O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

30 DE ABRIL DE 1960 837

O Sr. Ramanata Quenin: - Sr. Presidente: ao usar da palavra pela primeira vez nesta sessão legislativa, cumpre-me o honroso dever de apresentar a V. Ex.ª as minhas respeitosas saudações pela forma distinta como continua a dirigir os trabalhos desta Assembleia. À VV. Ex.ª, Srs. Deputados, as minhas saudações e a minha permanente gratidão pela preciosa colaboração e apoio que me têm prestado.
E sempre com crescente satisfarão que, depois de um período de ausência, regresso de Goa à metrópole.
Permite-me a presença, embora curta, na terra onde nasci e que tenho a honra de representar nesta distinta Assembleia, verificar como tem sido executadas as medidas dimanadas do Poder Central e da orientação do actual governador-geral para o progresso e desenvolvimento da já bem provada parcela das terras de Portugal que é o Estado da índia Portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: -No entanto, é evidente que existem problemas específicos que se torna necessário resolver, problemas que não só derivam da diversidade de credos, línguas, usos e costumes existentes na índia Portuguesa, como também são alguns suscitados pelo próprio surto de progresso em que o Governo da Nação anda empenhado.
Maometanos, hindus e cristãos, através de séculos, têm-se mantido unidos dentro da comunidade mãe, dentro da Pátria Portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Duras provações suportaram para que a história dos últimos tempos de Goa possa registar, sem errar, para conhecimento dos vindouros, a unidade da comunidade portuguesa no Mundo, sem necessidade de esta unidade ter de ficar condicionada quer à língua, quer à religião, quer aos usos e costumes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Esta certeza secular mais uma vez se confirmou através da portaria que o Governo Central, em 16 de Outubro de 1950, mandou publicar, portaria esta que interpretou com esclarecida lógica o Decreto n.º 38 909, de 27 de Outubro de 1952, o qual, tendo em vista apenas a extinção do analfabetismo, não poderia ser aplicado ipsis cerbis no Estado da índia sem grave prejuízo das crianças de Goa, das crianças hindus de Damão e Diu e das crianças maometanas, que desde há séculos seguem, na generalidade, os estudos de português, terminado o estudo de marata, guzerate e urdu, respectivamente, sem que esta prática deixasse de merecer inteira satisfação por parte dos governantes, sempre norteados pelos princípios que caracterizam, e únicos na história dos povos, a política ultramarina de Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-A imposição do aprendizado de português na tenra idade em que a criança aprende o marata, guzerate ou urdu seria antipedagógica e representaria uma sobrecarga mental nociva, como seria, por exemplo, nocivo se às crianças metropolitanas se exigisse, na idade de 7 a 13 anos, o estudo de uma língua oriental ou africana juntamente com o do português.
A criança indo-portuguesa a quem só pretendesse exigir este bilinguismo prematuro não estaria na idade de calcular as consequências graves desta imposição. Pelo contrário, não deixaria de a acatar sem se insurgir contra ela. Porém, os pais das crianças certamente não deixariam de sentir justificadas apreensões.
Por esta razão, interpretando o sentir geral das populações hindu e maometana, em exposição dirigida a S. Ex.ª o Ministro do Ultramar, solicitou um grupo de cidadãos de Goa, Damão e Diu que, em relação aos menores que no Estado da índia frequentam as escolas particulares do ensino de marata, guzerate o urdu, o período dos 7 aos 13 anos fixado no artigo 1.º do Decreto n.º 38 969, de 27 de Outubro de 1902, para obrigatoriedade da instrução primária até ao exame do ensino elementar de português, fosse alterado para o período dos 12 aos 13 anos.
Esta exposição procurava demonstrar como a exigência da disposição da lei citada viria perturbar o ritmo dos estudos seguidos desde tempos antigos pelos hindus e maometanos da índia Portuguesa, causando dificuldades e danos irreparáveis à cultura por peculiar das respectivas sociedades, que tradicionalmente, a vieram preservando, a despeito de vicissitudes de toda a sorte e à custa de pesadíssimos sacrifícios. A boa solução do problema de que trata a exposição a que me referi foi dada pela Portaria Ministerial n.º 17 695, de 25 do corrente mês, e é o objecto principal que me leva a ocupar a atenção de V. Ex.ª
Sr. Presidente: é fundamental aos maometanos e hindus de Goa, Damão e Diu o aprendizado das línguas urdu, marata o guzerate. E nessas línguas e na de sâuserito que se acham escritos os seus livros sagrados ; é nessas línguas que se fazem as suas orações e ritos religiosos, a correspondência familiar é nessas línguas, como também o são as contas domésticas; os usos o costumes consagrados (que o grande Albuquerque desde a primeira hora se propôs respeitar), a mitologia e as tradições impõem o conhecimento das referidas línguas.
O Estado Português da índia, desde a nascença, respeitou-as. Citarei, para confirmar esta minha asserção, o foral de Afonso Mexia ; as Portarias de 8 de Agosto de 1843, de 16 de Janeiro do 1855 e de 10 de Julho de 1871, criando as escolas primárias de marata ; foi criado um curso do marata no Liceu Afonso de Albuquerque e, ainda, pela Portaria Provincial n.º 479, de 27 de Outubro de 1911, foi aprovada a letra do hino nacional em marata. Dizer-vos, senhores, do alcance desta última medida é ofender-vos na vossa esclarecida inteligência. Caso único na história dos povos é certamente o de o hino nacional ser cantado por uma língua falada desde tempos imemoriais nas longínquas terras do Oriente, e, desta forma, povos que desconhecem o português e pertencem a outras pátrias poderem ouvir os portugueses do Oriente cantar o sou hino numa língua que lhes é comum.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Quando terminada a instrução primária de marata, guzerate ou urdu, as crianças ingressam nas escolas primárias de português, na generalidade, como se disse.
Sr. Presidente: foi através da orientação do ensino a que me venho referindo que muitos cidadãos portugueses, hindus, frequentam hoje os nossos liceus e Universidades. Foi através deste sistema que muitos engenheiros, magistrados e advogados hindus ocupam situação de responsabilidade na vida portuguesa, provando bem que o sistema secularmente seguido em nada contribuiu para que diminuísse o interesse e o amor pelo conhecimento da língua pátria. Eu próprio, Sr. Presidente, aprendi o português depois de ter aprendido o marata, sem, contudo, para isso, ser necessária a obrigatoriedade daquela língua.