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3298 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131

Esses, testemunhas presenciais das angústias e das misérias que acabrunham os pobres chefes das suas casas, não sentem qualquer impulso para tomar o mesmo modo de vida; e é hoje frequentíssimo ver em numerosas famílias de pequenos lavradores caseiros ou proprietários não seguir qualquer dos seus membros a actividade dos pais.
O êxodo rural tem assim o sentido de uma espécie; de «libertação», como quem se desprende de pesadas grilhetas a que estivasse amarrado.
Neste caminhar não virá longe o tempo de os campos ficarem desertos, abandonados, incultos - atraída a sua gente para- actividades que, mais rentáveis ou não, lhes proporcionam, todavia, um estalão de vida social mais compatível com as preferências do mundo de hoje. E não haverá então leis de sesmarias que façam regressar essa- gente aos campos.
Deste modo, a crise da agricultura não é apenas de sentido económico, mas também e muito acentuadamente de sentido moral e social, se assim posso definir aquele estado de permanente desalento, de inferioridade e de frustração que é o clima psicológico característico do viver e do morrer do modesto e do pequeno lavrador - e tanto do proprietário como do rendeiro - do Norte do Pais, se não mesmo do País todo.
Mas, além disso, ao avaliar-se a crise da agricultura nunca se deverá esquecer também a crise agrária. Uma palavra, pois, sobre ela.
Sr. Presidente: visando a região do continente para que estou voltando os olhos, a crise agrária expressa-se pela excessiva dispersão e fragmentação da propriedade rústica, exactamente ao invés do que se observa no Sul do País, onde a propriedade se apresenta demasiadamente concentrada.
A resolução da crise «agrária parece, pois, que se pode operar pela resolução do problema de estrutura da propriedade, tendo em conta a sua natureza, as suas aptidões e a sua dimensão, por forma a encontrarem-se unidades capazes de assegurar uma exploração agrícola económicamente viável.
Na sessão de 19 de Janeiro de 1962 ao intervir na discussão da proposta da lei sobre o emparcelamento da propriedade rústica, tive então ensejo de me prenunciar abertamente, a favor do regime jurídico do emparcelamento, ao mesmo tempo que preconizei a conveniência de se caminhar também, com o cuidado preciso, mas ,resolutamente para o parcelamento da propriedade demasiadamente concentrada -, o isto não só para se criarem possibilidades de acesso à propriedade de mais densas camadas da população como ,também para aumentar o produto nacional no sector da agricultura.
Visei então que eira imperfeita a estrutura da nossa propriedade rústica e que se impunha, por isso, fazer a reorganização agrária para se evitar o pior dos males, que seria a revolução agrária.
Ainda hoje, Sr. Presidente, estou convencido da actualidade daqueles meus juízos: e por isso aqui os reedito, por se me afigurar também que não são descabidos dentro da matéria do debate que nos está ocupando.
A constituição de unidades de exploração agrícola de suficiente dimensão para se tornarem econòmicamente viáveis há-de ser, pois um processo que se antevê promissor para a fixação de agregados familiares à terra portuguesa em ordem ao seu melhor aproveitamento e à sua melhor defesa contra os males de que. enferma actualmente.
Penso, porém, que a resolução deste aspecto do problema só se vai operar a longo prazo, talvez mesmo muito à distância; e de qualquer modo não se apresenta como remédio heróico para que os problemas que atormentam a população agrícola portuguesa se resolvam de uma vez só pelo seu uso e utilização, muito menos no plano imediato.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, há que atacar mais de perto as verdadeiras causas da crise agrícola que nos aflige e as quais através deste debate têm sido postas a descoberto com iniludível clareza, nomeadamente pelo ilustrado autor do aviso prévio através do seu magistral trabalho.
Creio, porém, Sr. Presidente, como já disse, que a crise agrícola não é só de natureza económica, mas também social e moral.
Sabemos que os nossos agricultores vivem pobres. Mas também sabemos que vivem tristes. E isso é dramático.
Aquele slogan de ser a agricultura a arte de empobrecer alegremente está há muito fora da realidade.
Estaremos mais próximos da, verdade se dissermos que a lavoura, esta a que me estou referindo, pelo menos, passou a ser «a arte de empobrecer ... mas tristemente».
Há, portanto, além de uma crise de natureza económica, uma crise de natureza social e moral. E talvez esta não seja menos acentuada e menos nefasta que aquela; e por isso mesmo carecida de diagnóstico e de terapêutica adequada.

O Sr. Amaral Neto: - Tem toda a razão.

O Orador: - Com efeito, Sr. Presidente, o homem da terra, aquilo que se chama ainda na minha região o lavrador, vive, além do desprotegido, de certo modo segregado e diminuído.
Na Beira Litoral e também no Entre Douro e Minho existe, como se sabe a zona de maior densidade da população ou uma das de maior densidade. São por isso intensas as actividades ligadas aos diferentes sectores, mas com predominância para as do sector secundário.
Deste modo, criou-se para esses sectores mais afortunados um estilo e um estalão de vida a que o modesto lavrador não pode chegar.
Por outro lado, a protecção e as garantias e regalias que vêm sendo concedidas aos trabalhadores da indústria e do comércio, e também das artes, em contraste com a total carência de protecção e regalias aos que trabalham a terra ou aos pequenos lavradores, que sendo juridicamente senhores dela, são de facto seus escravos, criaram na mentalidade do rural um verdadeiro complexo que o inferioriza e o humilha perante o seu semelhante das outras artes.
O rural sente-se diminuído perante os seus compatrícios, com a vaga noção de que pertence a um sector inferior da sociedade de que faz parte.
Por isso mesmo, Sr. Presidente, como já aqui disse uma vez, ao abordar estes temas, impõe-se promover sobre os trabalhadores da terra - os tais a que me refiro e a todos quantos se sintam diminuídos na sua função - uma melhoria de nível moral e social e muito especialmente um trabalho de verdadeira recuperação psicológica, chamando-os por todos os meios que estiverem ao nosso alcance à realidade da sua função útil à sociedade, da sua função utilíssima, e da sua cooperação imprescindível à sobrevivência da grei, em ordem a recobrarem o sentimento dessa sua utilidade, a noção perfeita do seu valor no concerto do agregado social e familiar, fazendo-lhes compreender a dignidade e até a beleza da vida rural e a grandeza do seu