4734 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 199
corpo como a instrução para o espírito, e porque na fatalidade inexorável da vida terrena o segundo vive no primeiro, a existência, no seu todo, tem na saúde elemento primordial.
De modo que, se é a instrução que coloca o homem na perspectiva dos largos horizontes da sua valorização integral, só a saúde poderá garantir-lhe a conservação dessa valorosíssima conquista do seu bem-estar, donde ocorre que a saúde é também, e por si própria, condição essencial do bem-estar, tanto individual como colectivo.
Mas a vida humana, nas actividades em que se desdobra e desenvolve, está exposta a contingências e riscos que ameaçam o homem na possibilidade do aproveitamento dos seus recursos, desenvolvidos e criados pela instrução e garantidos pela saúde.
Tais riscos, a efectivarem-se, viriam estancai os benefícios de uma e de outra, colocando o homem em situação de angústia moral e de carência económica, impedindo-o de socorrer-se dos seus próprios méritos na luta pela Tida
Às ciências sociais, perante as realidades daí decorrentes, lançaram-se ao estudo e à descoberta dos meios que pusessem o homem ao abrigo de uma tal ameaça e lhe assegurassem, em toda e qualquer contingência, os efeitos da sua capacidade de trabalho, tal qual lha granjeara a instrução e lha defendera a saúde.
Construíram, assim, aquelas ciências o complexo conceito de segurança social, que, na sua função específica, aparece a garantir ao homem, através de todos os perigos e riscos profissionais e sociais, o bem-estar que ele adregara pela sua capacidade de ganho, aparece a garantir ao homem o equilíbrio entre as suas necessidades, familiares e individuais, económicas e sociais e os meios de lhes dar satisfação.
Não seria preciso dizê-lo, porque é evidente, mas, ao lado da instrução e da saúde, a segui anca social assim posta é ela também condição essencial de defesa da dignidade do homem contra todas as ameaças e contingências da fortuna
Daqui nem que pelo simples facto de o ser, o homem tem direito à segurança social, quero dizer, deriva da natureza humana o direito à garantia daquele equilíbrio entre as ditas necessidades e os meios de lhes ocorrer.
Cabe assim à sociedade organizar-se em ordem a assegurar tal equilíbrio na medida da capacidade de cada um, como lhe cabe garantir o direito à instrução e à saúde E que aí estão as estruturas humanas que são, sem dúvida, o mais sólido e vigoroso fundamento de todo o progresso económico, de todo o progresso social, de todo o progresso humano.
A meu ver - e não serei original ao dizê-lo -, a primeira preocupação da segurança social seria a estabilidade de emprego, no mais alto grau possível, a garantia de ocupação na actividade profissional, a certeza do trabalho, enfim.
E isto em simples confielanção com o direito ao trabalho, que, na expressão de Salazar, é um dos dois maiores direitos sociais que ao homem podem ser reconhecidos. É que o trabalho é a fonte por excelência de obtenção dos meios de vida que acima de tudo importa garantir e assegurar.
Dos três riscos profissionais -o desemprego involuntário, os acidentes de trabalho e as doenças profissionais - deveria, por isso, ser aquele primeiro, em qualquer das suas modalidades - tecnológico, sazonal, friccionai, etc -, a ficar ao abrigo da segurança social.
Normalmente, por motivos psicológicos e também mercê de outros factores, não o é contudo Passa-lhe á frente a eventualidade dos acidentes de trabalho e ainda a das doenças profissionais.
E de entre os riscos sociais - a doença, a maternidade, a invalidez, a velhice, a morte e os encargos de família - outro tanto sucede com alguns deles
E em Portugal a segurança social não alcançou ainda o desemprego involuntário, seja qual for a modalidade que revista.
Embora o Estatuto do Trabalho Nacional preveja, no artigo 48 º, esse risco profissional e a Lei n º 1884 viesse depois secundai tal referência o certo é que nunca logiou a luz da publicidade o diploma especial aí previsto para o desemprego involuntário, que, como tal, continua a não ter protecção nos esquemas da nossa segurança social.
É certo que existem providências tendentes a evitar o desemprego Nenhuma delas, porém, poderá considerar-se abrangida no conceito de segurança social, garantindo ao trabalhador o direito a qualquer prestação quando em situação de desemprego São, por isso, providências de política social, não, porém, de segurança social.
De entre elas merece referência o Fundo de Desemprego, instituído em 1932 no Ministério das Obras Públicas e aí mantido actualmente, com alguma incoerência, aliás.
O seu funcionamento está ligado a muitos e proveitosos melhoramentos públicos espalhados por todo o País Poderá mesmo dizer-se que nenhuma cidade, vila ou aldeia terá deixado, nos trinta e tantos anos que leva de existência, de lhe sentir os benéficos efeitos através de comparticipações que, no seu total, vão já nos milhões de contos.
Ele vale assim como um inestimável serviço de melhoramentos públicos e, na medida em que favorece a ocupação de mão-de-obra, mormente em legiões e estações de crise de trabalho, combate o desemprego Mas importa reconhecer, e com vista à sua possível Restruturação, que a sua finalidade e funcionamento o afastam da segurança social propriamente dita e parecem mesmo traduzem-se nalguma injustiça quanto aos seus subscritores obrigatórios e aos seus maiores beneficiários.
Os trabalhadores por conta de outrem que concorrem para as suas receitas - os do comércio, da indústria e dos serviços- são os que menos lucram, pelo menos directamente, com as suas comparticipações.
Ao invés, os trabalhadores das zonas rurais que não contribuem paca a constituição das suas receitas parecem ser os seus grandes beneficiários
Poderá dizer-se - e é exacto - que está aí a expressão de uma solidariedade nacional que é de desejar se que e intensifique em toda a população activa nos domínios da segurança social Assim é de facto
A justiça, porém, manda que a solidariedade a sirva mas a não substitua totalmente.
Acontece ainda que a solução encontrada em caso algum funciona como um direito do trabalhador, mesmo daquele que sempre contribuiu coercivamente para o Fundo de Desemprego.
Se posto em condições de desemprego involuntário a nada tem direito, nenhuma contraprestação pode exigir É-lhe concedida - se o for - quando e como e na medida em que os serviços decidirem e entenderem.
Também este aspecto leva a ponderar a necessidade, se não de rever o regime do Fundo de Desemprego, de encarar, embora a longo prazo, as providências adequadas a um verdadeiro seguro social contra o desemprego involuntário, seguro social que não existe entre nós.
Mercê da reduzida expansão da nossa indústria, o problema não atingiu ainda a acuidade que nos moleste