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20 DE ABRIL DE 1963 2375

O pensamento francês exerceu sempre viva influência sobre a nossa concepção das instituições de direito público. A França, portadora como nós de uma doutrina de assimilação em relação ao ultramar -embora sem a tradição de génio que o grande Brasil largamente comprova -, decidiu-se em 1956 por uma política de descentralização no plano legislativo, administrativo e financeiro, a par de uma mais ampla representação nas assembleias parlamentares.

Da sorte como evoluiu esse sistema, concebido à luz dos melhores princípios de assimilação e integração, existo plena percepção para que sejam necessárias quaisquer reflexões. Não resisto, porém, à tentação de transcrever da obra de J. Ehrhard, Lê Destin du Colonialisme, o seguinte:

Será forçar muito o sentido das palavras para se perguntar se a utilização de todo o sistema constitucional, político e administrativo da República Francesa em proveito de diminutas minorias de populações do ultramar não será uma manifestação subtil e inesperada de uma espécie de colonialismo ao contrário? Ë, apesar de tudo, entre estes privilegiados, beneficiários de predilecções dos sacrifícios da metrópole, que se recrutam os mais encarniçados censores do «colonialismo» francês.

Os factos revelam que, por via deles, a França resvalou para o plano inclinado da desagregação.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os portugueses são, por temperamento, inovadores, mas pouco receptivos às lições da experiência. Não será o momento de atentar nas realidades de uma descentralização cujo conteúdo parece não estar, pelo menos no espírito de alguns, suficientemente esclarecido?

Deve ter-se presente o que ensina o Prof. Marcelo Caetano:

Quando dentro de uma hierarquia a competência para praticar actos definitivos e executórios pertence apenas a um órgão superior, diz-se que existe administração concentrada; se, porém, os órgãos e agentes subalternos podem também decidir, embora sujeitos ao poder hierárquico, há administração desconcentrada.

O problema coloca-se, portanto, em ordem a uma hierarquia institucionalmente definida. Dentro dela se desenvolve a competência do órgão superior e dos órgãos subalternos.

A par deste conceito existem, com base no território, o de administração central (todo o território) e o de administração local (uma parcela de território).

Ora, é precisamente a partir da referida distinção que se levanta o problema da descentralização. Esta respeita às autarquias locais, pessoas colectivas com autonomia e independentes da hierarquia do Estado. Visam a defesa de interesses locais e desenvolvem a sua actividade no plano do próprio Estado, cooperando com ele na realização do interesse público.

Temos, assim, questões relativas à delimitação da competência dos órgãos centrais e provinciais, em termos de se evitarem conflitos de competência, e à desconcentração dos poderes da autoridade central, para favorecer a eficiência do governo provincial.

Se, por um lado, se quer que as autarquias gozem da independência e iniciativa necessárias à realização dos seus

fins, também se quer que a administração central não sofra diminuição do seu prestígio e autoridade, na realização do interesse mais alto de toda a comunidade nacional. Mas, além destas, outra questão surge, bem mais transcendente: a da descentralização legislativa.

Esta, que não é inovadora, assume no momento presente um carácter altamente perturbador, devido não só aos «ventos da história» como à forma como passa a ser exercida. E, por isso, há pouco falei do perigo que esta lei pode constituir para a unidade nacional. E que a descentralização legislativa, embora circunscrita a certas esferas do direito, não tem, nem pode ter, um limite definido com precisão, não só em razão da matéria, mas também por não estar previsto quem, como e em que condições vem a decidir sobre a validade de uma lei, emanada do órgão competente e que, na sua execução, se revela lesiva do interesse geral.

O Sr. Pinto de Mesquita: - O que V. Ex.ª acaba de expor é um exemplo do que se passa na O. N. U.

O Orador: - Se assim for, dir-se-á, o Governo revoga-a. Mas já se atentou no que tal revogação constituirá no plano político, sabendo-se que o conselho legislativo pode reflectir correntes de opinião divergentes, porventura agravadas por dissídios derivados de factores específicos do condicionalismo local?

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não poderão, assim, os conselhos legislativos transformar-se em centros de discórdia e de divisão nacional?

Mas, mais: como conciliar um poder legislativo provincial com um poder legislativo central, quando neste estão representados, e se quer que tenham cada vez mais ampla representação, os portugueses de além-mar?

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não se cura de conhecer as consequências de uma descentralização que é, de alguma sorte, um desdobramento do poder legislativo central?

Eis algumas perguntas a exigir, após profundo exame de consciência, resposta que não pode ser retardada nem imprecisa!

Sr. Presidente: de há muito se vem sustentando que na escolha dos governadores das províncias ultramarinas se deveria dar preferência aos homens com mais altas provas prestadas no governo da Nação.

O conhecimento da administração pública e das suas incidências sociais e económicas qualificava-os especialmente para os governos de Angola e de Moçambique, onde surgem problemas que por vezes transcendem em importância os da própria metrópole.

Defendia-se a presença no ultramar de um escol que pudesse polarizar as aspirações de tantos homens de eleição ali fixados para a vida e para a morte, seduzidos pela ideia de construir um Portugal de maior prosperidade e de assimilar populações carecidas de sentido cristão da vida.

Preconizava-se a intervenção desses homens na actividade governativa, por se julgarem detentores de uma experiência de longos anos e poderem ser os melhores colaboradores de uma política de fomento esclarecida e dinâmica.

Esse pensamento, que era também o dos meus colegas da Comissão Distrital de Lisboa da União Nacional, foi exposto em 1951 ao concretizarmos as nossas aspirações