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2370 DIARIO DAS SESSÕES N.º 94

sectores da opinião pública. Gerado pela indiferença, por desmedida ambição, pelo desconhecimento dos problemas ou por simples insuficiência de direcção, a verdade é que esse descontentamento se veio a projectar com agudeza nus preocupações da política nacional.

Dentro do sábio princípio primum vivere, deinde filosofare, poder-se-ia ter reservado para período de acalmia o exame dos problemas suscitados nas alterações à Lei Orgânica do Ultramar, mas veio a reconhecer-se a oportunidade da revisão de certos quadros jurídico - administrativos. Não estou inteiramente convencido da bondade da orientação, mas alinho para dar o meu modesto contributo à mais perfeita elaboração das alterações sujeitas ao nosso voto.

Faço-o contrariado.

Não quereria correr o risco de descair no plano de transigências eventualmente comprometedoras de princípios basilares. Não quereria ver qualquer discordância arvorada em dúvida sobre o que em cada um de nós existe de mais sagrado como portugueses. Não quereria ser arrastado para uma atitude puramente psicológica de reputar renovadoras ou conservadoras certas alterações. Não quereria ser tomado por adversário da mais ampla descentralização e representatividade das instituições provinciais.

Não quereria permitir a menor reserva à verdade do meu pensamento.

E que tudo isto considero em causa quando me debruço sobre os textos, os pareceres e as opiniões já expressas nos debates. Para além deles transparecem, porém, conceitos de vária índole, condicionados pela evolução da política internacional. Não suscitam, em si mesmos, apreensões a não ser na medida em que os portugueses do ultramar se possam deixar confundir pela pressão da propaganda vinda do exterior. Também não há lugar à dúvida, uma vez que o futuro só terá por limite a nossa persistência e o nosso querer.

Como admitir a dúvida, se nós sabemos que os nacionalismos africanos se esbatem e desagregam perante a premência dos particularismos tribais, das dissidências dos chefes gentílicos e religiosos, da diversidade linguística. (4 famílias linguísticas, que se subdividem em 13 grupos, que, por sua vez, st; subdividem em dialectos e idiomas que ascendem a mais de 600), da desigualdade das condições naturais, dos desníveis de rendimento e de crescimento, da competência na exportação?

Como conceber um ideal nacional entre populações sem afinidade de raça, ou de território, ou de tradições comuns

Como conceber estabilidade governativa em territórios de limites oscilantes, destituídos de valores humanos e insusceptíveis, por isso, de fornecer um escol à administração pública e à iniciativa particular?

Como conceber a existência de regimes políticos sem consistência ideológica nem programas na ordem social, económica e cultural:

Como conceber governos de dimensão política quando os chefes se apoderam do poder por golpes de audácia entre grupos dissidentes, sempre predispostos a eliminar, fisicamente, eventuais concorrentes no uso e abuso das vantagens ocasionalmente conquistadas?

Tudo se poderá conceber no domínio da ficção, da ficção criada por nações que menosprezaram a lição da sua própria experiência ao constituírem-se como Estados independentes. Essas nações, com funções de chefia na ordem internacional, sabiam, e sabem tão bem como nós, que um povo só conquista independência quando dispõe de elites, ou só se lha concede quando estão criadas as condições mínimas de estabilidade e um escol capaz de

assegurar e de defender tradições e aspirações comuns ao agregado nacional. Sem esse mínimo, não há liberdade nem independência.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Essas nações não o compreenderam e traíram as suas responsabilidades, fomentando a anarquia, na vã ambição de criarem satélites da sua economia, ou novas formas de escravização, em nome de um princípio de descolonizarão que elas mesmo praticaram, e praticam, com a mais grosseira das hipocrisias.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Em vez de correrem todos os riscos de uma política civilizadora, preferiram renunciar e submeter os povos sob sua tutela à tragédia de buscarem por si os meios e os processos de assegurarem a existência e a sobrevivência. Será uma política, mas indigna do nome e dos ideais que dizem prosseguir.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - A política de abandono das populações impreparadas para a coexistência na ordem interna ou internacional é sempre um crime contra a humanidade.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os pobres Estados que ascenderam à independência mais por obra de egoísmo das nações tutelares do que por mortiços ideais de descolonização estão hoje na dependência de uma política de penetração e de expansão russa ou chinesa. Os americanos limitam-se a contrariá-la para defesa da civilização ocidental. Não souberam criar uma política própria nem preparar os estragos da que, irreflectidamente, os seus governantes desenvolveram no sentido de deixar às forças em presença a criação de uma fórmula de equilíbrio entre o mundo capitalista europeu e o mundo comunista russo.

Como se fora possível aos Estados Unidos da América manterem-se como espectadores de um conflito ideológico em que estavam fundamentalmente em jogo as suas próprias concepções de vida!

Erro trágico de que ainda se não refizeram, nem refarão, enquanto não criarem uma política externa de concepções rasgadas, em ordem a um entendimento esclarecido e duradouro com a Europa e a América do Sul.

Até lá, a sua política puramente defensiva não conseguirá colmatar as brechas que o mundo sino-russo, embora em crise, apoiado nas nações afro-asiáticas, vai abrindo no mundo ocidental. Na paz, como na guerra, a defensiva raras vezes conduz à vitória!

Os Estados Unidos da América parece ainda não terem compreendido que o pan-africanismo, antes de ser um movimento essencialmente africano, foi o fruto de outro que teve as suas origens no Sul dos Estados Unidos e nas Antilhas Britânicas, em que pontificaram Sylvester Williams e Burghart du Bois, Marcus Garney com o pan-africanismo messiânico e Price-Mars, do Haiti, com o pan-africanismo cultural.

Movimento resultante da segregação racial, jamais por nós praticada, visa eliminar a assimilação política e, com a negritude, eliminar a assimilação cultural. Quer isto dizer que, tanto no terreno político como no cultural, o pan-africanismo é contra o Ocidente.

Também o é no terreno económico.