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1098 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 61

(...)guesa de qualquer nível social. Acredito profundamente na espontânea e necessária criação de élites mas a educação não é já hoje considerada, por ninguém que se diga civilizado, um privilégio de classe, é antes direito inalienável de todos os cidadãos. As élites surgirão por virtude própria, por essa natural selecção que Deus permite, ao distribuir designadamente os talentos entre os homens. Mas as oportunidades básicas, nas sociedades modernas tem de ser iguais para todos.
Ora, eu vejo com mágoa, Sr. Presidente e Srs. Deputados que há ainda entre nós uma vasta população juvenil em flagrante desigualdade no plano que mais nos interessa- que é o da educação no sentido moral.
Todos os dias, nas ruas, nas lojas, nos jardins públicos, à porta dos cinemas e de todos os lugares onde afluem visitantes, somos abordados por pequenos mendigos ou por pequenos vendedores ambulantes que oferecem a sua mercadoria. Ainda há poucos dias num miradouro do parque de Monsanto assisti ao espectáculo habitual dos bandos de crianças de 6, 8, até 12 e 14 anos que afluíam de toda a parte pedindo esmola. Alguns tinham a triste aparência clássica dos pequenos pedintes que fizeram a indignação enternecida da era romântica, metidos em velhos fatos, grandes de mais, descalços e sujos no frio da tarde de Janeiro. E pediam simplesmente, sem dizer nada, estendendo a mão e os olhos tristes de crianças infelizes. Outros, vestidos com mais limpeza e conforto pediam alegremente, gracejando e rindo. Recordo um bando de rapariguitas em idade escolar. Passavam sozinhas entregues à vagabundagem ociosa, sem timidez nem vergonha por entre os grupos de gente distraída que lhes dava «um tostão para rebuçados». A maior era já uma adolescente. Dentro de dois ou três anos era mulher. Que mulher?
Apesar de ter nascido numa época de tão melindrosa e eriçada consciência social, não sou contra a esmola. Às vezes é tudo o que podemos fazer. E há sempre no gesto de dar alguma coisa que não se perde. Também não sou ingenuamente optimista a ponto de esperar um estado de perfeição humana em que todos sejamos virtuosos, felizes e, por acréscimo ricos.
Sei também que muitos dos que nos pedem dinheiro nas ruas tem guardadas nas suas barracas economias que um modesto funcionário público não consegue juntar num ano de pequenos salários e grandes prestações.
Mas nada disto me consola de ver por esse País centenas, milhares de crianças, estendendo a mão à caridade. Que não têm fome! Pior então, porque é o vicio da família e do inicio em que se criam que as atira para a aventura precoce da rua, para a abdicação da dignidade natural, para o ódio, o expediente, a mentira- numa palavra, o relaxamento moral.
Eles também são juventude e também têm direito à educação. Que frequentam a escola? Pois bem isso prova que nestes casos a escola não basta, embora seja com certeza um caminho de reabilitação e progresso moral a que os pais não tiveram acesso.
Mas é preciso tirá-los da rua. É preciso que alguém siga até aos seus bairros de lata e até aos seus quartos de aluguer, estas crianças mendigas, estes vendedores de pentes e canetas, estas figuras anacrónicas, dolorosas e inquietantes de futuros ladrões e prostitutas.

Vozes:- Muito bem!

A Oradora:- É preciso estudar cada caso e depois não deixar os processos acumularem-se, acusadores e inúteis, nas secretarias competentes.

Vozes:- Muito bem!

A Oradora:- Que já se tem feito muito? Sem dúvida. Mas é preciso fazer mais e mais depressa. Não sei como funcionam esses serviços mas é de presumir que não funcionem bem, visto que o número de pequenos pedintes aumenta em vez de diminuir.

Vozes:- Muito bem!

A Oradora:- Agora que as mulheres vão poder ingressar nos quadros das forças armadas, é talvez o momento de se pensar na organização de uma polícia feminina, que se ocupe com energia e com carinho, destes casos de crianças em perigo moral, filhos actuais dos antros de alcoolismo e promiscuidade, pobres pequenos que pagam, ou pagarão sem culpa pelas taras e misérias dos pais e pela negligência dos responsáveis.
Mas, se vier a criar-se esse corpo de policia feminina, é indispensável que se seja exigente no recrutamento, eficaz nos meios de acção a conceder-lhe e generoso na remuneração a atribuir-lhe. Penso na situação que se criou relativamente a certos serviços de assistência, onde a baixíssima remuneração despovoa os quadros de auxiliares e visitadoras, ou os povoa de elementos sem as condições desejáveis para o exercício de tão delicada e grave missão. E onde, pior ainda a morosidade ou inoperância das soluções afastou os melhores elementos que não puderam resignar-se à tarefa desesperante de detectar e apreciar dolorosos casos humanos, sem ver depois recursos para os resolver com um mínimo de prontidão e eficácia.
Criar serviços sem condições de vida é uma triste forma de adiar com promessas para depois azedar com desenganos o sentimento de mal-estar que a sua falta já provocava.
Talvez o tom das minhas palavras parecesse a alguns demasiado fogoso. Talvez pudessem vislumbrar nelas algum intuito demagógico. Quando a demagogia, nada esteve mais longe do meu pensamento, porque foi ainda o alto e puro objectivo nacional de educação da juventude que ditou esta evocação dos pequenos mendigos de Montes Claros.
Quanto à fogosidade, peço que me desculpem. É uma questão de estilo, há coisas de que não posso falar a frio.

Vozes:- Muito bem!

A Oradora:- Finalmente outro aspecto do problema da educação da juventude desejaria ainda abordar antes de terminar estas ligeiras considerações, inspiradas na minha experiência de todos os dias. É o tema, delicado, mas fundamental das organizações juvenis.
Sr. Presidente: Nada lucraríamos em iludir-nos e calar-nos por mais tempo sobre uma questão que essa sim, interessa vivamente aqueles mesmos que são, no fundo, a razão de ser de tantas palavras nossas.
Se é certo que a juventude tem, independentemente do tempo e do lugar em que vive, características sempre idênticas- aliás magistralmente enunciadas aqui por vários Srs. Deputados que se ocuparam deste assunto -, não é menos verdadeiro que alguns aspectos novos apresenta a juventude dos nossos dias sobretudo naquelas camadas mais penetradas de cultura e mais favorecidas pelos benefícios do progresso social e económico.
Um desses aspectos, que me interessa neste momento sublinhar é o que chamarei, à falta de melhor, o espírito de classe.
Talvez porque a moderna pedagogia deu o tom, insistindo de modo caloroso e sugestivo sobre o que há de específico, de peculiar, no ser humano jovem, talvez por causas mais complexas e variadas que não importa agora (...)