758-(8) DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 42
Deve esclarecer-se, todavia, que a Câmara teve as maiores hesitações em aderir a este ponto de vista (sistema romanista), que só por maioria de votos conseguiu vingar.
§ 4.º Reservas de caça. Sua justificação e sua função
8. Já no parágrafo anterior fizemos uma referência às reservas de caça. Todavia, a sua importância justifica que algo mais se diga acerca delas.
A sua legitimidade é contestada por alguns com a alegação de que constituem privilégios ou regalias que, se tinham explicação na época feudal, devem hoje ser proscritos da legislação, pois que contrariam o princípio de que a caça constitui res nullius, a todos devendo ser, pois, concedido o direito de caçar livremente.
Os que assim falam laboram, contudo, em manifesto equívoco.
Em primeiro lugar, por toda a parte se reconhece que a inteira liberdade de caçar conduziria ao extermínio das espécies (21). Se, por exemplo, entre nós, ainda abunda a caça em certas regiões do Alentejo, isso deve-se certamente às reservas de caça aí existentes.
Em seguido lugar, porque as reservas de caça hoje admitidas e admissíveis não se confundem com as antigas coutadas dos: reis e dos grandes senhores.
Elas eram então um mero privilégio, sem nenhuma finalidade de protecção, defesa e repovoamento das espécies.
Esta finalidade é justamente o que justifica hoje as reservas de saca.
Estas existem por concessão do Estado, o qual, ao autorizá-las, não se move pelo interesse particular do concessionário, nas em atenção ao interesse público da conservação e fomento da caça.
De resto, a concessão, como se vê aliás do projecto de proposta de Lei em apreciação, é acompanhada de obrigações e ónus que, se não forem cumpridos, dão lugar à sua revogação ou à aplicação de uma sanção de natureza pecuniária.
A concessão de uma reserva de caça tem um carácter essencialmente público: depende de um acto de vontade do Estado.
O concessionário, por isso, deve exercer o seu direito de harmonia com as normas e as directrizes impostas pela administração pública.
logia que estuda, qualifica e aprecia os fenómenos jurídicos e suas repercussões sociais em qualquer domínio, seja ele o económico, o político ou o moral.
Trata-se, portanto, de um estudo em que não podem deixar de intervir os juristas, porque estão em causa precisamente problemas políticos e morais, e não simplesmente económicos. Há que chegar, pois, ao ponto de equilíbrio e de justiça social, fixar a meta conveniente na evolução natural e os institutos que, como o da propriedade privada, marcam uma civilização que se não pretenda abolir.
(24) Assim se entende em Itália:
... seguendo Ia tesi dei liberi cacciatorí, si giungerebbe alia comoleta distruzione delia aelvaggina, doe ad un re-suliaio contrario dl deaiderio degli antireseroisti (cf. Fran-cesco Gij;olini, II dirítto di caceia, 437).
O mesmo se reconhece em França (citado relatório do Senado francês sobre reservas comunais de caça):
La classe banale françaiae, à caractere extrêmement démocratlque, est unique au monde. On Ia pratique gra-tuitemen-e (sana location du territoire, avec Vaccord tacite dês propriétairea). Ette laiaae Ia plua grande place à Ia liberte, à Ia fantaiaie, à Vévaaion; cest Ia chasse devant sói, Ia vnie chasse comme Ia concevaient noa anciena, maia parce quelle a été appliquée aana ordre, aana discipline, aans organiaation, elle esi vide de gibier et Ia plua grande partie di territoire françaia eat un déaert cynégétique.
Assim, o concessionário não poderá, segundo o seu livre arbítrio, baseado nos seus puros interesses pessoais, como se se tratasse de uma concessão de carácter privado, providenciar sobre o funcionamento da reserva, mas deverá cuidar da protecção e favorecer a multiplicação das espécies e ainda tomar providências quanto à fiscalização, através de um certo número de guardas de caça
Quer dizer: o Estado, após a concessão, não se desinteressa do funcionamento da reserva, mas vigia-o e controla-o.
Do que fica exposto, vê-se que a concessão cria entre o Estado concedente e o concessionário uma relação de natureza pública, e não de índole privatística. Tal característica deve ser salientada com o devido relevo, porque é convicção muito difundida a de que a reserva é um instituto de direito privado criado no exclusivo interesse do concessionário (25).
O concessionário fica numa posição de subordinação em relação à administração, que explica o poder de fiscalização das entidades públicas, que podem, inclusivamente, aplicar sanções e revogar a concessão.
O concessionário não poderá limitar-se a uma conduta puramente passiva, usufruindo a caça que se reproduz naturalmente, sem peso e medida, mas deverá ser activo e vigilante, desenvolvendo as espécies, qualitativa e quantitativamente. Não deverá esquecer que a concessão não lhe é atribuída para satisfazer exclusivamente a sua paixão venatória, com exclusão de todos os outros caçadores dos seus terrenos, ou sómente para proteger a cultura e os produtos agrícolas, mas para que providencie, com critérios técnicos e meios económicos, no sentido de aumentar as espécies, por forma que estas irradiem para os terrenos livres e constituam um viveiro de que possam beneficiar outras zonas carecidas de caça(26).
Besta apenas acentuar que o direito que o concessionário adquire através da concessão não é um direito de propriedade ou um direito real sobre as espécies de caça existentes no seu prédio, mas tão-só o direito de excluir outros de caçar dentro dele. Deste modo, quem violar esse direito, caçando dentro da reserva, e se apropriar de algum animal bravio, não comete um crime de furto, mas sómente uma contravenção.
E o concessionário apenas adquirirá a propriedade dos animais da sua reserva por um acto efectivo de ocupação, tal como se se tratasse de qualquer outro caçador.
Estas as considerações que neste lugar havia a fazer com o fim de apontar a função das reservas de caça nos tempos actuais e a sua justificação em face do proclamado princípio da liberdade de caçar (27).
§ 5.º Ideias dominantes e estrutura geral dos projectos de diploma em estudo. Sua apreciação
9. A ideia fundamental que domina cada um dos dois projectos de diploma em causa é a da protecção e desenvolvimento do património cinegético nacional, propósito que, só por si, dignifica qualquer deles.
(25) F. Gigolini, ob. cit., 440.
(26) F. Gigolini, ob. cit., 446.
(27) O problema das reservas de caça apresenta vários aspectos delicados, aos quais teremos ocasião de nos referir adiante quando os abordarmos a propósito do exame na especialidade. Assim, o problema das áreas máxima e mínima de cada reserva, o problema da área de cada concelho destinada a reservas de caça, o problema do arrendamento du reservas, etc.