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810 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 174

por dolo ou má fé, recebeu mais do que devia ter recebido, então essa pessoa deve ser possível de uma multa, que pode ir até três vezes aquilo que recebeu a mais.
E não me preocupa saber se isso se harmoniza com o regime geral do nosso direito penal, porque o que deve entender-se é que no caso não deve aplicar-se o regime geral, mas sim um regime particular. Outra solução representa uma violência injustificada.
Das duas propostas de substituição, uma das quais considero draconiana e com um ar de acinte inadmissível, voto, portanto, a do Sr. Deputado Tarujo de Almeida, e suponho que se a Assembleia a votar, se estabelece um sistema de restituição e de sanções mais eficiente do que o estabelecido na outra proposta.
Todos sabem que quando se ultrapassam nas leis os limites do razoável as leis estão naturalmente condenadas a não ser executadas.
Eis, Sr. Presidente, o que se me oferece dizer sobre as duas propostas em discussão.
Tenho dito.

O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente: ouvi com a maior atenção as considerações que acaba de produzir o Sr. Doutor Mário de Figueiredo, desenvolvidas com aquela inteligência, brilho e poder de convicção que nos habituámos a apreciar em S. Ex.ª.
Todavia, mais uma vez, e salvo o devido respeito, não fiquei convencido. Vou dizer porquê.
Não queria afastar-me dos pontos concretos que estão em discussão, mas, como S. Ex.ª falou várias vezes em «acinte», vou referir uma pequena história.
Há algum tempo, pessoa que muito considero e respeito consultou-me sobre determinados problemas de direito que implicavam com os seus familiares, aos quais também estou ligado por relações de amizade. Passados dias e contra o que esperava, apareceram-me todos no escritório para ouvir o que eu sobre o caso tinha para dizer. A situação não era agradável, pois esses familiares pretendiam certa solução para um problema, a qual, a meu ver, não dava suficientes garantias, no plano jurídico, à pessoa que me consultara. E para o mostrar tinha eu necessidade de raciocinar a base da hipótese de os mesmos familiares virem a proceder com menos lisura.
Em face de tal situação, observei, em ligeira nota prévia, que naquele momento não via as pessoas concretas em causa - que me mereciam toda a consideração-, mas apenas via problemas de direito, cuja solução havia que procurar. Posto isto, disse tudo o que tinha a dizer, sem a mais ligeira reserva.
Ora, precisamente e o mesmo acontece a propósito do projecto de lei em discussão, designadamente nesta emergência. Não vejo, nem tenho que ver, pessoas, mas apenas problemas, sobre os quais devo dizer, e digo, o que penso, e se mo afigura resultar de um elementar conhecimento das realidades e de certos princípios que tenho como bons.
Deste modo, julgo que me devia ser feita, assim como aos demais signatários da proposta, a justiça de reconhecer que não somos capazes de tomar posições por acinte a quem quer que seja, pelo que não deveria aqui fazer-se alusão a tal coisa.

O Sr. Mário de Figueiredo:-!Eu não disse que V. Ex.ª e os outros signatários da proposta de substituição tinham tomado uma atitude acintosa. Disse, sim, que da proposta resulta objectivamente, sem considerar as pessoas que a subscrevem, um ar de acinte.

O Orador: - Depois dos esclarecimentos do Sr. Doutor Mário de Figueiredo as coisas ficam simplificadas.

O Sr. Proença Duarte: - É da tradição desta Câmara.

O Orador: - Não é uma questão de tradição. Os equívocos, quando existem, devem desfazer-se, e para isso é preciso pôr as coisas claramente. Interpretei as palavras do Sr. Deputado Mário de Figueiredo no sentido de que o «acinte» se ia radicar nas pessoas que subscreveram a proposta.
Não tendo, porém, sido essa a intenção, tudo se simplifica.
No que respeita as pessoas, fica assente que são incapazes de tomar atitudes como a que agora está em causa por «acinte».
Deste modo, e desde que o «acinte» se restringe à própria lei na sua consistência objectiva, limito-me a observar que então todas as leis com carácter penal são, na medida em que consagram sanções e na sua objectividade, acintosas para aqueles que podem cair debaixo da sua alçada.
Vamos pôr as coisas no seu devido pé.
Não há na sanção preconizada nada do draconiano, nada de grave.
Pareceu aos signatários da proposta que, desde que um membro dos corpos gerentes caísse sob a alçada da lei, estava indicado que provisoriamente, fosse afastado de tal espécie de cargos.
E tal conclusão mais se impõe nos casos abrangidos pelo projecto, uma vez que em regra, implicam com pessoas especialmente qualificadas, e, por isso, com responsabilidades e deveres particularmente vincados. Noblesse Oblige. Deste modo, o teor das considerações do Sr. Doutor Mário de Figueiredo conduz a conclusão contrária à que defende.
Por outro lado, se se fixam rigidamente o princípio da inibição de exercer funções em corpos gerentes, deixou-se margem para poder ser graduada a pena de multa.
Anotou o Sr. Deputado Mário de Figueiredo ser violento que, por equívoco ou inadvertência, uma pessoa corra o risco de sofrer a sanção que se defende.
Permito-me lembrar a S. Ex.ª que a questão não pode pôr-se à base da alternativa dolo-culpa, e isto porque há uma terceira hipótese, a de ausência quer de dolo, quer de culpa.
E para existir culpa não basta a simples materialidade de um facto que em si mesmo esteja em antagonismo com as disposições penais, sendo ainda necessário que se verifiquem as coordenadas delimitadoras do respectivo conceito: a violação do chamado dever de diligência, pura além de certo nexo psicológico entre o agente e o facto.
Assim, não é toda e qualquer «inadvertência» -expressão juridicamente um tanto incolor- que acarreta a aplicação das sanções, mas só a que for reconduzível, pelo menos, ao conceito de culpa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pode provar-se que não há dolo nem culpa - talvez mais exactamente, pode acontecer que se não prove nem dolo nem culpa - e nesse caso não se aplica qualquer sanção. As coisas não têm, pois a gravidade que o Sr. Deputado Mário de Figueiredo vincou ao pôr a questão nos termos da alternativa acima referida.
Nem pode falar-se em ignorar a lei ou interpretá-la mal, pois, como é bem sabido, a ignorância da lei não aproveita a ninguém. Quem tiver dúvidas deve enveredar, à cautela, pela solução que não envolva riscos. Se todas as pessoas pudessem invocar utilmente a ignorância da lei ... que seria da lei!