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28 DE NOVENBRO DE 1966 758-(3)

património cinegético nacional tão duramente atingido, para o que terá de impor sérias restrições, sem esquecer, por outro lado, que a caça pressupõe a utilização do solo para o seu exercício e, em momento anterior, para a própria criação e alimentação das espécies.

Por outro lado, terá presente que há valores ou interesses, costumes e concepções que constituem uma tradição, e que as tradições, tal como no seio das famílias, também contam e pesam na vida da colectividade.

For isso, não será avisado atentar deliberadamente contra ela, mas antes introduzir-lhe as correcções ou desvios impostos pelas novas circunstâncias.

§ 2.º Importância da caça

4. Mas justificará a caça que dela se ocupem os órgãos legislativos? Constituirá ela realmente um problema de interesse nacional? Qual a importância da caça nos dias de hoje?

A caça assume importância relevante sob os aspectos desportivo, social, económico, turístico e fiscal.

1) Aspecto desportivo

Passados os tempos já muito distanciados em que interessava exclusivamente ou quase exclusivamente para satisfação de necessidades fundamentais da vida material do homem, como a alimentação e o vestuário, ou constituía mesmo meio de defender a própria vida em face dos animais selvagens, a caça tornou-se essencialmente um desporto. É este na verdade o seu fundamental aspecto nos tempos modernos.

Praticada ao ar livre, em permanente contacto com a natureza, e exigindo uma movimentação constante e ordenada, a caça constitui um exercício físico salutar, difícil de ser superado;

Por isso se lhe reconheceu através dos tempos especial valor como treino ou preparação militar.

A este propósito vale a pena mencionar aqui a determinação que no século XII Gengis Khan fez introduzir no seu código (Yassak):

Dada a necessidade de manter as hostes em permanente treino militar e guerreiro, torna-se obrigatória a realização durante o Inverno de uma grande caçada, pelo que se proíbe, sob pena de morte, a todo o súbdito do império o exercício de caçar durante o período que decorre de Março a Outubro a todas as espécies de caça grossa ou miúda.

E o imperador mongol foi ao ponto de criar, a par dos Ministérios da Guerra e da Justiça, o da Caça, que, pela sua importância, confiou ao filho mais velho (2).

E o nosso rei D. João I, no seu célebre tratado de caça intitulado Livro da Montaria, enalteceu o valor da caça como exercício para que «o jogo e feitos das armas se não perca», o melhor para «recrear o entender» (3).

E na antiguidade não faltaram poetas e filósofos - Platão, Cícero, Virgílio, Horácio e tantos outros - que enalteceram as suas virtudes. Xenofonte, na sua Cinegética, aconselhava a prática da caça à juventude, «que deve ser forte e valorosa» (3).

Instrumento de revigoramento da raça e exercício altamente higiénico, a caça deve ser facilitada às classes intelectuais, obrigadas a viver uma vida sedentária e quantas vezes absorvente, assim como a todos os que vivem em grandes urbes numa atmosfera cada vez mais poluída.

Mas com a caça nem só o corpo beneficia. Em igual medida o espírito se revigora, libertando-se de preocupações, canseiras, dos mil problemas da vida.

Quem pôde já experimentar - exclamará o verdadeiro amante da caça- o inefável prazer de, manhã cedo, ainda de noite, deixar a casa, espingarda às costas e cão amigo ao lado, trilhando os caminhos sob o brilho trémulo das estrelas, e, atingido o cimo do monte, contemplar o universo, o céu e a terra desfazendo no horizonte o abraço que os unira durante a noite à mesma hora que ao longe se ouve o sino da pequena igreja anunciando a ressurreição de um novo dia?!

Seja quem for - qualquer que seja a sua origem, condição ou cultura -, sentir-se-á dominado pela beleza de um espectáculo que o condicionalismo da caça faculta Liberalmente aos seus devotos, ao mesmo tempo que os seus sentimentos são naturalmente influenciados por uma maior espiritualidade e pureza.

Tudo isto na realidade poderá proporcionar a caça. Por isso alguns lhe chamam divina ... (5). E também Diogo F. Ferreira, falcoeiro de D. Sebastião, escreveu, a seu modo, na sua Arte de Caça de Altanaria:

E alívio de cuidados pesados, mãe de altos pensamentos, é finalmente um toque no qual se conhece o para quanto cada pessoa seja.

tempo para os lados de Sintra em digressão venatória, o que lhe valeu ser advertido por um dos do seu Conselho, em nome de todos:

Por mercê, tende outra maneira em esto daqui em diante, senom ... como senom? disse ele. Allafee disserem, senom buscaremos nós outro que reine sobre nós, que tenha cuidado de manter o poobo em direito e em justiça e nom deixe as cousas que tem de fazer de sua fazenda para ir ao monte e ha caça andar hum mês (Fernão Lopes, Crónica de El-Rei D. Fernando).

O rei D. Duarte, também grande caçador, escreveu um livro de especial interesse cinegético - Arte de bem Cavalgar toda a Sela.

O último monarca caçador foi D. Carlos. Amava entranhadamente a caça, e as caçadas de Vila Viçosa, na coutada dos duques de Bragança, tiveram larga fama, nelas se reunindo frequentemente numerosas pessoas atraídas pelo espírito acolhedor do soberano.

(1) As primeiras manifestações de arte dos povos primitivos e da antiguidade têm quase sempre motivos de caça, em que o homem, fraco de forças, vence pela astúcia e inteligência as feras mais corpulentas e temíveis.

E na Idade Média a caça inspirou numerosos artistas, sendo célebres as iluminuras da época representando cenas cinegéticas.

Igualmente cânticos antiquíssimos, como os vedas, e crónicas hindus, chinesas e japonesas mostram o papel fundamental da caça nas antigas civilizações.

(5) «Divina - lhe chamam Xenofonte, Diogo Fernandes Ferreira e todos os sequazes de Nenrode, caçador tão formidável que o Eterno exclamou do alto, contemplando as suas inconcebíveis façanhas: Aquele salafrário dá-me cabo da criação I» (Aquilino Ribeiro, «A Arte de Caçar», em A Caça em Portugal, II).