288 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 146
Bem merece ser meditado este facto, pelas suas consequências, visto que também nus hospitais do Estado. S. João e Joaquim Urbano, do Porto, funcionários da mesma categoria, exercendo, portanto, as mesmas funções, auferem quantitativos muito maiores, sendo de igual valia o trabalho que uns e outros desempenham. Quase sempre, um circunstâncias semelhantes, a Misericórdia tem acompanhado o Estado na melhoria de vencimentos, não podendo fazê-lo agora pelas condições deficitárias em que vive e a que já aludi, mas é evidente que, esta situação não poderá manter-se.
Recordo agora a reforma de vencimentos dos enfermeiros das instituições de previdência e da federação das respectivas caixas, feita, por despacho do Sr. Ministro das Corporações, quando se declara que a funções iguais devem corresponder remunerações iguais. Já que essas remunerações não podem ter por parte da Santa Casa a sua actualização, ousamos apelar para o Governo, a fim de este, adoptando as indispensáveis providências, conceder meios suficientes para satisfazer as justa, reclamações dos seus serventuários, que virem do labor dedicado a uma obra social de projecção nacional, como é a da Misericórdia do Porto.
Há que olhar o problema com uma objectividade inerente à sua gravidade. Não pode manter-se a situação em que, ao lado de remediados na sua pobreza, vivem pobres, com iguais direitos, na sua miséria.
Eu, Sr. Presidente, não sendo rico, vivendo à custa, do exercício da minha profissão, nunca pedi nada para mim e espero não o vir a pedir, continuando serenamente a meritória, tarefa de pedir e chamar a atenção para os problemas dos que nada ou pouco possuem e precisam de viver em grau compatível com a situação que lhes é devida.
Assim, Sr. Presidente, quero pôr perante V. Exa. e permite a Câmara alguns factos cuja autenticidade, absolutamente comprovada, merece meditação. E pergunto, Sr. Presidente: como poderá viver uma família cujo rendimento é o salário do seu chefe, ganhando diariamente 20$?
Pois este é o caso da maior parte dos serventes de enfermagem do Hospital de Santo António.
Outra pergunta: como poderá manter-se uma família, pequena ou numerosa, trabalhando o seu chefe para a Santa Casa num período já superior a quinze anos, lendo paru sua admissão de possuir o 5.º ano do liceu ou preparação equivalente, ganhando apenas 1.100$?
Nesta situação se encontram muitos dos seus servidores administrativos.
E ainda outra: e os chefes de família, enfermeiros, ganhando apenas 1.201)$
ou 1.400$, sem tempo para exercerem funções externas pelo apertado horário a quo estão sujeitos, como poderão sustentar aqueles que fazem parte integrante do seu agregado familiar?
Exemplos como estes poderiam ser apresentados em larga escala, mas deixo esta tarefa a VV.. Exas., Srs. Deputados.
Não quero também deixar de referir-me ao corpo clínico, aos médicos, cujos sacrifícios continuam a não ser compreendidos, recebendo como director da serviço, com mais de 30 anos de exercício, 1.200$, com os primeiros-assistentes 900$ e como segundos-assistentes 600$.
O comentário é desnecessário, tão evidente é a exiguidade com que se pagam serviços da mais alta responsabilidade, como são os desses dedicados obreiros que abnegadamente lutam pela saúde do homem.
E reparem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na extraordinária diferença estabelecida entre os vencimentos pagos no Hospital de Santo António, do Porto, e os daqueles que trabalham na Misericórdia de Lisboa ou nos Hospitais Civis.
Sejam, pois, VV. Exas., Sr. Presidente e Srs. Deputados, juízes nesta causa, que envolve a paz e a saúde do lar de tantas famílias.
Sr. Presidente: julgo ter dito o bastante, o suficiente para bem se compreender a situação que acabo de expor, inteiramente confirmada pelo quadro que tenho presente, que bem merece ser considerado e meditado.
Instituição de guinde utilidade pública, reconhecida como a primeira do País na sua função eminentemente assistencial e social, é inteiramente credora da protecção e do carinho que ao Governo sem ir e, mereceu quem tão dedicadamente vem trabalhando em favor dos pobres, que no seu seio encontram o amparo e o carinho que outros lhe podem ter negado.
É instituição de inconfundíveis mérito, pelos seus métodos do protecção, assistência e educação, realizados através dos diversos estabelecimentos que dirige e mantém. Mas uma obra de grandeza tão eloquente e reconhecida na prática das melhores virtudes não pode ser exclusivamente realizada pelos componentes da sua mesa, no sacrifício voluntário e constante que ela lhes exige.
Necessito de um corpo especializado de funcionários, executores competentes e dignos do programa abrangido pelos diferentes e complexos sectores de tão notável instituição como é a Misericórdia do Porto.
Não lhe têm faltado esses funcionários, verdadeiramente interessados e dedicados à sua função, jamais regateando esforços ou sacrifícios no cumprimento das suas obrigações, desempenhando zelosamente as tarefas que lhes são confiadas.
Este facto, em toda a sua evidência, reconhece-o inteiramente a mesa da Misericórdia, como reconhece as grandes dificuldades económicas que o seu pessoal enfrenta, lutando fervorosamente por uma vida melhor.
Há que resolver o problema, cabendo ao Estado intervir perante tal situação, que de dia para dia se torna, pior, atingindo extraordinária gravidade.
Ao Governo, que desfruta inteiramente da confiança que bem merece, sempre; atento às justas necessidades a aspirações daqueles que honrada e generosamente labutam pelo seu pão, dirijo um apelo sentido e vibrante, pedindo atenção à voz da razão e da justiça que assiste aos funcionários que ocupam lugares nos serviços da Misericórdia, do Porto.
Todos, sem excepção, desde os que desempenham os mais altos cargos até aos mais humildes; desde os que participam nos serviços clínicos ou de enfermagem até aos que desempenham funções administrativas, e ainda os de serviços mais modestos, pedem, confiantes, que à Misericórdia sejam concedidos meios bastantes para debelar a crise que os inferioriza e os assoberba perante as dificuldades que o custo da vida lhes acarreta.
E, dando satisfação a este e a outros apelos que lhe são dirigidos sobre o mesmo assunto, faz o Governo demonstração eloquente e sincera do seu interesse pelos numerosos colaboradores efectivos da grande obra social, padrão de glória da Santa Casa da Misericórdia do Porto, assim contribuindo para o sossego e para a tranquilidade de quantos, na sua actividade, disciplinadamente trabalham para seu bem e para o progresso da Nação.
Eis, Sr. Presidente, o que eu peço ao Governo, em meu nome e em nome dos Deputados pelo Porto e de todos quantos sentem e pensam como nós.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.