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1052 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 46

Qual o administrador que não hesitará em demitir ou propor a demissão de um subordinado sabendo que este tem encargos de família e por único ganha-pão o seu ofício de governante?
E, por outro lado ainda, quantas condescendências perigosas, quantos fechar-de-olnos muito graves cometidos à sombra do princípio da defesa do prestígio da Administração.
Já ouvi defender a tese de ser indispensável manter-se o actual sistema, porque a administração das populações ultramarinas exigiria uma preparação técnica especializada. Ora, creio que há aqui uma grande confusão. Fará administrar as populações ultramarinas, principalmente as menos desenvolvidas, não se necessita de grande bagagem de conhecimentos técnicos; o que é absolutamente indispensável é possuir-se todo o conjunto de qualidades exigido para um administrador público da metrópole e, em especial, muito tacto, dinamismo, um grande coração e um grande amor pelos povos que se tiver a honra de administrar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas isto, como já disse, não se aprende em compêndios escolares. Também não é inédita a ideia de o actual sistema apresentar a insubstituível vantagem de garantir continuidade à acção administrativa pela longa permanência das autoridades nos seus cargos. Mais uma vez, discordo. O sistema de nomeação em comissão, mais flexível, permite reconduzir quem o merecer e afastar sem demoras quem não tiver qualidades, garantindo assim a continuidade administrativa, mas só nos casos em que esta continuidade for útil.

Vozes:-Muito bem!

O Orador: - Se não é de admitir a ideia de na metrópole os cargos de presidente de junta de freguesia, administrador de concelho, governador civil e até Ministro do Interior serem atribuídos a uma hierarquia de profissionais que se tivessem diplomado num hipotético instituto superior de estudos metropolitanos, com maioria de razão ela o não é no ultramar, onde a falta de qualidades de chefia dos homens pode ter resultados bem mais graves na unidade da Nação.

O Sr. Pinheiro da Silva: - V. Ex.ª dá-me licença? Conhecerá V. Ex.ª a teoria do empirismo na administração ultramarina?

O Orador: - Não me reporto a uma teoria de empirismo quando defendo esta tese. De resto, se V. Ex.ª quiser esperar um bocadinho, terá um pouco mais adiante a resposta explícita. Julgo que, por enquanto, não haverá talvez necessidade de dialogar a respeito deste assunto.
Para encurtar razões, creio firmemente ser um dever recomendar o retorno ao sistema - tradicional na nossa administração ultramarina - de se nomear por escolha e por comissões de serviço temporárias o pessoal que tenha de preencher cargos administrativos, sem prejuízo do que já se vem seguindo em algumas áreas urbanas no tocante a eleição das autarquias locais. Isto se quisermos efectivamente caminhar para a constitucional integração dos estatutos administrativos de todos os territórios nacionais.
Que não se julgue, porém, que pretendo que a administração seja entregue exclusivamente às populações locais, o que seria afinal a negação da unidade nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Que a nomeação dos administradores seja de âmbito nacional, porque tanto pode servir a causa um português nascido na região como qualquer outro ali radicado há muito ou há pouco tempo que, pelas suas qualidades morais e intelectuais e pelo seu conhecimento dos problemas da região, dê garantias de uma acção justa, dinâmica e sensata, em suma, de acção cristã, porque administrar não é fazer burocracia, è fazer cristandade.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador:- Que a Nação inteira dê o seu contributo em valores humanos pura a valorização de todos os seus territórios, porque só assim se pode processar a fusão anímica de todos os povos da grande família lusitana.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas que não se julgue também que pode vir a ser automaticamente um bom administrador um indivíduo exportado da metrópole já com esse rótulo só porque cursou Letras numa determinada escola técnica.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: ao preparar o presente trabalho tive a preocupação de ser breve, mas o problema em causa è de tal modo evidente que, apesar de tudo, receio ter sido demasiado extenso.

O Sr. Manuel Correia: - Não foi.

O Orador: - Mas, mesmo assim, ajuda ouso juntar algumas considerações que poderão talvez ser úteis para melhor fazer compreender a orientação da minha tese.
Antes de mais, não se julgue que a minha posição é de ataque às instituições. De modo algum. Algumas palavras de crítica que fui obrigado a dizer explicam-se pela necessidade de justificar a proposta fundamental que já enunciei; aliás, se não demonstrasse que o actual sistema está errado, muito pouco lógico seria propor a sua modificação.
Que não se julgue também que ao analisar o sistema tentei, implicitamente, atingir as pessoas que o servem. Seria, de resto, injustiça não reconhecer no quadro do funcionalismo administrativo ultramarino a presença de homens de real merecimento, que os há efectivamente; mas a verdade é que a presença destes bons elementos por si só não justifica o sistema. Se é certo que o sucesso da execução de um programa depende em grande medida dos homens encarregados .de o executar, não é menos certo que o programa por si só pode concorrer também em grande medida para prevenir e neutralizar os erros humanos dos executores ou, pelo contrário, para os fomentar, multiplicar e agravar. Ora, o que procurei demonstrar é que o sistema vigente pertence a esta segunda categoria.

O Sr. Vasques Tenreiro: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.