou se pensou não fez caso, entendeu que lhe deveria ser permitido tudo o que aos outros deveria ser proibido. E, como todos pensavam da mesma maneira, chegou-se à saturação, que se traduz na antítese do ajustamento natural da produção às possibilidades do escoamento.
E aí está a crise, que não é puramente psicológica, mas real. Daí as nossas dores de barriga actuais, seja-me permitido o plebeísmo da frase.
Ora, se se tivesse pensado em elevar e nivelar os preços das várias produções agrícolas, não teriam havido preferências específicas por qualquer cultura, porque todas, dariam lucros, sensivelmente iguais, apenas com o diferencial das melhores aptidões culturais.
Somos ainda deficitários em cereais e carne. Porque não se aproveita a oportunidade para incrementar estas e outras produções, entre as quais o milho, cuja cultura, a experiência nos mostra ser igualmente favorável à criação de gados? Aí fica a ideia, que suponho não ser de todo má.
Elevem-se os preços das diversas produções agrícolas, nivelando-os harmònicamente com os preços da produção industrial.
Teremos resolvido o problema do baixo poder de compra da grande maioria da nossa ruralidade e com ele os dos subconsumos, do êxodo dos campos e da proletarização da classe média.
Esta é, Sr. Presidente, a essência da questão em debate, apreciada na sua generalidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não vou entrar na apreciação dos numerosos problemas que a especialidade nos oferece, tão brilhantemente expostos pelos nossos ilustres colegas Dr. Paulo Cancella de Abreu e demais oradores que me antecederam, a quem a lavoura deve assinalado serviço.
O da qualidade, a meu ver, está fora de causa. É a política seguida em todos os países produtores, velhos e novos, como a Espanha, a Alemanha, a Bulgária, o Chile, a Hungria, a Itália, a Roménia, a Argentina e o Brasil.