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22 DE ABRIL DE 1960 701

uma cruz. Estavam abertas avenidas ainda em sangue e já se aterrava ou levantara voo com segurança. O horizonte era infinito; os olhos só paravam onde poisava o céu. A paisagem parecia seca, como um terreiro interminável que esperava o palácio a urbe que havia de engrandecer. Já lá viviam como em acampamento que de longe se diria desmantelado cinco mil trabalhadores e a todo o momento chegavam caravanas.
Havia também a casa de madeira, muito confortável, do Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Aí pude ver maquetas da futura cidade e projecções em que apareciam delineados os seus contornos.
Nada mais havia?
Havia o sonho do Presidente Kubitschek.
O sonho?
Nunca vi ninguém que tratasse um sonho com tanta naturalidade. Dir-se-ia que estava a descrever, apontando para as coisas, a obra já feita. E fazia-o com tal simplicidade que a gente via mesmo a obra feita e guardava a nota das intenções por que havia sido feita assim. Via a realidade futura no sonho, porque, para o Presidente, o sonho era já realidade presente.
Nunca vi um tal poder de comunicabilidade do mundo interior de um homem!
O sonho vinha de longe, porque Brasília é a realização do sonho de uma geração romântica a que o Presidente Kubitschek deu corpo e forma.
Essa geração idealizou que a chefia do Estado se situasse no coração do Brasil, equidistante das suas longínquas fronteiras e, simultaneamente (porque na paz solitária do planalto, no seio pacífico da floresta, mais perto de Deus, portanto, da verdade), e, simultaneamente, dizia, inacessível à sedução e à corrupção dos interesses que no litoral tinham assentado desde séculos as suas tendas e bancas.
Assim se realiza o sonho ... o sonho da identificação topográfica do cérebro e do coração de uma pátria fundada por heróis espartanos, frugais aldeões da Lusitânia com que o génio do infante povoou o Mundo, mas cedo procurada pela ambição dos traficantes, porque na sua beleza virginal latejava evidente a fecundidade de um paraíso recuperado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Eu já estive em Brasília ... Posso, pois, compreender estas palavras do Presidente Kubitschek:

Deste planalto central, desta solidão, que será em breve o cérebro donde partirão as altas decisões nacionais, lanço um olhar, unia vez mais, sobre o futuro do meu país e entrevejo essa alvorada com fé inquebrantável e confiança sem limites na grandeza do seu destino.

Pois saudemos, Sr. Presidente, a inauguração de Brasília e tenhamos, com o Presidente Kubitschek, fé inquebrantável e confiança sem limites na grandeza do Brasil.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Portugal participará dessa grandeza e a nossa história, que foi comum, continuará a sê-lo até à consumação dos séculos!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Henriques Jorge: - Pedi a palavra nesta ocasião para aqui deixar assinalado um facto memorável da história do Brasil, acontecimento do mais alto significado e da mais larga projecção, que. acaba de ocorrer e vem enaltecer a vida do querido país irmão, traçando-lhe, de forma clara, decisiva e grandiosa, prometedores rumos tio futuro: a transferência da sua capital para Brasília. Ao levantar a minha voz a comemorar esse facto, que reputo do maior relevo, estou certo de que não são outros os sentimentos dos meus ilustres colegas desta Assembleia, pois todos, sem dúvida alguma, de olhos pastas nessa terra de Santa Cruz - que as naus portuguesas primeiro alcançaram-, partilham, nesta hora de exaltação, da alegria, da esperança e do legítimo orgulho do povo brasileiro, justamente cônscio da grandeza do país que os seus maiores lhe legaram e dos altos destinos da sua pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A imprensa nacional e mundial, atenta à transcendência do nascimento de Brasília, tem feito eco dos preparativos gigantescos, dos formidáveis esforços desenvolvidos para fazer surgir do nada, em pleno coração virgem do enorme Brasil, esse velho e quase fantástico projecto da sua nova capital. E bem depressa chegaram até nós - apesar da distância que afinal nos não separa - os relatos da pompa, da luzida representação oficial e diplomática e do soleníssimo cerimonial que rodearam o aparecimento dessa nova cidade, que, tirando o nome do próprio nónio do Brasil, surge para o Mundo como centro, cabeça e alma do país irmão.
Falar agora do Brasil, das suas ligações rácicas, linguísticas, culturais, históricas e religiosas com Portugal, é supérfluo!
Reavivar as diversas fases da vida nacional de Portugal e do Brasil, desde que a história comum dos dois países se diferenciou, é dispensável !
Em todos os momentos registamos, na verdade, a mais fraternal compreensão e solidariedade que derivam de uma perfeita identidade de sentimentos e de afinidades de sangue e de espírito, hauridas no tronco comum.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sabe-o o homem da rua; sabe-o o letrado.

Há, porém, um facto que não resisto a salientar neste momento.
E esse facto consiste em que, no ritual da sagração de Brasília -que particularmente sensibiliza e faz dilatar os nossos corações de portugueses-, um acontecimento assumiu para nós particular e gratíssimo significado, e esse foi, sem dúvida, o de Sua Santidade o Papa João XXIII ter nomeado seu legado à inauguração de Brasília um cardeal português: Sua Eminência o Cardeal-Patriarca de Lisboa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mandando o seu legado benzer as primeiras pedras da nova capital do Brasil Sua Santidade deu ao país irmão o grande testemunho do seu apreço, do seu afecto paternal e da sua confiança na grande nação brasileira, nascida e criada à sombra tutelar e benéfica da cruz de Cristo.

Vozes: - Muito bem!