502 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 96
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para efectivai- o seu aviso prévio sobre os organismos de coordenação económica o Sr. Deputado Ferreira Barbosa.
O Sr. Ferreira Barbosa: - Sr. Presidente: o único propósito que me anima nesta intervenção é o de procurar o esclarecimento, à luz forte e crua das realidades, de um ponto importante - assim o considero - da aplicação prática da nossa doutrina política.
Tendo exercido, ao longo de mais de vinte anos, funções modestas de dirigente corporativo, não as exercendo ainda hoje desde logo pela minha própria vontade, não espero mesmo voltar a exercê-las, pois, tendo começado a minha rida de trabalho bem cedo, para acudir ao sustento dos meus, sinto-me já cansado e começo a julgar-me no direito de atingir bem em breve um limite de idade que me exima ao cumprimento do que, aliás e sempre, me pareceu e me limitei a considerar como um dever para com os meus pares e com sacrifício para os meus interesses imediatos.
Quero agora afirmar, com a minha plena e incondicional admiração pelo chefe incontestado e insigne da nossa renovação, a minha confiança no Governo da Nação.
Essa confiança, partilhada por todos os portugueses de boa vontade, não obsta a que entenda caber também a esta Assembleia uma palavra de ordem. Sempre me habituei a cumprir, tão integralmente quanto possível, os deveres que assuma. Deputado, sem que a alguém tenha de longe demonstrado a vontade de o ser, mas não tendo hesitado em me, apresentar ao sufrágio quando tal me foi indicado, entendo que, para mais uma vez não faltar a essa linha de conduta, tinha hoje de proceder como estou procedendo.
Assim, espero- e tenho razões para confiar- que, principalmente de V. Exa., Sr. Presidente, e dos meus ilustres colegas desta Assembleia, me não falte o apoio moral, a simpatia de amigos que acreditem na minha sinceridade.
Talvez e em verdade esse apoio moral me seja necessário, pois não posso esquecer que, logo após uma minha modesta intervenção nesta Guinara, recebi uma carta anónima (em que o anonimato vilmente se atenuava com a indicação - em que não acredito - de partir de funcionários de organismos de coordenação económica), carta anónima em que, à mistura de insultos soezes e de graçolas de mau gosto, se me faziam ameaças.
Sr. Presidente: entendo que nada pode ser mais nocivo à consolidação, propagação e desenvolvimento de um sistema doutrinário do que poder-se-lhe apontar distorções, mesmo quando correspondam a alterações aceitáveis ou justificadas sob um ponto de vista prático.
Uma doutrina tem de ser íntegra e límpida e o sistema que nela assente mostrar-se claro, nitidamente definido em todos os seus contornos e 'sem portas escusas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Assim, o próprio pormenor nãolhe pode ser indiferente. É quando a prática, as circunstâncias ou as realidades imponham alterações ou modificações em pontos da aplicação prática da doutrina, é forçoso que se proceda de forma clara e sincera ao reajustamento imediato de posições, naturalmente e
sempre com salvaguarda dos princípios gerais e essenciais da mesma doutrina. Quando tal realmente se justifique não há por que ter dúvidas ou receios.
Posto isto, entremos mais propriamente no assunto.
Desde a sua criação que os organismos de coordenação económica foram considerados como elemento de ligação entre o Estado e a organização corporativa. A Lei n.º 2086 confirmou-lhes esta qualidade, precisando que o eram entre o Estado e as corporações. E, valha, a verdade, que, para se evitarem conflitos de jurisdição e a bem da disciplina corporativa, a ligação deveria ser de facto feita unicamente através das corporações.
Com certa incongruência (pois, se há necessidade de ligação, é porque se trata de duas partes distintas - pelo menos assim se consideram - e não me parece normal que um agente de ligação entre duas partes pertença a uma delas), têm-se agora definido os organismos de coordenação económica como «órgãos descentralizados da Administração para a gestão económica».
Esta fórmula foi usada por S. Exa. o Sr. Secretário de Estado do Comércio, pelo menos, no seu despacho de 2 de Outubro do ano findo e na nota oficiosa relativa ao incidente com a Junta Nacional do Vinho. Também já o fora, há cerca de um ano, nesta Casa, pelo nosso ilustre colega o Deputado Dr. Dias Rosas.
É uma fórmula que os classifica quanto à sua natureza, e lhes determina genericamente o objecto. Não nos detenhamos a analisar o sabor verdadeiramente colectivista que a expressão «gestão económica» lhe dá. O ordenamento iludo às palavras «órgãos descentralizados da Administração» poderia permitir talvez duas interpretações, mas suponho não me enganar entendendo que com isso se quer dizer tratar-se de organismos da Administração mais ou menos autónomos e mais ou menos especializados (o aposto justifica esta última conclusão).
Isto implicaria desde logo reconhecimento de um carácter estadual aos referidos organismos, o que ainda se não fez, pelo menos de forma clara e inequívoca. Não basta para esse reconhecimento, embora indique intenção em tal sentido, que se determine a anteposição no seu papel de ofícios ao titulo do organismo da menção do departamento ministerial ou Secretaria de Estado de que dependam directamente. (Verdade é também que tal cuidado e tal minúcia parecem, por outro lado, contradizer a ideia da descentralização ...).
Eis, pois, o primeiro equívoco a esclarecer.
Na situação actual, mantém-se sobre a verdadeira natureza ou carácter desses organismos uma incerteza que importa fazer desaparecer. E que, a continuarem na sua actual feição, das duas, uma: ou esses organismos mantêm uma independência e liberdade de movimentos que lhes podem realmente garantir eficiência, mas correndo o risco de se «profissionalizarem» em excesso e, portanto, incorrer nos defeitos, quiçá agravados, dos órgãos profissionais; ou acabam por cair na dependência directa e servil do Ministro, perdendo toda a iniciativa e burocratizando-se. E valha a verdade que se tem feito todo o possível neste último sentido.
Sobre os seus directores e demais funcionalismo- incertos o seu futuro e os seus direitos; funcionários do Estado quase só para as responsabilidades e deveres - pairará sempre o dilema de, apaixonando-se pelas coisas da profissão ou actividade com a qual se encontram em contacto directo, correrem o risco de suspeição e até de nada poderem afinal produzir porque não serão talvez acreditados, ou descambarem em simples, sob certo aspecto, bons funcionários, atentos às ordens dos seus superiores hierárquicos, não se atrevendo à menor divergência ou dúvida e, pondo de lado os justos