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23 DE JANEIRO DE 1963 1893

Quer dizer: ou por aumento real de doentes ou por mais frequente solicitação médica dos mesmos, o que é uma verdade é que os países têm de ter os seus serviços assistências em condições de responder a esta maior afluência dos doentes.

Portugal, aliás, sempre procurou ter os seus serviços de assistência psiquiátrica devidamente actualizados para fazer face a esse problema, como claramente ressalta das afirmações feitas pelo ilustre relator do douto parecer da Câmara Corporativa. Tanto as reformas como os hospitais e as demais instituições acompanharam sempre a evolução da psiquiatria no Mundo.

Volvidos dezoito anos sobre a publicação da Lei n.º 2006, que constituiu uma larga e profunda reforma da assistência psiquiátrica (e em que a acção profiláctica, a terapêutica ocupacional, as novas normas de internamento, a instituição de regime aberto, que constituíam novidade, tiveram larga representação); passados quatro anos sobro a criação do Instituto de Assistência Psiquiátrica (que marcou novo passo em frente na nossa organização), toma o Governo a decisão de apresentar à Câmara um projecto de uma nova reforma destes serviços assistências especializados e concebido em tais termos que o ilustre relator do douto parecer que o acompanha prevê que a lei em que ele virá a transformar-se, depois de devidamente regulamentada e alargados os meios de acção no futuro, conduzirá Portugal «a ocupar a vanguarda do movimento que em todo o Mundo cresce e se avoluma no propósito de dar aos doentes mentais os cuidados e tratamentos de que precisam».

O que permitiu ao País acompanhar essa evolução da psiquiatria foi a plêiade de psiquiatras de que, no decorrer de quase um século, tivemos a felicidade de dispor, e entre os quais se destacam os nomes de António Maria Sena, Júlio de Matos, Magalhães de Lemos, Miguel Bombarda e Sobral Cid. A psiquiatria moderna é servida actualmente por uma nova série de professores e especialistas que muito nos honra e graças à qual se puderam criar as condições necessárias à elaboração do presente projecto de lei.

Ele visa essencialmente a promoção da saúde mental e, portanto, do ponto de vista sanitário, a permitir aos indivíduos a realização das suas potencialidades pessoais e a sua conveniente integração no meio social, familiar e cultural, como claramente se afirma no seu próprio texto.

Esta ambição do projecto dá perfeita satisfação ao moderno e amplíssimo conceito de saúde definido e aprovado há poucos anos pela Organização Mundial de Saúde - «saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidades» -, conceito que teve o mérito de acentuar o seu carácter positivo, e não se limitar, como até então, a, marcar ausência ou privação de doença. Ele envolve a ideia da adaptação do indivíduo ao seu meio.

Não nos embrenharemos nos meandros da apreciação dos elementos subjectivos e objectivos do conceito de saúde e muito menos do de saúde mental. Tomamos esta como um estado de equilíbrio psíquico de cada indivíduo com o ambiente e com os seus anseios. Todos temos uma noção aproximada do que é a saúde mental, embora não a saibamos definir concretamente.

Aliás, nem os mestres nos trouxeram até hoje uma definição universalmente aceite, nem isso nos é indispensável para nos pronunciarmos sobre um projecto de lei que visa a criar as melhores condições para a sua promoção.

De entre os seus objectivos, salienta-se o de prevenção das doenças mentais e, no n.º 2.º da base, diz-se claramente que a «acção profiláctica é exercida por medidas de carácter preventivo geral e por medidas de higiene mental, individuais ou colectivas. As providências dirigidas à saúde mental da infância devem ser consideradas com particular interesse».

Destaco este; elevado objectivo deste novo projecto de lei, desejando que ele tenha, na prática., a maior execução possível, embora saiba as dificuldades que o escopo contém. Sobre II prevenção etiológica das grandes psicoses, que é o problema, central, a ciência ainda não forneceu elementos concretos o seguros para uma profilaxia eficaz. No campo das neuroses há um número cada vez mais considerável de. estados em que bastante se pode fazer no condicionalmente) psicológico, social e cultural. Mas, numas e noutras, o tratamento precoce e continuado, com métodos apropriado* a cada. caso, previne evoluções graves, originando, assim, uma prevenção relativa muito importante.

Neste capítulo muito se, pode conseguir com uma rede de estabelecimentos que cubra o País e com a constituição de equipas formadas por técnicos especializados nos vários aspectos dos problemas. Da sua colaboração provirá um mais amplo e profundo esclarecimento dos casos. O problema não depende só dos psiquiatras, embora eles sejam uma peça fundamental da solução do problema.

«Não há, pois, que psiquiatrizar o Mundo para o tornar mais saudável. Por terem tais e tão quiméricos propósitos, não são porventura mais ouvidos e melhor entendidos os psiquiatras, nos seus justos clamores» (Baraona Fernandes) .

Ainda a respeito da profilaxia e das providências dirigidas à saúde mental da infância, seja-me permitido louvar com particular entusiasmo esta maneira de encarar tão importante sector, dentro do plano de promoção da saúde mental. Vários são os aspectos que ela envolve e, sobre alguns, quero deixar aqui um breve apontamento.

O primeiro é sobre a carência afectiva da primeira idade, que «pode determinar graves perturbações da personalidade da criança, e do adulto que dela devem» (Baraona Fernandes).

Os primeiros estudos sobre a carência afectiva e suas consequências no desenvolvimento das crianças provêm de Lowrey, Bakwin, Goldfarb, Bender e Spitz, confirmados, depois, pelos trabalhos de John Bowlby e pelos de Jenny Houdinesco (hoje M(tm)0 Aubry) e de Ana Freude.

Os estudos realizados e em curso são tão importantes que justificaram a reunião de um colóquio escandinavo sobre psiquiatria e educação infantil, em Abril e Maio de 1952; a do colóquio de Londres sobre as crianças privadas de famílias em Junho do mesmo ano; o de Chichester (Inglaterra), também em 1952 (Agosto), e este organizado pela Federação Mundial de Saúde Mental e consagrado à saúde mental dos bebés nas suas relações com o meio afectivo (durou três semanas e teve a representação de 30 países); a reunião de um grupo de estudos do Centro Internacional da Infância, em Paris, em Junho de 1953, e a reunião de outro grupo de estudos - este do Bureau Regional da Europa da Organização Mundial de Saúde, que teve lugar em Estocolmo, em Agosto de 1954.

Estes assuntos interessaram de tal modo a Organização Mundial de Saúde e o Centro Internacional da Infância que de um e de outro lado da Mancha passaram a trabalhar desde 1950 duas equipas de especialistas consagradas ao problema: a. da Inglaterra chefiada por Bowlby e a de Paris sob a direcção de Mme Roudinesco Aubry.

Nelas trabalham pediatras, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e jardineiras de infância.