18 DE JANEIRO DE 1964 2943
Ainda em 1946, apenas três municípios tinham receita superior a 3000 contos. Em 1960 o número destes municípios aumentara de 1800 por cento.
Parece assim que o Código Administrativo não terá sido nefasto, para o volume dos dinheiros arrecadados e despendidos pelos municípios. Antes com ele se iniciou um extraordinário incremento nas despesas municipais.
De todo o exposto, poderá dizer-se que não serão legítimos certos queixumes contra a deficiência de recursos financeiros dos municípios?
De modo algum. As câmaras municipais precisam de ver aumentados os seus recursos e isto porque ultimamente se têm agravado os seus encargos com novos serviços, sobretudo de carácter técnico, com o fomento, com a saúde, com a cultura, com toda a gama de empreendimentos postulados pelo bem-estar rural.
Mas o problema tem aí uma feição completamente nova: a razão dessa deficiência financeira não pode, com justiça, atribuir-se à estrutura das finanças municipais definida no Código Administrativo, mas a factores diferentes, que de si podem exigir a criação de novas fontes de receitas municipais, a restauração das que foram desviadas para outros destinos ou a redução das despesas, mas é duvidoso que exijam a alteração daquela estrutura.
Entre a criação de novas fontes de receita e a restauração de outras que foram dadas a organismos diferentes e a redução dos encargos municipais correspondentes, bem me parecem preferíveis as duas últimas.
O País vem assistindo com interesse à profunda reforma fiscal que o Sr. Ministro das Finanças está a ultimar.
Já com ela a funcionar em quase todos os sectores atingíveis, a nossa carga tributária é, em relação à dos países europeus, das mais modestas, em face da reduzida capitação orçamental.
Mas em relação ao produto nacional já o caso muda de figura, pois a percentagem deste traduzida naquela é sensivelmente idêntica à daqueles países.
Se tivermos em conta que, além da tributação arrecadada no Orçamento Geral do Estado, a Nação suporta ainda outras que ficam de fora, como a corporativa, e se tivermos em conta que as especiais condições da vida nacional, ora vividas com a guerra no ultramar, podem colocar o Governo na emergência de providências financeiras anormais, talvez convenhamos no afastamento da possibilidade da criação de novos impostos municipais, que, ao fim e ao cabo, sempre haviam de recair sobre o já contribuinte do Estado, da organização corporativa e dos próprios municípios.
Preferível, pois, se afigura encarar a redução das despesas municipais e reconduzir aos cofres camarários verbas deles desviadas, que não pelo Código Administrativo.
Quanto a estas, e para mostrar a conveniência e a urgência de providências indispensáveis, bastará referir o que aqui já foi dito: a Junta Nacional do Vinho cobra de pequenos comerciantes daquele produto, instalados em modestos meios rurais, quantias que excedem em 300 e 400 por cento o total das suas contribuições pagas ao Estado. Antes, os municípios tinham aí fonte de receita, se não tão elevada pelo menos em termos de permitir-lhes situação financeira mais desafogada.
Pois bem me parece que importa rever todo o condicionalismo que de tal verba os terá privado em benefício daquele organismo de coordenação económica.
E quero significar que aponto a solução não como única neste domínio, mas apenas como exemplo de um princípio que importaria alargar a organismos semelhantes, já que foi pelo abandono desse princípio que muito se afectaram as possibilidades financeiras das câmaras municipais.
Quanto à redução dos encargos actuais dos erários municipais, parece que algo poderá estudar-se.
Em 1836 existiam na metrópole 817 concelhos. A esse número inconcebível fora dar a euforia municipalista.
Passos Manuel, mais realista que sonhador, reduziu-os a 351, suprimindo 465!
A comissão então nomeada para proceder à revisão da divisão administrativa do território do reino explica no seu relatório as razões que a levaram a propor a redução dos concelhos em termos a que parece não faltar, ainda hoje, certa actualidade.
Depois de registar a existência de um grande número de pequenos concelhos, acrescenta que alguns, pela nulidade de seus recursos morais e materiais, não podem continuar a existir independentes e prossegue esclarecendo que é óbvio que quanto menor for o número destes concelhos tanto mais utilmente se empregarão os seus rendimentos em obras de pública utilidade, diminuindo-se proporcionalmente as despesas permanentes da administração municipal, que nos pequenos concelhos consomem a totalidade da receita, mas que, por isso mesmo, tem criado interesses locais em muitos indivíduos, aos quais, por esse motivo, repugna a agregação a maiores concelhos.
Apesar disso, a comissão não hesitou: propôs a extinção de 465 concelhos.
A providência logrou extraordinária melhoria financeira nos restantes.
Não se infira, do que fica dito, intenção que advogue hoje a extinção de concelhos, apesar de a facilidade de comunicação, de interpenetração de interesses entre os povos, de convívio social e de comunidade de aspirações se processar hoje cada vez mais ao plano regional que concelhio.
Não. Tão-sòmente se pretendeu anotar o exemplo de há 100 anos para dele extrair a lição que conduza ao estudo das soluções que correspondam às exigências da administração municipal de hoje, como há um século aquela extraordinária redução no número dos municípios correspondeu às de então.
Pelo censo de 1960, 55 por cento dos actuais concelhos têm uma população inferior a 20 000 habitantes.
Para bem se fazer uma ideia dessa dimensão, diga-se que aqueles 55 por cento dos nossos municípios têm menos população que metade do Bairro de Alvalade, em Lisboa.
Mas o quadro fica ainda mais exacto se se disser que 40 por cento dos concelhos do País têm menos de 15 000 habitantes e 20 por cento têm menos de ]0 000 habitantes. E atente-se em que a grande maioria desses habitantes são trabalhadores rurais e pequenos proprietários.
Pois embora: todos esses concelhos hão-de ter serviços privativos, que vão desde as repartições técnicas ao médico veterinário, aos serviços de conservação de estradas e outros.
Ora eu penso que, sem prejuízo da legítima satisfação das necessidades locais, podem encarar-se soluções comuns para os concelhos vizinhos, em muitos dos seus serviços, com nítida vantagem económica.
E a este propósito permita-se-me referir, para a louvar, a iniciativa que acaba de lançar a Junta Distrital de Castelo Branco, a que preside, com inexcedível dedicação e devotado amor aos problemas do distrito, o Sr. Dr. Alberto Trindade, no sentido de criar na sua sede um gabinete de estudos técnicos, destinado a fazer a cobertura de todos os concelhos da província, substituindo assim as respectivas repartições técnicas de cada um dos onze municípios da Beira Baixa.