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1894 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 73

Em que consistem e que importância têm essas carências afectivas?

E o próprio Bowlby, da Tavistock Clinic, que assim se pronuncia:

... uma das aquisições mais significativas da psiquiatria, no decurso do último quarto de século, tem consistido em projectar uma luz cada vez mais viva sobre a importância vital que representa para o futuro da sua saúde mental a qualidade dos cuidados prodigalizados à infância pelos seus pais durante os primeiros anos.

Chama-se «carência de carinhos maternos» a privação sofrida pela criança dos laços afectivos que deviam ligá-la à mãe (ou à pessoa que fizesse as suas vezes). E uma necessidade que não foi satisfeita. Numerosos estudos têm demonstrado que a carência do amor materno na primeira infância toca profundamente a saúde mental e o desenvolvimento da personalidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Essa carência afectiva não se gera só nas crianças separadas da família - nas que estão em asilos ou creches (órfãos e outros) e nas que estão em colocação familiar -, mas até mesmo nas que vivem no lar - naquelas cujas mães, ocupadas pelo trabalho, as privam parcialmente desses carinhos, ou que, embora em casa, não dispensam aos filhos a dose de carinho de que eles carecem.

As consequências são variáveis, com vários factores, entre os quais há a destacar a idade da criança à data da separação (se a houver), a sua duração, o grau de afectividade existente antes da separação, etc.

Quais são as consequências?

Há efeitos imediatos e outros a distância - variáveis com os factores que já citei, mas que podem levar a situações de angustia, a atraso do desenvolvimento intelectual, a pobreza ou indiferença afectiva e a diversas perturbações neuróticas. Ora isto pode e deve evitar-se. Conhecemos muitos casos deste género.

Atender convenientemente estas crianças frustradas, procurar criá-las e educá-las em ambiente apropriado e com pessoal qualitativamente e quantitativamente à altura das circunstâncias, «não é sómente um acto de humanidade, mas um elemento essencial de equilíbrio mental e social de uma comunidade» (Bowlby). Estas crianças virão a ser perturbadoras da harmonia social, maus elementos da comunidade, fontes da infecção social.

Muitas crianças com atraso de desenvolvimento intelectual, que exibem dificuldades caracteriais (dificuldades de estabelecimento de laços afectivos com os demais, coléricos, instáveis, mal adaptados à vida social, etc.), muitos adolescentes delinquentes e muitos adultos que exibem neuroses sofreram privação afectiva na infância.

E o que se faz em matéria de saúde mental a todas essas crianças que povoam as pouponnières, as creches, os asilos e os hospitais, isoladas das mães e sem pessoal convenientemente preparado para se ocupar delas e evitar estas tão graves consequências?

A vigilância médica da nutrição e do crescimento, a profilaxia das infecções ou o tratamento das suas doenças orgânicas que constituem a rotina, não chegam. Há manifestações discretas, reveladoras dessas carências afectivas, que passam à observação corrente. Há que ter pessoal capaz de as detectar, de registar qualquer desvio do comportamento, e há que conjugar a observação clínica com todos os outros elementos colhidos pela enfermeira,

pela psicóloga e pela pedagoga que devem fazer parte da equipa que deve assistir a criança nestas condições.

Já um dia aqui disse, e agora o repito, que a puericultura moderna não se deve limitar a reduzir as taxas da mortalidade infantil, mas promover um harmónico desenvolvimento físico e psíquico das crianças.

A Sr.ª D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis: -

Muito bem!

O Orador: - Não vejo no projecto qualquer referência a este tão importante capítulo da profilaxia das perturbações mentais e, na base XIV, que se ocupa particularmente dos estabelecimentos especialmente destinados às promoções de saúde mental infantil, nada há que possa traduzir a intenção de encarar a sério este problema nas creches, asilos e hospitais que recolhem crianças nesta fase da vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Espero que o Governo, ao regulamentar a lei, não deixe de considerar este assunto, que tem plena actualidade. Essas instituições não devem ser simples depósitos de crianças: carecem de ter, além do médico, o pessoal capaz de assegurar a sua integridade física, o seu desenvolvimento somático, a sua educação e o seu normal desenvolvimento mental e de evitar ou atenuar os efeitos da carência afectiva.

Pelo que respeita a idade pré-escolar, ela é um período de transição e de crise, de passagem de um a outro estádio distinto - o da idade escolar; de crise é também a fase de adolescência, pela passagem do indivíduo a novos meios, à aquisição de novas responsabilidades, uma espécie de «metamorfose» para a idade adulta.

A idade pré-escolar, no plano afectivo-social, é a da passagem da mãe ao professor, da família à escola; no plano intelectual, é a da passagem da expressão pré-verbal e verbal ao da sinalização altamente simbólica da linguagem lida e escrita, como diz Koupernick. A ambivalência que a caracteriza, traduzida por movimento de regressão infantil alternando com outros de conquista da independência, tem particularidades que dificilmente se poderão resolver capazmente sem a cooperação da mãe, que é o elemento fundamental da higiene mental nestas idades, e sem a família, que é o seu meio natural. Não há sistemas pedagógicos, por maior que seja a ciência psicológica que os conceber, que possam avantajar-se à mãe na educação da criança. Daqui decorrem todos os problemas ligados às creches, asilos, hospitais e outras instituições fechadas para crianças e outros relacionados com o trabalho das mães fora do lar, da desarmonia dos casais, etc.

A idade escolar tem também os seus problemas particulares - uns que são consequência daquelas carências afectivas e outros de outra natureza. E uma população numerosa que oferece campo do maior interesse para aplicação de uma política de promoção de saúde mental.

Para a realizar há que criar centros médico-pedagógicos e formar equipas constituídas por médico escolar, pedopsiquiatra, professor, psicólogo escolar, perito orientador, trabalhador social, etc., tal como foi proposto no relatório da Comissão de Estudos da Reforma da Saúde Escolar, presidida pelo Prof. Vítor Fontes e de que faziam parte médicos, professores e psicólogos, que eu subscrevi, que foi entregue no Ministério da Educação Nacional em Fevereiro de 1956 e que nunca teve qualquer andamento. E campo onde urge fazer uma ampla e profunda reforma.

O projecto de lei em discussão, confinado ao Ministério da Saúde e Assistência, não atingirá este sector senão indirectamente. Urge, por isso, que o Ministério da Edu-