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538 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 161

E o Decreto n.º 42 660, depois de algumas disposições porventura insuficientes relativas a radiodifusão visual, ordena de um modo concreto e terminante que a Comissão de Exame e Classificação dos Espectáculos não autorize o licenciamento de filmes, peças de teatro ou quaisquer outros elementos de espectáculo ofensivos não só da soberania do Estado e de entidades e pessoas que especifica, mas também «das crenças religiosas e da moral cristã tradicional, dos bons costumes e das pessoas particulares, ou incitem ao crime ou sejam, por qualquer forma, perniciosos à educação do povo». Textual.
Mas isto, que é tudo, não constitui absoluta novidade, pois, se não estava já tão clara e completamente concretizado na legislação anterior, estava implícito no espírito que transparecia em vários passos dos seus preceitos e no pensamento do legislador.
Simplesmente, como se disse no relatório, o Decreto n.º 38 964 criara uma disciplina que só valeria na medida em que os órgãos - e as pessoas - encarregados da sua execução se integrassem nos princípios que o orientam e se dedicassem, com espírito esclarecido, a dar-lhe realidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, Sr. Presidente, infelizmente, isto nem sempre tem acontecido.
Não o digo visando pròpriamente a Comissão de Exame e Classificação dos Espectáculos, porque seria injusto.
Como é óbvio, pode haver quem discorde de uma ou outra selecção ou classificação; mas isto é resultante inevitável de diversidade de critérios e, porventura, num caso ou noutro, de demasiada tolerância ou por se terem em conta situações irremovíveis criadas, pois a respeitabilidade, a formação moral, o escrúpulo e o alto nível de cultura de pessoas que fazem parte daquela Comissão constituem penhor de que ela é competente para se pronunciar pelo melhor e reagir contra incompreensões e repelir a pressão de interesses em jogo ou possíveis intromissões ilegítimas que anulem ou embaracem a sua alta função social.
Sem embargo, repito, passam-se coisas que não estão certas. Não obstante o exposto, exibem-se cada vez com mais alarmante frequência, em alguns teatros e cinemas, peças e filmes que excedem a admissível tolerância, condenáveis para todos e, especialmente, muito perniciosos à educação, ao comportamento e à formação moral da juventude, que desde os 17 anos pode frequentá-los, com a agravante de agora serem anunciadas, a preços muito módicos «para a mocidade estudantil», comédias livres indecentes, até por atingirem o recato, a discrição e o pudor da vida íntima...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... perante plateias constituídas quase totalmente por pares de meninas e meninos na adolescência e, portanto, dentro da idade própria para se formar o carácter e orientar o espírito e a razão à luz dos ensinamentos da moral cristã.
E como se justifica que a imprensa - jornais e revistas -, que, geralmente, a mocidade não lê, não publique, e bem, imagens, notícias e folhetins ultrajantes da moral pública, e os teatros e cinemas, que toda a mocidade frequenta, exibam argumentos, imagens, atitudes e linguagem indecorosos e dissolventes?!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Do seu enorme poder de sugestão sobre o espírito dos adolescentes deu exemplo flagrante um caso muito recente ocorrido na Suécia. As suas autoridades tiveram de proibir a teledifusão das aventuras de Guilherme Tell, porque os hospitais trataram em pouco tempo uma centena de jovens gravemente feridos em resultado da imitação que fizeram da famosa cena do tiro de flecha alvejando uma maçã colocada sobre a cabeça!
Tenho para mim como certo que não basta, para não serem condenados, terem as peças e filmes fundo ou finalidade ou desfecho morais, pois o que mais prende, sugestiona e prevalece no espírito dos espectadores, e especialmente dos jovens, são a atracção de imagem, atitudes e linguagem que se exibem. E não é bem certo nem sempre os fins justificarem os meios?
Dá-se a agravante de serem os espectáculos condenáveis os que, precisam ente por o serem, se mantém no cartaz durante mais tempo e com garantido sucesso de bilheteira, o que infelizmente raramente acontece quando não escandalizam e não lhes faltam categoria, interesse e bons ensinamentos.
É frequente o seu insucesso rápido.

O Sr. Ramiro Valadão: - Quase sempre...

O Orador: - Exacto. Estão neste último caso e têm merecido realce e louvor, por exemplo, muitas das peças dos repertórios do Teatro Nacional D. Maria II: verdadeiras manifestações de arte e de bom gosto, e que, todavia, nem sempre encontram no público, em geral, e na mocidade, em particular, o interesse e o apoio que atinjam a merecida recompensa dos grandes empreendimentos e dos sacrifícios suportados por uma empresa à qual a cultura portuguesa muito deve. Missão da qual, por todos os títulos, não lhe é lícito desviar-se, pois não lhe consentem as responsabilidades de que a sua alta missão a investem.
Não menciono nem sequer exemplifico os inúmeros casos maus para não colaborar no reclamo entre a gente moça, ou aguçar o apetite voraz do escândalo ou a simples curiosidade de adultos de espírito mais débil.
Em conclusão:
Estamos em presença de uma realidade funestíssima, derivada ora de desobediência à lei, ora de desrespeito pela autoridade e pelas deliberações da Comissão de Censura, era ainda das manifestas deficiências oficialmente reconhecidas, sem reservas, no relatório que precede os notáveis decretos recentemente promulgados.
Realidade que progride sob o signo da impunidade.
Por outro lado, a actuação dos membros da Comissão de Exame e Classificação dos Espectáculos, pelo menos autos de ser aumentada, estava enormemente dificultada, entre outras razões, devido à quantidade sempre crescente de peças de teatro e de filmes que têm de ler ou ver para formularem criteriosamente a sua opinião e, em conformidade com ela, deliberarem e fazerem cumprir. E decerto lhe era também difícil uma activa e eficaz fiscalização directa, que igualmente lhes compete, do modo como as suas deliberações são cumpridas, e, assim, evitarem, entre outras eventualidades, as seguintes:

De, nas representações de poças de teatro subsequentes ao ensaio de apuro, serem repostas cenas, atitudes ou linguagem que houvessem sido suprimidas pela Comissão antes ou durante ele;
De, especialmente nos espectáculos ligeiros de revista, poderem, para gáudio dos espectadores desde a ribalta até às galerias, ser empregadas linguagem soez o atitudes licenciosas ou grosseiras, por vezes improvisadas e, para cúmulo, já nem sequer disfarçadas ou dissimuladas pelo trocadilho;