28 DE ABRIL DE 1960 809
Recorde-se o aforismo nulla poena sine lege; pondo-o de certa maneira às avessas, também será exacto, particularmente em matéria penal: nulla lex sine puena.
O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente: naturalmente os Srs. Deputados Carlos Moreira e Pinto de Mesquita tomaram conhecimento mais tarde do que eu das propostas em discussão. Sucedeu isso pelo menos em relação à proposta do Sr. Eng.º Camilo de Mendonça, em cuja elaborarão colaborei. Explica-se, por isso, que talvez eu esteja um pouco mais dentro do assunto, o que me leva a procurar definir com a clareza possível o alcance das mesmas propostas.
Vejamos a proposta do Sr. Deputado Camilo de Mendonça, que também subscrevi:
De harmonia com ela, a infracção do disposto na lei implica as seguintes consequências: perda do mandato; inibição de os infractores exercerem funções nos corpos gerentes de quaisquer sociedades durante cinco anos; punição com uma multa variável, que pode ir de duas a cinco vezes o montante das importâncias que indevidamente tiverem recebido.
Consoante resulta desta esquematização, não se distingue, no plano legislativo, entre dolo e culpa.
Vejamos agora a proposta do Sr. Deputado Cid Proença e outros Srs. Deputados.
Se bem a entendo - a ela já não dei. é claro, qualquer colaboração -, o princípio é este: se houver culpa na infracção da lei apenas haverá que restituir aquilo que indevidamente Se recebeu. Todavia, se houver dolo ou má fé nessa infracção, terá então lugar a punição com multa, que poderá ir até três vezes as importâncias indevidamente recebidas.
Portanto, as duas propostas distinguem-se, fundamentalmente, sob dois aspectos. Por um lado, a do Sr. Deputado Camilo de Mendonça consagra como elemento integrador da sanção, além da multa, a inibição de se exercerem funções nos corpos gerentes durante determinado período de tempo, o que não acontece na proposta do Sr. Deputado Cid Proença. Por outro lado, na primeira pune-se quer a culpa, quer o dolo, embora deixando certa margem ao julgador para graduar a multa em função das circunstâncias do caso concreto, ao passo que nu segunda se faz uma destrinça, no plano legislativo, em termos de nenhuma sanção se aplicar quando a infracção for simplesmente culposa.
Cumpre dizer alguma coisa sobre o valor de cada unta das propostas, embora sem entrar em pormenorizadas considerações jurídicas.
No nosso direito penal existe um princípio fundamental, consagrado no artigo 4.º do Código Penal, segundo o qual nas contravenções é sempre punida a negligência.
Assim, no nosso direito e em matéria de contravenções não há, em princípio, que distinguir entre dolo e culpa, o que, todavia, não prejudica que a distinção deva exercer influência e ser tida em conta na fase da aplicação do direito quando estejam em causa penas variáveis.
Sendo assim princípio geral o que ficou apontado, porque é que se há-de excluir a punibilidade da culpa para efeitos do projecto de lei em discussão? Qual a particularidade capaz de justificar um regime de excepção para os fins agora em vista ?
E redundante se torna acentuar que a proposta do Sr. Dr. Cid Proença, na medida em que à infracção culposa apenas associa como consequência a restituição das importâncias indevidamente recebidas, não consagra qualquer sanção. Sem entrar em indagações jurídicas sobre o que, em rigor, deve entender-se, por sanção (penal), basta anotar que esta, além do mais, tem de ser penetrada por uma certa força intimidativa, a qual, como é evidente, não existe adentro de tal solução: o máximo que pode suceder aos infractores é terem de restituir aquilo que indevidamente receberam ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, dentro do condicionalismo pressuposto pelo projecto de lei, será, em princípio, verdadeiramente indesculpável a «distracção» consistente em receber das empresas importâncias que excedam um limite que claramente se deve conhecer.
Portanto, a proposta do Sr. Deputado Cid Proença ,só pelo uso de certas expressões aparenta, à primeira vista, algumas semelhanças com a do Sr. Eng.º Camilo de Mendonça. Na realidade, as duas propostas são radicalmente diferentes, mormente quando vistas à luz da experiência adquirida por quem lida com estes assuntos no plano prático.
O Sr. Carlos Moreira: - Quero dizer, antes de mais, que dou ,a minha plena concordância ao que acaba de ser dito pelo Sr. Deputado Carlos Lima.
Vou dar apenas um esclarecimento: como foram postos à discussão todos os textos - o texto primitivo e as alterações apresentadas -, não ataquei o texto da propostas A ou B, mas o princípio consignado numa das propostas sobre o estabelecimento do dolo e da má fé relativamente ao estabelecimento de sanção. O que não compreendo é que restituir aquilo que não se devia ter recebido constitua qualquer espécie de sanção.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: o Sr. Deputado Carlos Lima pôs com tanto rigor e perfeição o âmbito das soluções de uma e de outra das propostas que eu, quanto a isso, não tenho nada a acrescentar. Realmente, o conteúdo das duas propostas está perfeitamente definido, e bem definido.
Tenho, no entretanto, alguma coisa a observar quanto à admissibilidade das soluções previstas numa e noutra propostas.
Como esclareceu o Sr. Deputado Carlos Lima, quando se trata de uma contravenção ou transgressão, o problema do dolo ou mesmo da culpa não se põe senão para efeito de graduação da pena a aplicar.
Ora na proposta do Sr. Deputado Camilo de Mendonça e outros Srs. Deputados há duas penas, e uma delas gravíssima, porque respeita à perda de direitos civis, e pergunto se é aceitável uma solução que conduz à possibilidade da aplicação de uma pena tão grave, independentemente de dolo ou culpa.
A sanção é tão grave que suponho que não podia nem devia ser lembrada numa hipótese como aquela que estamos a distutir; é uma solução draconiana, é uma solução que tem um ar de acinte que nada justifica. Então se uma pessoa, por errada interpretação da lei, ou mesmo por equívoco ou negligência, recebe mais do que devia, é abrangida pela disposição da proposta de alteração da autoria do Sr. Deputado Camilo de Mendonça e outros Srs. Deputados, que agora está em discussão, pode esta solução aceitar-se? Há-de, nessas condições, a pessoa ser condenada à perda de direitos civis, naturalmente essenciais na vida das pessoas? Por isso se distingue, naturalmente, nu proposta do Sr. Deputado Tarujo de Almeida, entre simples culpa, dolo e má fé e se não põe o problema de privar as pessoas de direitos civis.
Raciocinou-se, e creio que bem, que se a pessoa, por inadvertência ou erro de interpelação, recebe mais do que aquilo que devia, a isto responde-se obrigando-a a restituir aquilo que recebeu a mais. Se a pessoa,