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758-(6) DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 42

encontrada numa propriedade, porque vive em liberdade natural e por isso difere muito dos animais domésticos, nela nasceu o nela se criou e vive exclusivamente (pense-se sobretudo na caça que se encontra nas estremas dos prédios) Além de que há espécies - as chamadas espécies migratórias - que nem sequer permanecem nas regiões onde nascem.
Por outro lado, argumenta-se que a concepção germânica, aplicada, em toda a sua pureza e rigor, poderá levar à extinção de espaços livres, transformando o País ou uma região praticamente numa grande coutada, onde não teriam acesso os caçadores não proprietários ou desprovidos de meio; económicos que lhes possibilitem tornar-se arrendatários de reservas de caça.
E isto pode impressionar num país em que a tradição da liberdade de caçar quase atribuiu ao direito de caça a natureza de um direito de personalidade, que, como tal, se compreende seja limitado, mas nunca excluído.
Por outro lado ainda, a concepção germânica pura levaria logicamente a uma situação que o sentimento jurídico das sociedades modernas não poderia deixar de considerar um verdadeiro abuso do direito (13). Com efeito, o proprietário, de atro de tal concepção, não só pode impedir que outrem cace nos seus terrenos, como pode deixar ele próprio de aproveitar a caça aí existente e até destruir os ovos, [...] e toda a criação, atentando contra uma riqueza pública que importa salvaguardar.
Quer isto dizer que o sistema germânico, na sua pureza, leva a tais extremos, que, se quisermos salvá-lo, teremos de limitá-lo, exigindo que o proprietário só possa considerar-se dono da caça sob certas condições, como sejam as de delimitar a sua propriedade e possibilitar o seu aproveitamento racional no interesse próprio ou de terceiro (14).
Mas reconhece-se geralmente ao princípio germânico a grande virtude de poder contribuir eficientemente para a protecção e fomento das espécies.
Não há dúvida de que, se o proprietário quiser, ninguém melhor do que ele poderá cuidar da defesa da caça que habitualmente viva na sua propriedade. Se ele tiver estímulo à conservação da caça, ele procurará protegê-la tal como protege e defende os frutos da terra. E essa protecção, levada à escala regional ou nacional, será criadora e fomentadora de uma riqueza que a todos acabará por beneficiar.
A concepção romanista da res nullius, ou da liberdade de caçar, tem a seu favor alguns argumentos de valor.
Antes de mais deve reconhecer-se que a caça, pela sua constante mobilidade, coomo já se assinalou, não vive excluindo o caso de propriedades de áreas muito extensas, num só prédio, mas reparte a sua vida por vários, cujo número só arbitrariamente poderá fixar-se (15).
Acresce que a propriedade privada tem o seu fundamento natural no esforço do homem, no suor do seu rosto, aparecendo como o fruto do trabalho, a condensação material dos seus esforços (16).
E a caça apresenta-se praticamente como uma dádiva da natureza, em que não intervém ou em que só raras vezes intervém, e em pequena medida, o esforço humano.
Por outro lado, sabe-se que a propriedade privada desempenha também uma função social, até por imperativo constitucional (17), e pode conceber-se que o Estado queira que ela, em geral, suporte o ónus de criar e alimentar as espécies cinegéticas destinadas à usufruição colectiva.

(13) "É ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito", lê-se no artigo 318.º do projecto definitivo do novo Código Civil.
(14) Assim acontece em Espanha. Há aí a liberdade de caçar ao lado da faculdade do proprietário reservar, vedar ou coutar as suas terras. Mas, para poder fazê-lo, tem de se conformar com as exigências e requisitos impostos por lei. Não pode actuar arbitràriamente: ou se sujeita às imposições legais ou então o seu terreno pode ser utilizado livremente por caçadores estranhos - cf. o artigo 9.º da lei da caça de 16 de Maio de 1902, assim redigido:

Este direito pode exercer-se nos terrenos do Estado, dos povos, comunidades civis ou terras da propriedade particular que não estejam vedados.

Por isso, ao contrário do que frequentemente se ouve afirmar, parece que rigorosamente não vigora em Espanha o sistema germânico (que foi, sem dúvida, o consagrado pela anterior lei da caça de 1879), mas o romanista, embora limitado por uma ampla permissão, conquanto condicionada, de reservas de caça. E tanto assim que, se alguém se apropriar de animal bravio existente em terreno alheio, não comete um furto (cf. Nueva Enciclopédia Jurídica, vol. III, pp. 937 e seguintes).
Muito diferente é o sistema do direito francês: "Ninguém tem a faculdade de caçar na propriedade alheia sem consentimento do proprietário ou de seus representantes" (Code Rural, artigo 365). Aqui, sim, vigora o sistema germânico. Note-se, todavia, que, por uma lei recente - Lei n.º 64 696, de 10 de Julho de 1964 - relativa à organização das associações comunais e intercomunais de caça, os proprietários podem, dadas certas condições (não atingirem os seus terrenos certa área, por exemplo), ser compelidos a entrarem com estes para aquelas associações, adquirindo, e 21 contrapartida, o direito de fazer parte da sociedade comuna. Ora é manifesto que isto não se harmoniza com o carácter meramente privatístico da caça e do direito de propriedade, como, aliás, foi justamente observado pelo Senado (Rapport n.º 166, 2.º sessão ordinária de 1961-1962).
A estas soledades comunais faremos referência, na parte especial, ao tratar das reservas concelhias de caça.

(15) Assim já não sucede quanto aos terrenos murados ou vedados, ou cercados de água por forma permanente, de tal sorte que os animais bravios não possam entrar nem sair livremente, os quais, assim, podem e devem considerar-se integrados no direito de propriedade dos respectivos terrenos.
(16) Of. o parecer da Câmara Corporativa emitido sobre o projecto de decreto-lei respeitante ao emparcelamento da propriedade rústica (in Pareceres da Câmara Corporativa, VII Legislatura, 1960, vol. II, p. 35), n.º 8.
(17) Cf. o artigo 35.º da Constituição Política e os artigos 11.º, 12.º e 13.º do Estatuto do Trabalho Nacional.
Sobre os novos conceitos do direito de propriedade, escreveu-se no já citado parecer da Câmara Corporativa sobre o arrendamento rústico (n.º 4):

Não se desconhece que os problemas jurídicos da terra estão sendo objecto em todo o mundo de uma especial atenção por parte dos legisladores. Os conceitos clássicos, individualistas, do direito de propriedade e da autonomia da vontade no domínio contratual, nascidos da filosofia do século XVIII e inspiradores do regime vigente em Portugal do arrendamento rústico, não podem resistir às grandes modificações económicas e sociais dos tempos modernos. Por toda a parte se anseia pela revisão dessas velhas ideias mestras do direito privado, e entre nós são disso reflexo os trabalhos preparatórios de um novo Código Civil:

O que ontem constituía justo motivo de exaltação do diploma (Código de 1867) - escreve o Prof. Antunes Varela -, o espírito profundamente liberal e individualista de que vinha imbuído, converteu-se, nos dias de hoje, em face das renovadoras aspirações da comunidade, numa razão de decrepitude dos textos legislativos que nos regem. Ao direito de cunho individualista e igualitário que Seabra ofereceu ao Governo de 1867 tem hoje de substituir-se um direito de feição eminentemente social, de profunda expressão comunitária.

Esta mesma concepção esteve presente ma lei relativa à organização das associações comunais da caça em França, que referimos na nota 14.