25 DE JANEIRO DE 1967 1095
Tem a palavra a Sra. Deputada D. Maria Ester de Lemos
A Sra. D. Maria Ester de Lemos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por economia de tempo e para não repetir, para pior, o que já foi dito antes de mim, procurarei abster-me de considerações de ordem geral.
Quero entretanto, por um dever de justiça que me é grato cumprir desta tribuna, prestar o meu sincero aplauso à intenção que presidiu à iniciativa, do Sr. Deputado Manuel Braamcamp Sobral, e não apenas à intenção - que é a mais recta, desinteressada e nobre - , mas também à forma honesta e atenta, desassombrada e enérgica por que o mesmo Sr. Deputado colocou o problema e abriu caminho aos nossos debates. Se este aviso prévio não contribuir para a adopção daquelas medidas de que sentem a imperiosa urgência todos quantos estão de boa fé - a culpa não poderá atribuir-se ao avisante mas a esta Câmara que não terá sabido secundá-lo no seu propósito ou aos governantes, que não terão escutado a voz da consciência nacional, a que procurámos dar expressão.
Não vou discutir nem tentar novamente - outros o fizeram melhor do que eu saberia - definir os termos que constituem a matéria deste aviso prévio, educação e juventude. Parto do princípio de que todos possuímos a tal respeito noções pelo menos sensivelmente aproximadas.
Só quero lembrar uma vez mais, em relação ao termo "juventude", que não é apenas a juventude escolar que está em causa, mas toda a juventude portuguesa da metrópole e do ultramar, a dos meios operários e a dos meios rurais, os filhos-família e os filhos da rua.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Nenhum plano de educação da juventude pode, se quiser ser verdadeiramente nacional, esquecer ou adiar a solução dos problemas respeitantes a qualquer destes sectores da mocidade de Portugal.
Quanto ao termo "educação", Deus me defenda de pretender defini-lo neste momento e neste lugar onde toda a vontade e concisão e realismo não é de mais para me aliviar das atenções da retórica e do exibicionismo intelectual.
Só desejo sublinhar, para que não restem sombras de dúvida sobre o sentido em que o aplico, que me parece interpretar o pensamento da maioria da Câmara quando associo à ideia de educação da juventude portuguesa actual a ideia de formação do carácter, da consciência patriótica do sentido da disciplina, do espírito de sacrifício e da devoção a ideais que transcendem o da eficiência profissional, o do bem-estar material e o do triunfo económico.
Do que Portugal precisa hoje, sobretudo, é de consciências esclarecidas de convicções inteiras e sem reticências nem sofismas, de vontades disciplinares, mas não por apática resignação ou por conformismo interesseiro, antes por adesão livre e consciente, nascida ao mesmo tempo no coração e na cabeça, nunca no estômago. Podemos preparar aos jovens o caminho de uma carreira profissional mais adequada às necessidades do nosso tempo, facilitar-lhes os meios de promoção social e económica, torná-los mas aptos, mais seguros de si, mais capazes de se instalarem comodamente na vida. Mas embora façamos tudo isso, nada teremos feito no plano da educação se descurarmos a tarefa de lhes iluminar o carácter, de lhes formar a vontade, de lhes iluminar o espírito com a luz de uma fé bem fundamentada e bem vivida.
É, pois, neste sentido moral que deve entender-se a palavra «educação» que eu haja de empregá-la.
Sr. Presidente: Feitas estas rápidas observações preliminares (...), sem mais demora , na análise de alguns pontos que julgo de capital importância na problemática da educação da juventude portuguesa actual.
Durante os debates ouvi com desvanecimento natural sublinhar a importância que nesta empresa de educar, assume o papel da mulher. Com efeito ainda não foi possível até agora abalar- embora vão sendo cada vez mais frequentes as investidas vindas de todos os lados contra esta ideia a que alguns chamam «preconceito burguês»- ainda não foi possível abalar, dizia a convicção, assente numa experiência milenar, de que a mulher compete um lugar decisivo e insubstituível na educação da juventude. Enquanto uma revolução, ao mesmo tempo social e cientifica, que por enquanto ainda se áginos limbos da ficção, não modificar as características biológicas e psíquicas da mulher é ela quem continua, na verdade, a ser bem ou mal, o centro da família, a trave mestra do edifício moral que chamamos o lar.
Não creio que valesse a pena tentar dizer o que penso sobre a chamada «promoção feminina». São tantos os erros, as confusões, os compromissos doutrinários que cercam esta matéria, são tão variadas as situações sociais e individuais que constituem o panorama de vida da população feminina do globo neste momento da história, que toda a tentativa de síntese, toda a pretensão de pronunciar a tal respeito a última palavra, parecem por enquanto condenadas ao fracasso.
Veremos- ou já não veremos mas saberemos lá onde tudo se sabe- o que acontecerá um dia ao nosso mundo se esta promoção social se processar sem o apoio e a contrapartida de um humilde e profundo respeito pelas realidades da natureza feminina e de um verdadeiro ideal de vida que coloque o amor e a verdade acima de todos os gozos materiais e de todas as ilusões mundanas.
Mas isto já me parece matéria de homilia e não de intervenção parlamentar.
O que importa dizer é que a chamada promoção da mulher, na fase a que chegou a Portugal leva já hoje todos os dias para fora d casa a larga maioria da população feminina em idade de Ter filhos no berço, na escola ou no liceu. Não é o caso de perguntar agora se a mulher ganha ou não com este estado d coisas. A resposta, porventura negativa para o caso português, tem apenas um valor provisório, dado que o nosso nível económico e, consequentemente, o tipo de vida doméstica em geral ainda praticado entre nós poderá, decerto, manter-se muitos anos. Por agora, com efeito é dura, absurda e às vezes dramática a situação das mulheres que são mães de família em regime de acumulação com funções profissionais absorventes.
São as dactilografas que passam os fins de semana a lavar pelos processos clássicos a roupa da família, as professoras que corrigem pilhas de exercícios escritos até às duas da manhã e tem de de estar levantadas ás seis para dar biberão ao filho de peito, são as caixeiras que aguentam de pé, por detrás dos balcões, o tempo mais esgotante da gravidez, as operárias que saem de noite, ainda com as crianças a dormir para entrar às oito da manhã na fábrica que fica do outro lado do rio, ou no subúrbio oposto àquele onde vivem. São as funcionárias publicas que nas escassas duas horas de intervalo do meio-dia depois de passarem pela escola a buscar os filhos vão a casa não simplesmente, almoçar, mas cozinhar à pressa o almoço de toda a família.