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2380 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94

Venceremos se continuarmos a ter fé e o futuro pertencer-nos-á se trabalharmos para o modelar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado

O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: a Câmara está, nesta altura da discussão, largamente esclarecida dos fins e amplitude da proposta reforma da Lei Orgânica do Ultramar. Foi-o, já pelo lúcido relatório ministerial, já pelos sábios pareceres do Conselho Ultramarino e da Câmara Corporativa, já pela exposição de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado Prof. Silva Cunha, acerca da posição governativa plaudente ou discrepante quanto às alterações sugeridas pelo citado parecer da Câmara sobre o texto da mesma proposta.
Trouxeram os Srs. Deputados que me precederam nesta tribuna, quer ultramarinos, quer metropolitanos, achegas substanciosas para nos podermos pronunciar sobre a matéria com maior alívio de consciência.
E é bem compreensível que a todos nos pese a consciência quando temos de tomar a nossa parte de responsabilidade sobre a matéria a votar nesta época procelosa que a Pátria atravessa.
Sr. Presidente: pelo que acabei de referir, de mau gosto seria agora entreter à sobreposse a Câmara com demorada intervenção. Mas a fidelidade notória a convicções políticas monárquicas, para que só vou vendo acrescentadas razões de justificado reforço, me determinam, como português, a adiantar-me para fazer algumas anotações sobre a matéria.
Assim, começarei por estranhar nos textos referidos do relatório ministerial e parecer da Câmara Corporativa que, fazendo-se mera alusão muito vaga à organização ultramarina anterior a 1820, se tome por ponto de partida do respectivo ordenamento precisamente a legislação inspirada polo liberalismo.
Certamente que, forno antecedente próximo da matéria do projecto, a concatenação cronológica do subsequente processo legislativo até à data é de conhecimento indispensável à reforma que se pretende.
Mas isso não pode dispensar a lição formidável que recebemos, desde os seus primórdios, da forma programada por que se realizaram as descobertas, de como a coroa fez ocupar, efectivamente, os novos territórios, antes habitados ou não, e, sobremaneira, a lição exemplar de como soubemos criar o portentoso Brasil.
E que, quando se trata de prover à conservação de todo ou qualquer bem ou de qualquer forma regenerá-lo, a ciência e o bom senso nos inculcam baconianamente que tal só se conseguirá por força da virtude dos princípios que lhe estão na origem.
O sábio René Quinton, tão injustamente esquecido hoje, decerto pelo seu conservantismo, biológico, ergo político, partiu precisamente da verificação dessa verdade para considerar a evolução da vida, individual e das espécies, como mera manifestação de defesa do «fixismo» originário.
Adiante.
De fundamental quanto às características do nosso esforço de descobertas marítimas, há que realçar o espírito de cruzada que as animou; como tal, de feição expoentemente espiritual, embora - era humano! - o elemento material nunca pudesse ser-lhe estranho. Grande empresa de estado, a grandeza da Pátria a postulava com tudo quanto de expansivo nela havia de fé cristã, de população e de bens.
Esse espírito de cruzada cumpre-nos sempre reivindicá-lo, provas à vista, a quantos cegos de utilitarismo protestante ou de materialismo marxista apenas pretendem ver nesse esforço anímico mero impulso de avidez económica.
Aponto três factos que dentro de século e meio da dinastia de Avis são bem ilustrativos testes do que acabámos de afirmar.
De origem, logo a directriz que o infante D. Henrique determinou aos seus navegantes para que estes entrassem de tomar contacto para lá das terras maometanas, Senegal abaixo, com gente de cor e feiticista. Foram peremptórias as suas instruções de que o procedimento de guerra permanente com os maometanos irredutíveis tinha de alterar-se para aberto comércio amistoso quanto aos gentílicos; pois que, quanto a estes, alimentava o propósito de os converter à fé cristã. Isto o referem Zurara e Cadamosto.
No mesmo sentido, outra não era a política de Albuquerque quando propugnava a fixação no Oriente do sangue português, e com o sangue a religião e a língua, mediante casamentos de soldados reinícolas com mulheres dali naturais. E que mais flagrante prova ainda de respeito pela dignidade da pessoa humana, atinente ao pudor da mulher, mesmo cativa, do que o implacável castigo aplicado pelo Terribil a quem se atrevesse a desrespeitar-lhe as ordens nesse sentido; facto, aliás, tão mal interpretado politicamente por Camões ... as de sempre razões do coração!
Finalmente, no termo da dinastia de Avis, as famosas instruções regimentais de D. Sebastião: «Fazei muita cristandade ...».
Este régio plano de príncipes teve a auxiliá-lo a força orgânica militante, mística e guerreira das ordens militares e das ordens religiosas; e sem menoscabo das demais, particularmente, a Ordem de Cristo e os Jesuítas. Sem a primeira, é incompreensível toda a gesta ordenada das descobertas e das conquistas; sem os segundos, as cristandades da Índia, da Etiópia, da Malásia, do Japão. S. Francisco Xavier, com a vitalidade de que ainda hoje por lá subsistem miraculosos restos da fé e da língua pátria, e, no Ocidente, o Brasil de Anchieta, dos aldeamentos, do P.e Vieira, da civilização luso-tropical, realçada hoje por Gilberto Freire.
Todo o fruto da nossa acção ultramarina se caracteriza e perdura por este influxo religioso, com todas as consequências a ele inerentes de exaltação de valores extraterrenos, de fraternidade humana, de regras e limites morais. Todo o milagre português no Mundo consiste nisto: o termos levado, numa explosão espectacular, Cristo e a Ele nos mantendo fiéis, não obstante sabidos pecados, que só nos fica bem confessar, primeiro aos negros de África, logo aos países do Oriente, finalmente aos peles-vermelhas.
Toda essa obra regiamente preparada, como empresa de Estado, e disciplinarmente executada pelos corpos da Nação, traduziu-se, durante os três séculos do nosso império imenso, em profundo aportuguesamento dos povos sobre que mais ou menos se exerceu o nosso influxo.
Dentro da sua diversidade de origem, local, racial, religiosa, o denominador comum progressivo da cristianização ia exercendo como que envolvente assimilação psicológica. Verdadeira assimilação esta, autêntica conversão interna, em confronto com a assimilação de fachada, imposta de fora, por decretos, ao homem abstracto de Rousseau, pressuposto sempre e em toda a parte igual a si mesmo, e que a Rússia bolchevista, na lógica final de utopia, pretende -ou pretendeu?- como que fabricar em série ne varictur.