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496 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 77

Remunerando geralmente mal os artigos agrícolas os seus produtores, estes não podem garantir salários suficientes aos trabalhadores rurais, dado também que esses salários têm a particularidade de evoluir com o próprio valor dos produtos.

Logo, se a grande massa dos trabalhadores rurais não aufere um salário suficiente (os pequenos proprietários meeiros e rendeiros não têm vida melhor), teremos aqui uma causa possível, muito provável, da falta de consumo do vinho.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Com os salários que auferem, aliás em acordo com o valor dos produtos agrícolas em geral, como pode a massa de trabalhadores rurais corresponder à parte maior de responsabilidade que lhe cabe no consumo nacional de vinho?

Há mais, porém, neste capítulo. A colheita de 1953, se bem que volumosa, não foi de grandeza inusitada, e a situação dos rurais não sofreu em 1953-1954 alteração apreciável quanto a outros rendimentos; mas a crise, que já há anos vinha manifestando-se, agravou-se em 1953-1954 e no presente ano, posto que algumas zonas tivessem até melhorado talvez um pouco (cerealíferas, por exemplo, por colheitas bastante boas, a que, não obstante, se manteve o preço da tabela).

Portanto, se, de facto, a situação da viticultura piorou, temos de admitir que outras condições rurais evoluíram para pior.

Apresento aqui a minha homenagem a Monsenhor Santos Carreto pela sua brilhante intervenção de há dias. Do seu eloquente e formoso discurso, em que focou as condições da vida, especialmente da rural, da Beira, peço licença para reproduzir o seguinte:

O custo da vida continua em desequilíbrio cruciante e, enquanto se mantiver este desequilíbrio, a vida continuará a decorrer entre dificuldades atrozes para quantos vivem exclusivamente dos seus vencimentos ou salários ou da pequena e média lavoura .

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O Orador: — Enfim, não é necessário que o nível de vida baixe num sector para que esse sector se sinta mal e sofra; basta que suba sensivelmente nos outros para que o mal-estar apareça naquele. Demais, se o nível de vida sobe nesses outros sectores, o considerado estacionário em seus rendimentos ficará, de facto, e mesmo em absoluto, diminuído, porque parte das suas despesas aumentará.

Ora esta é a verdadeira tragédia dos nossos rurais, a que parece necessário, urgentemente necessário, que se valha.

(Com isso só teríamos vantagens, a começar pelos viticultores, que mais facilmente e melhor veriam escoados os seus vinhos, passando pelos comerciantes e industriais, que veriam aumentados os seus negócios e a venda dos seus produtos, e a acabar por fim em todos os serviços, que passariam a ser prestados com maior amplitude e em melhores condições.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Diz-se na Alemanha: «quando a agricultura tem dinheiro, toda a gente o tem!...». A recíproca parece na mesma verdadeira.

Há dias, numa revista agrícola portuguesa, deparou-se-me um quadro que me causou surpresa e prendeu a atenção.

Nele se mostra que na nossa velha aliada, a Inglaterra, de 1939 a 1953, o desemprego baixou de 17,2 por cento para 2,4 por cento da população activa, enquanto:
a) Os preços dos produtos industriais aproximadamente duplicaram;
b) Os produtos agrícolas triplicaram, isto é, enquanto o custo geral das coisas pouco mais que duplicou.
Entretanto, os ordenados e salários tornaram-se cerca de 4,5 vezes maiores e o rendimento bruto nacional subiu umas 4 vezes.
Estes resultados, Sr. Presidente, são tanto mais surpreendentes quanto é certo que, comparados com o que entre nós se passa, verificamos o seguinte:
Os índices pelos quais se pode, segundo a estatística, avaliar o custo da vida actual são aproximadamente duplos dos de 1938-198(9 (100 para 211), enquanto são igualmente duplos também os ordenados e salários.
Não residirá nisto o segredo da nossa mediania?
Longe está de mim a ideia de o afirmar; no entanto, ao apontá-lo pretendo apenas chamar para o facto a atenção dos competentes e estudiosos desta matéria, pois não deixará de merecer-lhes um pouco de meditação e estudo.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O Orador: — Se a Inglaterra conseguiu vencer as dificuldades que a guerra e o pós-guerra lhe causaram, e apresenta uni teor de vida considerado francamente próspero em 1953 e 1954, sob o panorama de rendimentos e salários que a citada revista agrícola nos revela; e nós, sem termos tomado parte directa na guerra (embora lhe tivéssemos sentido os efeitos), e não obstante o meritório esforço da nossa Lei de Reconstitui-ção Económica, prolongado pelo não menos meritório e muito esperançoso Plano de Fomento, apresentamos um quadro de progresso real, é certo, mas fragmentário — entrecortado de crises e de visíveis manchas de mal-estar, que afecta quase toda a nossa vida rural e muito da nossa vida económica geral —, é que alguma coisa falha e precisa de ser revista no nosso sistema.
Ouso, Sr. Presidente, perguntar: o desequilíbrio apontado por Monsenhor Santos Carreto — e que tão evidenciado aparece na actual crise da viticultura nacional — não terá na sua base a baixa rendabilidade agrária, tão insistentemente invocada nas reuniões de estudo dos nossos viticultores?

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Decerto, aparece entre nós o receio, que já agora me não parece muito justificado, de que um aumento dos pequenos ordenados e salários — com tanta evidência estimulador da alta de consumo das coisas e, portanto, da sua pro.dução, como já nesta sala tive ocasião de notar — implicará um aumento igual do custo da vida ou dos preços dessas coisas, uma vez que a incidência dos salários no seu custo se resolve numa percentagem menor, e tanto menor quanto maior for o emprego da máquina no trabalho produtor.

O Sr. Melo Machado: — V. Ex.ª tem estado a fazer uma comparação entre a reabilitação económica da Inglaterra e a nossa. Mas peço a V. Ex.ª que não esqueça que a Inglaterra é um país rico e que o nosso é pobre.

O Orador: — A seguir respondo a V. Ex.ª