16 DE MARÇO DE 1937 377
quer ela queira, quer não, adquirir os daquela que não os desta outra fábrica.
Todavia, apesar desse privilégio da moagem, que é ainda um encargo da panificação, não há a menor contrapartida para esta, que se debate num regime de concorrência livre, na face da venda dos seus produtos, para um regime de condicionamento na fase do fornecimento da sua matéria-prima. E condicionamento feto pelos próprios interessados.
Os preços legais de venda de pão são. e muito bem, uniformes em todo o País. Desde que assim acontece, pareci; que seria curial impor às empresas produtoras de farinhas, estas ao abrigo de um severíssimo regime de condicionamento industrial, a obrigatoriedade de fornecerem as farinhas postas de sua conta nos estabelecimento" de panificação a abastecer e rateados os respectivos encargos de transporte por intermédio da organização corporativa da moagem.
Por nutra parte, impõe-se que aos industriais de panificação se conceda o direito mais que legítimo de escol lia da entidade abastecedora de farinhas, princípio que S. Ex.ª o Ministro da Economia vem preconizando desde há muito, mas ainda não posto em prática, por razões que ignoramos. Só assim, como é óbvio, poderia estabelecer-se entre os produtores de farinhas uma concorrência benéfica, estimulante do aperfeiçoamento da qualidade dos produtos entregues ao consumo, isto sem prejuízo de se manter proibido, como acontece, o aumento, sob qualquer pretexto, da capacidade de laborarão das instalações de moagem existentes.
IV) Regulamento da indústria de panificação:
Espera-se do há muito uma regulamentação que evite que a indústria se perca irremediavelmente e que regresse à época do "alguidar e da tábua de tender", utensílios que os nossos velhos avós consideravam suficientes para a exploração da indústria de panificação. E há que evitar esse regresso por todas as razões e até porque seria pouco lisonjeiro para a panificação o voltar a um passado de atraso técnico que ainda mais choca pelo flagrante contraste que forma com as demais indústria", que a passos de gigante se desenvolvem e progridem brilhantemente, para maior prestígio de Portugal e das suas instituições.
A indústria de panificação não quer ignorar o brilhante movimento de aperfeiçoamento e -modernização por que estão passando a quase totalidade das indústrias portuguesas, e pesa-lhe se continuarem ignorados por quem lhes pode dar remédio os inales que a afligem e que são impeditivos de ao lado das demais dar uni pouco de contributo para o ressurgimento que se vem operando desde há três décadas nos vários sectores da vida da Nação.
A indústria não medrará enquanto não furem tomadas medidas que evitem o seu estado de pulverização, agora imensamente, agravado com os fabricos caseiros em regime, de trabalho familiar autónomo, que se podem instalar, com um mínimo de exigências, sem limite do quantidade, em qualquer lugar, por mais superlotado que esteja de padarias.
O fabrico caseiro, justamente pelas poucas exigências que lhe são feitas, pelos pequeníssimos encargos que lho são impostos, em comparação com os que suportam as padarias em regime industrial, move a estas uma concorrência fácil, que desalenta os industriais de espírito mais empreendedor a arriscarem capitais, pela certeza de eles se diluíam.
Enquanto houver numa mesma localidade padarias com encargos e obrigações diferentes - as de regime industrial e as de fabrico caseiro e familiar autónomo - as primeiras têm de ser vencidas pelas segundas.
E assim voltaremos ao "alguidar e tábua de tender", a que atrás nos referimos.
E referindo-nos à "invasão" da indústria de panificação pelos denominados fabricantes em regime caseiro e familiar autónomo, convirá esclarecer e acentuar que até 1950 se não conheceu da existência de tal actividade. Efectivamente, como a legislação pseudoproteccionista - Decretos n.ºs 12 051 e 20 407 - dava margem à instalação indiscriminada de padarias, não havia motivo, enquanto vigente aquela regulamentação, para recorrer ao "artifício" das oficinas em regime caseiro e familiar autónomo. Logo, porém, que por via do Decreto n.º 38143 o condicionamento imposto se tornou coisa um tanto mais séria, tudo se simplificou com a adopção daquele famosíssimo regime.
Não se atendeu, lamentavelmente, aplicar-se o regime caseiro e familiar autónomo à panificação, nos princípios que informavam o Decreto n.º 36 270 de l5 de Maio de 1947, princípios que o legislador definiu assim, lapidarmente, no respectivo relatório:
"Reconhece-se, porém, que, principalmente na presente conjuntura, a amplitude dada à doutrina da base IV da Lei n.º 1956 tem sérios e graves inconvenientes. Aquela base manda que seja defendido o "trabalho caseiro e familiar autónomo", e não a indústria caseira. A diferença entre uma e outra coisa, é grande e até em certas circunstâncias as pode tornar antagónicas".
De tudo se fez tábua rasa quando as agências de alvarás encaminharam os respectivos clientes para o regime caseiro de fabrico e venda, criando-se, assim uma verdadeira indústria caseira integrada numa actividade cujo grau de pulverização tinha imposto a promulgação de disposições especiais relativas à concentração e encerramento de estabelecimentos, contidas no Decreto n.º 31 545, de 30 de Setembro de 1941.
Infelizmente, todas as razões aduzidas pula indústria com vista a demonstrar os gravíssimos inconvenientes de uma política de intensificação da indústria caseira sem qualquer tradição, insalubre, antieconómica e indisciplinada, em oposição àquela que se deveria seguir, de saneamento e reequipamento da verdadeira indústria, foram brados caídos no deserto. Tudo se tem conjugado, assim, para uma maior desorganização e uni mais acentuado empobrecimento das" actividades, sem excluir destas tristes condições os pseudoprotegidos fabricantes caseiros, e sem interesse para ninguém, pois os próprios consumidores são. no fim o no resto, vítimas também, através de fraudes de ordem defensiva e de atentados comprovados contra os mais rudimentares princípios de higiene, da tal indústria caseira que se criou e se vem fomentando.
Não resistimos a transcrever as palavras proferida* a propósito do trabalho caseiro pelo Ex.mo Sr. Eng. Ferreira Dias no acto de posse no alto cargo de vice-presidente do Conselho Superior da Indústria, verificado em 14 de Fevereiro de 1953.
Afirmava, então, aquele ilustre técnico o economista:
"O trabalho caseiro, cujos méritos têm sido exagerados por uma sobrevivência do romantismo, não tem importância que justifique o muito que dele se tem dito e escrito, inclusivamente no Diário do Governo.
Se me é permitido fazer uma estatística sem inquérito prévio, direi que, do trabalho caseiro, um terço é uma espécie de semiescravatura em que uns empresários pouco atentos ao cumprimento dos deveres fiscais mantêm uns milhares de pessoas trabalhando em casa, desprotegidos das leis sociais; outro terço é um quadro amargo de pobreza e insalubridade; o terço restante será, porventura, o artesanato perfeito, autónomo, sa-