5 DE MARÇO DE 1959 269
Para atingir o grau de conhecimentos de tantos e tão variados problemas médicos, da maior gravidade e importância, não poupou sacrifícios ou canseiras, que lhe renderam indiscutível autoridade para agir dentro do programa que traçou como higienista eminente e epidemiologista consumado, grande defensor da saúde pública, prestando ao País, em horas bem amargas, os mais assinalados serviços no combate a doenças infecciosas de extrema malignidade que em diferentes períodos grassaram entre nós com a maior virulência.
Não acusou limitação a sua actividade cientifica, desdobrando-se em sucessivas manifestações do seu esplendoroso espirito, inspirando e realizando obra magnifica numa época eriçada das maiores dificuldades, pertencendo-lhe a autoria da maior parte da legislação que orienta e rege os diversos problemas da. saúde pública, cuja direcção ocupou em larguíssimos anos.
Não é, Sr. Presidente, tarefa fácil falar de alguém que, como Ricardo Jorge, soube, dentro e fora da Nação, desempenhar os mais diversos cargos: director-geral da Saúde Pública, presidente do Conselho Superior de Higiene, sócio dos mais altos institutos científicos europeus, representante de Portugal no Office Internacional de Higiene e do Comité de Higiene da Sociedade das Nações, e tantos outros, em que pôs à prova o seu grande saber, com direito bem reconhecido à consagração internacional.
E, Sr. Presidente, quero afirmá-lo bem alto: o espirito que lhe preparou esse movimento consagratório bem merecido nasceu no Porto, que jamais poderá esquecer os altos serviços que na sua actividade tão fecunda lhe prestou, vida inteiramente dedicada ao bem da humanidade.
Não cabe numa pequena intervenção parlamentar como a que estou realizando o elogio de um homem, cultor, propagador e criador da ciência, como foi o Prof. Bicarão Jorge. Esse elogio, feito à face da obra que nos legou, não passa de um ligeiro comentário recordatório da personalidade cujo centenário se está comemorando. Resumo, aliás, bem curto e bem reduzido de uma obra que , nos orgulha.
Sr. Presidente, não tive o prazer e a honra de ser discípulo de tão grande mestre; de ter escutado as suas lições magistrais, que gerações de médicos ouviram encantados e dominados pela sua palavra, que encerrava volumoso repositório de ensinamentos, plenos de actualidade e de verdade em princípios e conceitos, adoptados e seguidos ainda na hora presente. Mas li com atenção e interesse grande parte das suas publicações, condensadas ou dispersas, cujo conteúdo é factor demonstrativo da sua prodigiosa actividade científica. E isso me basta para fundamentar o meu juízo.
É extraordinariamente vasta a sua bibliografia, não só no campo científico, mas também no campo literário, onde, em prosa admirável, com estilo próprio, deixou magnificas páginas de um vivo descritivo em .que esse inquieto caminheiro do bem assinalou uma actividade literária produtiva e brilhante.
A demonstração fiel da sua cultura de sentido e perfeito Humanismo ficou ricamente documentada através de uma enorme série de publicações, abrangendo centenas em que o sen génio se desdobra num labor exaustivo e constante; onde ao lado de estudos científicos de natureza médica, e tantos foram eles, escritos com admirável elegância de forma e perfeito estilo, não fosse ele um mestre da língua portuguesa, enfileiram outros de natureza literária, não menos ordenados e brilhantes, respeitantes à crítica da arte, à história da medicina e dos seus valores, não devendo esquecer-se as suas tão lidas crónicas de viagem. Ficaram célebres e são lembradas com admiração as polémicas sustentadas pelo Prof. Ricardo Jorge com individualidades marcantes na vida social e literária da época, onde o seu valor combativo e a agudeza das suas respostas o distinguiram como temido polemista.
Sr. Presidente: Ricardo Jorge pertenceu a uma geração de pensadores e artistas que floresceram numa época que não vai distante, pelo espirito, pela inteligência è pela cultura, procurando nos diferentes sectores da sua actividade o remédio para solução de muitos, e variados problemas candentes, que se debatem, e que a humanidade reclama. Das suas ideias brotaram caudais de bondade e fraternidade humana, que o mundo vai esquecendo e abandonando, dominado por falsas e enganadoras doutrinas, sem projecção e sem grandeza. Ricardo Jorge marcou bem ,o seu lugar, a sua posição, nesse concerto humano de valores que tanto se notabilizaram e a quem rendo o merecido preito da minha admiração.
Sr. Presidente: estão terminadas as considerações que me propus fazer. Pretendia, mas faltam-me qualidades para o realizar, que elas fossem dignas do vulto eminente que me habituei a admirar há largos anos, quando iniciei os meus estudos médicos, admiração que tenho mantido no mais alto grau pela vida fora, onde topo a cada instante com os ensinamentos que Ricardo Jorge nos legou.
O Porto, velho e notável burgo onde ele nasceu e ali quis dormir o seu derradeiro sono eterno, numa manifestação de afecto pela terra que lhe foi berço, o criou e lhe formou o sen alto espirito, acompanhou-o, naquela tarde triste e cinzenta, à sua última morada, em manifestação de saudoso e agradecido afecto e respeito.
Dentro de curto período, de tempo erguer-se-á em pedestal de granito a sua estátua, enfrentando a Escola de Medicina, onde vive e sobrevive o sen talentoso espirito, na pujança do seu reconhecido e admirado saber. Nesse monumento, símbolo de gratidão, na majestosa concepção da sua grandeza, lá ficará, através dos tempos, dialogando simbolicamente com mestres e alunos, como exemplo imperativo de que só pelo estudo consciente, em labor inteligente e constante, o médico pode bem cumprir a sua missão, alto apostolado que Ricardo Jorge soube sempre honrar e dignificar, no seu carácter diamantino, na sua robusta inteligência, na dedicação e amor pelo seu semelhante:
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:-Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na especialidade a proposta de lei sobre nacionalidade.
Vamos passar à matéria do capítulo IV, que trata «Dos efeitos da atribuição, aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade», secção I «Dos efeitos da atribuição da nacionalidade».
Ponho em discussão a base XXIV, que vai ser lida à Câmara.
Foi lida. É a seguinte:
BASE XXIV
1. Salvo disposição em contrário, a atribuição da nacionalidade originária portuguesa produz efeitos desde o nascimento do interessado, ainda que as condições de que dependa só posteriormente se tenham verificado.
2. Neste caso, porém, a atribuição da nacionalidade não prejudica a validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com fundamento em nacionalidade diversa.