18 DE JANEIRO DE 1964 2941
Concessões de tributação e fronteiras fiscais faziam deles verdadeiros empecilhos ao desenvolvimento económico regional, reduzindo as suas actividades comerciais, industriais e agrícolas às escassas possibilidades da sua área e criando dificuldades à interpenetração de interesses. Autonomia financeira utilizada ao sabor de mesquinhos programas políticos, quase nunca permitiu obra que correspondesse às necessidades do fomento concelhio.
A tradução legislativa das liberdades municipais - a essência do municipalismo romântico de Herculano - havia conduzido a vida concelhia, administrativa, social e política, a um caos que ameaçava comprometê-la definitivamente quando lhe acudiu a Revolução Nacional com o Código Administrativo em vigor.
Não será temerário afirmar que precisamente mercê da posição que na organização política e administrativa da Nação o Código Administrativo atribui ao concelho, aliás na sequência e fidelidade a preceitos constitucionais, muito difícil será encontrar na nossa história municipalista período em que, como o actual, aquela autarquia tenha uma presença tão efectiva, tão viva e tão decisiva no progresso e no fomento local, na conquista do bem-estar das populações, na definição e defesa dos seus interesses e das suas aspirações junto ao Poder Central. Como difícil será descobrir período em que, como no actual, o município tenha logrado tamanha audiência, como a de que hoje desfruta junto do mesmo Poder.
Mas se assim é, não esqueçamos que tal resulta rigorosamente da projecção e do lugar de proeminente relevo que o Código Administrativo concede ao concelho, fazendo dele a instituição central da nossa administração local e regional, outorgando-lhe uma vastíssima competência, que abrange quantas relações sociais podem ter verdadeiro interesse para as populações, e definindo-lhe uma organização e funcionamento em exacta correspondência com as realidades do nosso tempo.
Houve aí que eliminar certas prerrogativas, que pôr de lado certos formalismos tradicionais, que introduzir certas limitações?
Pois houve. Mas absurdo seria pensar-se que a administração dos interesses locais poderia fazer-se no século XX -o século que eliminou as distâncias e os localismos- nos moldes de independência e de isolamento do século XIII ou do século XV. Se tal se pretendesse ou fizesse, seria enveredar os municípios para o abismo.
Houve, isso sim, que vivificar a tradição: adaptando a instituição municipalista às necessidades e exigências da administração pública na época presente. Com isso, deu-se validade ao princípio tradicional na medida em que foi possível ajustar as potencialidades da instituição às soluções pedidas pelas novas gerações.
Creio, assim, que o Código Administrativo em vigor salvou o municipalismo entre nós, e porque assim é acontece que o concelho continua a ser a realidade primeira da nossa administração local, e não se vê que entre nós possa colher adeptos a tese posta já noutros países
- a da extinção pura e simples dos municípios ou a da redução da sua actividade a tão escassas tarefas que equivaleria à sua extinção- e isso talvez porque lhes faltou a vigorosa actualização que o municipalismo recebeu entre nós com o Código Administrativo em vigor.
E quanto às lamentadas finanças municipais, estarão elas em crise? Mas crise de que natureza, de que volume, de que origem? O Código Administrativo beneficiou nesse aspecto os municípios ou prejudicou-os?
Na orientação integradora de todos os elementos da Nação era inelutável a orientação centralizadora no Código Administrativo. E a estrutura financeira dos municípios não iria escapar, como é óbvio, às soluções daí decorrentes.
Aliás, toda a reestruturação da vida administrativa nacional assentara no saneamento financeiro, pelo que se não compreenderia que os municípios continuassem a reger-se por regimes fiscais de muita autonomia, talvez, mas também de muita desordem.
Ocorria ainda que a restauração das finanças nacionais exigira -e exige hoje ainda, embora por motivos de outra natureza- um pesado sacrifício ao contribuinte. Se o prestava ao Estado, justo seria que este o aliviasse na quota-parte municipal.
E foi então traçada uma orientação totalmente nova e, parece-me, totalmente -nossa e agora a ser já seguida noutros países para as finanças concelhias.
Impedia-se a proliferação de novos impostos municipais, mas ofereciam-se-lhes possibilidades mais vastas de recursos a aplicar no fomento, no progresso, no bem-estar das populações.
Não há que negar o melindre psicológico da solução - cada concelho preferiria, por certo, poder continuar a contar com ampla liberdade tributária, de cuja administração e aplicação era livre, embora a sua insuficiência pouco lhe permitisse fazer, a muito poder realizar, mas com receitas recebidas do Estado, por este concedidas segundo um ordenamento geral por ele estudado e elaborado e por ele fiscalizado.
As pequenas e legítimas vaidades concelhias terão ficado desgostosas, mas a Nação, na sua gente que trabalha e vive nos seus 303 concelhos, não terá sido afectada com aquele desgosto. É que, por ele, ela recebeu já milhões de contos em comparticipações para as obras e iniciativas da mais variada natureza - todas elas visando melhorar a sua vida em sectores que caberiam exclusivamente na administração municipal, de si incapaz para tal.
E para se ver o nítido desenvolvimento da administração municipal no domínio do Código Administrativo e em relação aos dinheiros nela gastos, consinta-se referir aqui números que são, aliás, do conhecimento público.
Em 1937 -o primeiro ano da vigência do código - as despesas do Estado ascendiam a 2 420 000 contos e as das câmaras municipais a 474 000 contos.
Em 1950 o Estado aumentava a sua despesa para 5 115 000 contos, com um acréscimo de cerca de 111 por cento; no mesmo ano as câmaras municipais elevavam a sua despesa para 1 094 000 contos, com um aumento de mais de 130 por cento.
Se nos aproximarmos mais dos nossos dias e atentarmos nas contas do Estado e dos municípios em 1960, observaremos que neste ano as despesas do Estado foram de 11 335 000 contos e as dos municípios de 1 950 000 contos, enquanto, neste mesmo período, o aumento das receitas dos municípios excedeu o das suas despesas em cerca de 15 por cento.
O Sr. Augusto Simões: - Eu ainda me mantenho fiel ao espírito do que disse no primeiro dia.
V. Ex.ª referiu números que são, aliás, verdadeiros, mas a nota estatística nem sempre é verdadeira.
V. Ex.ª compreende que não é um melhoramento de vida em determinado número de municípios que pode, de certa maneira, fazer compreender que as possibilidades financeiras dos municípios aumentaram por todo o território nacional.
V. Ex.ª certamente viu, pelo Anuário da Administração Política e Civil, que ainda hoje temos um importantíssimo número de câmaras municipais - em 300, pelo menos 120 - cuja receita total não ultrapassa 1 milhão de contos.