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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 73 1888

Seja qual for o tempo de duração da sua precária comunicação com o mar, isto é, com a actual comunicação ou sem ela, a lagoa está condenada a perder-se irremediavelmente e com ela o turismo e a riqueza da região, com o correspondente reflexo na economia nacional, se o nosso Governo n3o intervier eficazmente e com a maior urgência.

Segundo informação de técnicos competentes, ainda é tempo para salvar a lagoa da sua perda total e de evitar que fiquem empobrecidas as populações que dela vivem exclusivamente.

Para tanto bastará levar por diante as obras que se impõe fazer-lhe, ainda que com o dispêndio de alguns milhares de contos, pois o turismo e a economia nacionais serão bem recompensados de tudo o que ali for gasto.

Ouvi dizer a alguém, que considero da maior competência nesta matéria, que um sistema especial de comportas ;i estabelecer em determinado local da praia não só impediria 11 invasão das areias trazidas pelo mar, e que provocam o assoreamento, mas também facilitaria e conduziria 111 é ao desassoreamento da lagoa.

Mas esta referência nada quer dizer, pois que a parte técnica é para os especializados, e não para mim, que não sou técnico de engenharia.

Apesar das enormes responsabilidades financeiras ocasionadas pelos acontecimentos nas nossas províncias ultramarinas, o nosso Governo tem sabido levar a bom termo e com segurança, tal como vem fazendo de há mais de 80 anos a esta parte, um surto de realizações e de progresso nunca anteriormente igualado, em todos os cantos de Portugal, de aquém e de além-mar, tendo já iniciado a obra mais dispendiosa deste século, que é a ponte sobre o Tejo em Lisboa; por isso, devemos continuar a manifestar-lhe a confiança que sempre nos mereceu, na esperança, e até na certeza, de que a obra da lagoa de Óbidos será realizada com a urgência que se impõe.

Aqui fica o apelo que faço ao Sr. Ministro das Obras Públicas, para que dispense a nossa lagoa a atenção que esta lhe deve merecer, incluindo-a na sua agenda de trabalhos na visita que dentro em breve irá fazer aos concelhos das Caldas da Bainha e de Óbidos.

Igual apelo daqui dirijo ao Sr. Subsecretário de Estado da Presidência, Dr. José Venâncio Paulo Rodrigues, a quem presto a devida homenagem, manifestando-lhe a minha grande admiração e apreço pela maneira sensata e inteligente com que nesta Assembleia representou o mesmo distrito de Leiria até ser guindado ao alto cargo que actualmente ocupa, na certeza em que fico de que o ilustre governante há-de dispensar à terra que lhe serviu de berço o carinho e interesse que por ela sempre demonstrou e que agora poderá mais uma vez testemunhar-lhe.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Carneiro: - Sr. Presidente: Vieira, O orador português sem par em toda a nossa literatura, desferindo um dos seus voos gigantescos na arte sublime da eloquência, assinalou neste Afundo angustiado três espécies de mortais vitimados por uma estranha "cegueira de olhos abertos".

Cegos que vêem e não vêem juntamente; cegos que vêem uma coisa por outra; cegos que vêem tudo, só não vêem que estão cegos.

O génio de Vieira, numa profunda análise extrospectiva, focou o panorama psicossocial do seu tempo. Mas a veracidade do seu asserto transpõe a muralha dos séculos e projecta-se nos caminhos do futuro.

Na verdade, se .no conspecto da época contemporânea volvermos o olhar pelo teatro político do Mundo, surpreenderemos nas galerias do Poder figuras que avultam na diletante presunção de verem tudo, só não vêem que estão cegos.

Assim se explica que, perante a mística aguerrida, insidiosa e persistente dos países emoldurados na sinistra cortina de ferro, cuja infiltração expansionista desconhece obstáculos e barreiras, o Ocidente pareça cansado, tímido, ferido de patética e fatídica complacência. E, na estranha filantropia de acalentar a cúspide virulenta que já lhe vai mordendo o peito, o Ocidente vai estendendo as mãos ao espectro das flâmulas vermelhas e, em vez de obturar os ouvidos e velejai: ao largo, como na epopeia virgiliana, parece consentir que a sua nau, enfeitiçada por novas melodias, se despedace nas escarpas traiçoeiras do oceano.

Sr. Presidente: vivem os povos o doce enlevo do princípio da autodeterminação, fascinando os incautos que o abraçam entre cânticos de alvorada; mas, na volúpia alucinante com que o festejam, ninguém até hoje lhe definiu, com rigor, o conteúdo e lhe delimitou, com precisão, os contornos.

Até a O. N. U., cuja cegueira tonto carece dos cuidados de solícitos oftalmologistas, no confuso vozear das suas .investidas, de sessão para sessão ou de caso paru caso, o torno- mais esfumado e movediço, ampliando ou restringindo o seu significado, conforme a coloração da pele ou das ideias dos comparsas intervenientes.

Na germinação latente de intuitos que se adivinham ou na aura que circunda a conquista de ruidosos prose-litismo o Ocidente esquece que o princípio da autodeterminação, na forma demagógica em que se corporiza, é o corolário das teses incendiárias de Lenine que, em 1921, plasmaram a segurança internacional comunista.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nessa pira flamante sobre a qual drapejava o pensamento totalitário de domínio universal se caldeou o programa dos nacionalismos indígenas, aí se delineou a infiltração de agentes disfarçados em conselheiros e dirigentes sindicais, aí se propôs o auxílio financeiro e técnico para o prosseguimento de tais objectivos, aí se forjou a ideia macabra dos ataques terroristas.

A continuidade deste pensamento logo se consolidou quando, em 1028, Estaline arquitectou as linhas mestras de uma federação das repúblicas soviéticas com os povos coloniais pretensamente oprimidos.

E, para que a combustão modeladora do pensamento de Marx e de Lenine tomasse novos alentos, em 1047 Zhukov apressa-se a identificar os movimentos da libertação das colónias com a luta do proletariado, para nove anos depois Kruschtchev, enfático e arrogante, no tropel de promessas e ilusões com que alicia servidores e tripudia sobre multidões narcotizadas, proclamar solenemente "a decomposição do sistema colonial do imperialismo".

Agitando, fremente e emocionada, o estandarte da autodeterminação, a astúcia soviética fomenta a proliferação de novas soberanias, mas, constituídas estas, imediatamente altera os pólos da sua táctica, atrofiando-as, perturbando-as, criando-lhes um condicionalismo de insegurança e confusão demolidora.

Mas no Ocidente há chefes políticos que supõem ver tudo, só não vêem que estão cegos ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!