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4630 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 194

Apegar de cabo-verdiano, não sou poeta.
Os meus sonhos são pesadelos principalmente quando me preocupam problemas da minha província.
Sem embargo, Sr. Presidente, com a ajuda de Deus e a vontade dos homens, esperemos que a dramática realidade de Cabo Verde se transforme, pois bem o merece aquela gente simples, que tem «Portugal na alma e no sangue», como disse o Dr. Azeredo Perdigão, e cuja serenidade, afabilidade, delicadeza, solidariedade, civismo e patriotismo constituem, na «morabeza» da sua índole, um caso ímpar na colonização portuguesa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece-me isenta de impertinência a liberdade que tomo de trazer à consideração desta Assembleia um assunto que, quase diariamente, vem sendo objecto de referências bem pouco lisonjeiras na nossa imprensa. Refiro-me ao problema do pão.
Escusado se toma falar da sua importância na vida do homem Elemento fundamental na composição da nossa dieta alimentar, o pão é indispensável à alimentação humana, por ser o mais equilibrado dos alimentos mais baratos. Fonte de energia como alimento, entra em todos os lares, servindo ainda na composição de muitos pratos de cozinha regional.
Por tudo isto, sempre o seu fabrico mereceu o maior cuidado e esmero. Na Grécia teve culto quase religioso e na Roma antiga tornou-se, praticamente, monopólio do Estado, chegando os padeiros a constituir uma corporação fechada sob a protecção da deusa Fórnax.
Dada a sua inegável superioridade nutritiva, o trigo acabou por difundir-se através do Mundo, relegando o milho pata lugar secundário, em virtude do aparecimento de numerosos casos de pellagrum, isto é, de uma complexa doença de carência resultante do uso exclusivo ou prevalecente do milho, vindo este a ser mais aplicado na alimentação do gado Mas da importância do pão na vida humana bastará lembrar aqui o que dele disse o nosso padre António Vieira.

Lançar os olhos por todo o Mundo e vereis que todo ele se vem a resolver em buscar o pão para a boca Os pobres dão pelo pão o trabalho, os ricos dão pelo pão a fazenda, os de espíritos baixos dão pelo pão u honra, os de nenhum espírito dão pelo pão e ao pão o seu cuidado.

Bastaria esta síntese lapidar do nosso grande clássico de Setecentos para justificar as atenções e os cuidados requeridos por tão popular alimento
Daí que quando se apresente de má qualidade justos e frequentes reparos e protestos suscite por pai te do grande público, do consumidor final
As instantes e gerais queixas dos consumidores, de que se têm feito eco os jornais diários e regionalistas, dizem respeito não só à má qualidade do pão, como também à falta do seu peso legal, o que, diz-se, redunda em prejuízo de toda a população e em benefício dos industriais de padaria.
Nos últimos tempos os clamores e os protestos têm-se intensificado pelo que toca à qualidade do pão, que tem vindo de mal a pior.
Abordarei, por isso mesmo, embora em termos breves, este assunto, que creio dever merecer cuidadoso estudo e atenção e requerer providências imediatas.
É ponto que não oferece dúvidas o dizer-se, quanto a «qualidade do pão», que ela não é o que muitos desejariam que fosse. O pão que se fabrica e que se vende ao público não se apresenta, na grande maioria dos casos, como um produto de aspecto e sabor agradável. Muitas vezes é mesmo intragável, ou por se apresentar mal cozido, isto é, com exagerada percentagem de humidade (o que lesa o consumidor também no peso), ou fumado e queimado, ou de miolo mole e pegajoso, exalando um cheiro desagradável, sobretudo quando é comido no dia seguinte. Tem-se até chegado ao ponto de a crítica ter visado o pão novo, isto é, o pão conseguido com os processos da moderna panificação, acusando-o de possuir valor nutritivo inferior ao de outrora, de ser de difícil digestão e, o que é pior, de provocar gravíssimos males ao organismo, como o cancro e a tuberculose.

O Sr. Augusto Simões: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Augusto Simões: - Era apenas para dizer a V. Exa. se não andará aí também além de outros elementos igualmente importantes a qualidade dos fermentos, que me parecem altamente industrializados, e tanto que originam possivelmente determinadas fugas aos bons preceitos de fabricação?
Sabe V. Exa., uma vez que está a tratar do assunto, se uma das causas da má qualidade do pão não será também a má qualidade dos fermentos?

O Orador: - Pedia a V. Exa. que aguardasse as minhas considerações e depois veria.

O Sr. Augusto Simões: -Muito bem!

O Orador: - Felizmente que muitas destas críticas, sobretudo as últimas, são formuladas sem apoio de argumentos sérios, positivos. Mas, sendo verdadeiros muitos dos reparos feitos à qualidade do pão e sabido que quanto melhor for esta mais pão se consumirá, ocorre perguntar a quem cabe a culpa aos padeiros?, aos moageiros?, ou a ambos?
Enquanto o consumidor, porque directamente mais em contacto com o industrial de padaria, tende a lançai sobre este toda a responsabilidade pela má qualidade do pão que lhe é vendido, outros há que, por mais esclarecidos, fazem também incidir as culpas sobre os industriais de moagem, pelas más farinhas que fornecem aos industriais de panificação, impedindo estes de apresentar pão de qualidade, bom pão, uma vez que é feito com farinha de qualidade inferior.
São, na verdade, completamente irregulares as qualidades de farinhas que aparecem no mercado e que as indústrias panificadoras são obrigadas a levantar.
Ora, quando as farinhas em geral não dão bom pão, é toda a indústria a ressentiu-se, pois comendo-se menos vende-se também em menor quantidade, e, desta forma, a economia da empresa é prejudicada e atingida.
O descontentamento quanto ao pão deriva, em grande parte e segundo nossa opinião, do condicionalismo do sector, dos artificialismos. Porque é que se não faz a experiência de se fixar o mercado livre das farinhas ao alcance de todas as padarias do País?

O Sr. Amaral Neto: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.