7 DE ABRIL DE 1960 585
O Orador: - A proclamada penúria de elites parece-me, pois, uma daquelas verdades feitas com que se procura encobrir a verdade verdadeira, mas que os factos desmentem e só a pertinácia de uns tantos mantém.
Sr. Presidente: o que acabo de expor não exclui ou atinge a legitimidade da consecução de lucros avultados em empresas privadas, desde que esses lucros sejam o resultado de um grande risco imposto ao capital investido ou de uma iniciativa arrojada ou de uma previsão feliz, e bem assim, que desta forma se constituam grandes fortunas. Aceita-o a moral e sanciona-o o direito, desde que não haja fraude à lei ou locupletamento à custa alheia.
Este problema, porém, é diferente do que constitui objecto do presente debate, não sendo descabido, contudo, ancilar que a parte do produto nacional que tem sido distribuída ao capital, a título de lucros, constitui percentagem demasiadamente elevada em relação à que tem competido ao trabalho sob a forma de salários.
O problema é porém, diferente - repetimos -, porque os assalariados de circunstancias e muito especialmente os que servem as empresas de interesse colectivo, não correm, como tais quaisquer riscos, excepto quando são também capitalistas, caso em que, relativamente aos mesmos riscos, haverão a compensação proveniente, da participação nos lucros. E sucede até que em grande parte das empresas que o sector público estimula são dos organismos estaduais as iniciativas de partida, só ao seu impulso se devendo a marcha inicial e por vezes, a realização completa do empreendimento. Haja em vista o que no País tem acontecido com as chamadas indústrias de base todas financiadas com importantíssimos capitais de estabelecimentos públicos ou do próprio Estado ou de êxito garantido com privilégios ou monopólios por este concedidos.
Sr. Presidente: nós não nos podemos permitir luxos exagerados e esbanjamentos irritantes, porque listamos ainda muito longe de um nível de produtividade que tal consinta. Temos muita miséria a debelar, temos ainda salários muito inferiores ao mínimo indispensável para satisfazer as mais elementares exigências vitais. Portanto enquanto estas situações subsistirem a justiça social postula que se castigue e onere o supérfluo com favor do necessário. E isto além de ser justo é economicamente conveniente.
Com efeito se procuramos o desenvolvimento industrial e agrícola do País, precisamos de elevar o poder de compra das massas trabalhadoras, porque só elas podem animar o consumo dos géneros colhidos e produtos fabricados. Objectar-se-á que o reforço do puder de compra das massas trabalhadoras depende essencialmente do aumento do rendimento nacional, o que eu aceito no campo da doutrina. Na realidade dos factos, porém, se os que ganham muito passarem a receber menos, haverá um saldo a repartir, que em boa justiça deve caber aos mais necessitados. Não é raciocínio de economista, concordo, mas as contas simples também podem conduzir a resultados certos.
Sr. Presidente: ainda no aspecto que venho debatendo, quereria referir-me também ao alegado perigo de quebra do ritmo do investimento.
Este perigo é manifestamente ilusório, visto que. diminuindo as remunerações dos administradores, libertar-se-ia riqueza que normalmente, entraria no círculo do aforro.
Desde há muito tempo que aos brados de maior justiça social que vimos lançando os entusiastas do corporativismo, se responde que não é possível cercear os lucros das empresas em virtude da necessidade de intensificar o investimento, para assim levar a seu termo a tarefa de crescimento económico em que nos achamos empenhados.
O nosso desacordo afigura-se, pois, total.
No entanto, eu vou mais longe, discordando mesmo dos que pretendem colocar os imperativos de mais justiça social na dependência do desenvolvimento económico levado a efeito pelo impulso exclusivo dos capitais privados. É que o Estado tem meios ao seu alcance para intensificar a poupança e pode impulsionar o crescimento económico com os recursos próprios, colhidos através do imposto. E pode também influenciar o sector privado, planificando, dando garantias e privilégios, criando ambientes de segurança e confiança.
Não será este o caso português?
Quando Salazar, partindo do nada, iniciou a reconstituição económica do País, não foi com os saldos de gerência acumulados no decurso de sábias e austeras gestões financeiras que se lançou no portentoso empreendimento?
Não quereria Sr. Presidente, diminuir de forma alguma o valioso contributo que os capitais privados vêm dando à expansão da economia nacional, nem beliscar de qualquer maneira o direito de propriedade privada, que desejaria ver cernido de garantias que lhe permitam exercer com a maior eficiência a sua importantíssima função social. Mas quereria que o produto da expansão em curso não servisse apenas para alimentar os egoísmos de um novo poder económico e, sim, para melhorar o nível de vida de todo o povo português e obviar a que o termo catastrófico do dilema em que as sociedades se debatem pendesse para o lado da subversão.
Sim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, porque ou dignificamos o homem, libertando-o da degradação em que o lançou uma economia sem peias, ou caminhamos para o ocaso da civilização ocidental e dos valores: em que se firma tornando-nos réus de um crime sem nome perante a história. A hora que vivemos reclama unidade e congregação total de esforços para enfrentar a tormenta que paira sobre o Mundo, e, especialmente sobre as terras do nosso império, e resistir vitoriosamente às forças do mal que procuram minar os alicerces da nacionalidade. E porque a justiço é a grande arma dos fracos contra a violência dos fortes, façamos dela o escudo que apare todos os golpes dos inimigo - os de dentro e os de fora - erguendo cada vez mais alto o nome de Portugal.
Sr. Presidente: propõe-se ainda o projecto de lei em discussão proibir acumulações de cargos e definir incompatibilidades reputadas indispensáveis a eficiência administrativa e á autoridade do Governo.
Também me merece plena aprovação nestes objectivos.
Devo dizer, antes de mais, que é para mim ponto de fé que o Governo a que Salazar preside, quando encarrega um funcionário qualificado do exercício de um cargo de responsabilidade na gerência de qualquer empresa, o faz com a melhor intenção de servir o interesse público, por meio de uma mais eficaz fiscalização ou de melhor intervenção nas actividades respectivas. A necessidade de obstar a desvios prejudiciais ou impor nova direcção a estas actividades é, sem dúvida, a causa determinante da escolha.
Mas o Governo sabe que tem sempre opositores, ainda que sejam somente aqueles indivíduos que nunca souberam fazer mais do que dizer mal da obra dos outros. Para estas pessoas, realizações da maior relevância e projecção económica, social ou política são sempre negócios escuros, interesses particulares acobertados com o selo do interesse nacional. E estas gentes de má fé ou sem fé nenhuma, com diabólica habilidade, arrastam