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3390 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 135

O Sr. Abranches de Soveral: - Sr. Presidente: antes do iniciar a minha colaboração neste debate, felicíssima iniciativa de um dos mais cintilantes espíritos desta Assembleia, o Sr. Deputado Amaral Neto, seja-me lícito destacar liminarmente uma ocorrência que, pelo seu ineditismo, é digna de menção especial.
Refiro-me à atitude interessada, compreensiva e colaborante do ilustre titular da pasta da Economia em face deste aviso prévio que alveja o mais abandonado, o mais menosprezado e (embora muitos finjam não o crer), socialmente, o primordial sector do seu Ministério.
Não tenho a honra de conhecer o Sr. Ministro; mas quem assim escuta as vozes autorizadas, bem intencionadas e construtivas que aqui se erguem a dissecar a endémica crise da lavoura nacional; quem assim mostra tão perfeita compreensão da alta projecção social e política que; esta Assembleia Nacional confere a todos os problemas sobre que se debruça; quem assim procede, dizíamos, torna-se digno depositário dos anseios e da esperança da lavoura portuguesa - a grande sacrificada - nesta sua última tentativa ordenada para ter também um lugar ao sol.
Quem assim, revela interesse, conhecimento, iniciativa e decisão, certamente terá também a energia e a coragem indispensáveis para quebrar o imobilismo palavroso e estéril com que se vêm mascarando os verdadeiros inales da vida agrícola nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Efectivamente criaram-se comissões atrás de comissões, grémios a par de grémios, e juntas em cima de juntas - que todos se desentranham - cá para fora - em papéis (relatórios, pareceres, estudos, conferências, discursos, exortações, opiniões, investigações, traduções, doutrinações, etc., Santo Deus); - e todos se consomem, lá por dentro, em crises de sobrevivência, empregando as magras forças em tentar dar razão de uma perenidade que os resultados não justificam.
E a despeito da competência, da dedicação e do valor de muitos técnicos que se estiolam nos organismos agrários, e apesar da febricitante agitação de tais organismos - a crise da velha agricultura portuguesa - da caluniada agricultura portuguesa - da chagada agricultura portuguesa - prossegue na sua marcha inexorável.
Parece-nos, assim, inevitável inferir que o diagnóstico já feito não é exacto - e que a medicamentação até agora aplicada não é a própria.
Cumpre, por isso, a todos nós, sem ideias preconcebidas, desnudar as anomalias, auscultar os sintomas e apurar as reacções - a ver se pelo correcto diagnóstico dos males se adoptam alfim os remédios eficientes.
Quando há anos tratei nesta tribuna da crise agrícola nacional, chamei a atenção dos responsáveis para o gravíssimo aspecto social que ela indiscutivelmente reveste; e, por outro lado, apontei o intermediário inútil como o pior sintoma de uma economia agrícola depauperada e enfraquecida pela proliferação anómala dos oportunistas, candongueiros, regatões e mais parasitas que se incrustam entre a lavoura e o consumo, sugando-lhe os parcos réditos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não tenho de mudar de Opinião porque os factos não me desmentiram, antes corroboraram, o meu testemunho.
Hoje, como ontem, considero a extirpação do cancro dos intermediários, e a concomitante estabilização dos preços, elementos base da nossa sanidade rural.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas preguei no deserto; o trabalhador rural continua alegremente ignorado pela organização corporativa; e os parasitas campeiam opados e ovantes em terreno que, aliás não sem razão, supõem conquistado.
Porque não gosto de me repetir, procurarei agora aflorar outros aspectos que a meu ver constituem sintomas que não são despiciendos para uma nítida visão do conjunto.
Salvo o devido respeito pelas opiniões discordantes, não compreendo nem posso aceitar que a sorte e o destino da agricultura portuguesa estejam, em última e inapelável instância, confiados à Secretaria de Estado do Comércio, a qual, por definição, tem por função essencial defender os interesses do comércio e estudar os seus problemas específicos, que são visceralmente diferentes dos agrícolas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Temos pelo verdadeiro comércio - o comércio necessário c útil que desempenha a vital função de intermediário das trocas - a consideração e o respeito que ele indiscutivelmente merece; igual respeito ternos pela Secretaria de Estado que encabeça aquela actividade.
Simplesmente, o ponto de vista por que o comércio encara os problemas é muito diferente do ponto de vista agrícola.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E nada permite afirmar apriorìsticamente que o ponto de vista comercial seja o melhor.
O comércio vê os problemas em função de consumidor, que serve, e sem atenção «o fornecedor, que o serve.
Por esta razão é que certas decisões e certas operações - que comercialmente se poderão considerar aceitáveis ou até mesmo aconselháveis - constituem autênticas punhaladas nos legítimos interesses rurais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tais são, por exemplo, algumas das insólitas importações de ovos, de manteiga, de carnes, do arroz, e até (coisa inacreditável, mas verídica) de aguardente vínica!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Reputamos, assim, indispensável dar aos problemas agrícolas a autonomia que a sua índole específica e a sua proeminência nacional reclamam - retirando-se ao comércio a espada de Dâmocles que ele tem suspensa sobre a agricultura - através da fixação dos preços.
Por outras palavras: há que restaurar o Ministério da Agricultura.
Talvez que esta predominância do critério comercial nas actividades agrícolas tenha a sua explicação, ou melhor, a sua desculpa, no receio de que a elevação do preço dos produtos agrários implique concomitante elevação do custo da vida.