DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150 1048
Nem os ensinamentos da história, nem as duras lições do passado recente, nem tão-pouco a luz eterna da cristandade, resplandecente de palavras de amor e de paz e fulgurante de exemplos de caridade, fraternidade e renúncia, têm conseguido comover os corações e iluminar as inteligências para pôr cobro aos mal entendidos, desarmar os ódios e conter as ambições, como se no Mundo não houvesse lugar e pão para todos e o Céu não fosse só para os bons e para os justos.
Os homens responsáveis não se entendem para colocar ao serviço da humanidade os primores da sua inteligência e os vastos recursos do seu poderio e antes procuram esconder pensamentos e intenções, quando contactam em volta das mesas das conferências internacionais onde se movimenta um jogo diabólico de xadrez num clima de desconfiança e de medo soprado pela actuação desconcertante e vária do credo comunista.
Destarte se cavou um abismo e se colocaram frente a frente e à beira dele os homens e as nações de todo o Mundo.
De um lado, os que defendem una civilização que tem a inspirá-la os preceitos da mais pura espiritualidade; do outro, os que desejam impor um conceito de vida puramente materialista. À margem destes dois agrupamentos há um outro em gestação, que se diz neutro, mas que faz consciente ou inconscientemente o jogo comunista.
Nós estamos entre os do mundo ocidental, não só em razão da nossa situação geográfica e interesse político, mas, sobretudo, pela nossa formação moral e espiritual, costumes, tradições e história.
O agrupamento de nações que hoje constitui o mundo ocidental nasceu da necessidade de estruturar uma força militar e económica para se opor ao poder crescente dos Sovietes, que mantém em pé de guerra grandes exércitos e as suas indústrias de armamento a trabalhar em cheio, com deliberado propósito de impor ao Mundo pela força o seu sistema de vida e de trabalho, não desejando assim acompanhar a Inglaterra, América do Norte e Canadá, seus potentes aliados contra a Alemanha, na política de desarmamento seguida logo aipos a vitória.
Ao mesmo tempo transformam as conferências internacionais para a paz, com o seu direito de veto, em autênticos palcos de comédia.
Os homens de governo dos países da Europa Ocidental, cientes do perigo que corriam os seus territórios e povos em face do poder e subtileza da manobra comunista, sentiram que era indispensável unirem-se para garantir a sua sobrevivência com liberdade.
Gastaram-se cerca de três anos em estudos, discussões e diligência para se conseguir que esse pensamento tivesse um princípio de realização.
Assim nasceu a Organização do Tratado do Atlântico Norte, conhecida pela O. T. A. N., a que pertencemos e que desejamos honrar com a nossa presença, colaboração e esforço.
Esse organismo, que é um gabinete internacional onde têm assento os catorze governos dos países que dele fazem parte, não possui, contudo, qualquer autoridade supernacional.
Age por meio de um Conselho Permanente, com poderes de decisão, de um Secretariado Internacional, onde se estabelece a ligação e a colaboração entre as autoridades militares e civis, e de uma organização militar, combinada com comandos não nacionais, abrangendo o norte do oceano Atlântico e o continente europeu do cabo Norte ao Norte de África e da Mancha ao Cáucaso.
A cada país cabe dar o seu contributo, pondo ao serviço da O. T. A. N. todas as possibilidades individuais e colectivas para resistir à agressão, quer no domínio militar, económico e financeiro, quer na preparação moral e política, criando uma força e uma consciência que possam lutar com êxito e sem desfalecimento.
É para integrar a nossa defesa no sistema atlântico, considerando também o nosso império ultramarino, que não está abrangido por ela, e os imperativos da hora que passa, que o Governo apresenta à discussão da Assembleia esta proposta de lei destinada a organizar a nação para para o tempo de guerra.
Nos seus princípios fundamentais, define-se o objectivo da defesa nacional e a política que a condiciona, com base nos princípios constitucionais, morais e humanos que têm sido sempre o timbre da nossa presença no Mundo.
Afirma-se a unidade de direcção e põe-se à disposição da defesa nacional a totalidade dos meios humanos e materiais para a universalidade da terra portuguesa e dá-se poder a quem tem de os fazer accionar no momento oportuno.
Estruturam-se no plano ministerial os órgãos de direcção, coordenação e execução, dá-se-lhes competência e foca-se o seu alto labor em tempo de paz, para bem movimentar as pessoas e os meios em caso de guerra ou de emergência.
Estamos na presença dum documento-base e de enquadramento, a desenvolver e completar por meio de leis e decretos regulamentares, para dar à defesa nacional a articulação, harmonia e plasticidade indispensáveis para actuar sem hesitações nem atritos.
Para o conseguir devem as leis regulamentares estabelecer uma organização em tempo de paz inspirada na prevista para a guerra, permitindo, a todo o momento e em todo o lugar, evitar a surpresa e fazer face a todo o perigo.
É necessário não nos limitarmos a definir a priori a competência e a estrutura dos seus órgãos políticos e técnicos, mas encarar ao mesmo tempo a sua praticabilidade e eficiência, considerando o aspecto funcional.
A multiplicidade dos assuntos a coordenar, a preparação dos homens dirigentes e dirigidos, a exploração e disposição dos elementos e recursos mais variados solicitam uma organização treinada na paz, dada a complexidade dos problemas, que não podem ser resolvidos com improvisações, tanto ao nosso gosto e aptidão.
O poder de improvisação terá de ser utilizado em ocasiões de perigo, mas só para o imprevisto; porém, só o fará com sucesso aquele que possuir uma completa preparação para o desempenho da missão confiada e conhecer bem o meio em que tem de agir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para bem nos prepararmos para a guerra, devemos começar por guerrear a improvisação, fazendo finca-pé na indispensabilidade de uma metódica e bem orientada preparação.
O conjunto e a conjugação para o mesmo fim dos factores político, económico, militar e moral a ter em conta dão bem a noção da transcendência do que se pretende com a publicação desta proposta de lei.
O factor político é sem dúvida o dominante: a defesa nacional é, antes de mais, uma acção política que se enquadra na política geral do Governo e deve constituir uma das suas preocupações fundamentais, porque assenta nela a sobrevivência e a honra da Nação.
Esta preponderância do factor político sobre os demais, quando não se mantém dentro da justa medida, tem o seu perigo, porque às vezes a paixão e a conveniência partidária fazem esquecer o dever e o verdadeiro interesse nacional.