26 DE JANEIRO DE 1967 1141
cos sobre a posse da terra, dado que a terra abunda de tal modo em Moçambique que me não parece possível o receio da sua generalizada distribuição. A esse respeito só é concebível a disputa das terras mais ricas e rentáveis. A que deveremos então essa aparente contradição? Interessam menos as causas do que o seu efeito conjuntural. Eu afirmo não considerar o nomadismo uma característica africana, solidamente fixada nas populações, mas sim uma consequência fatal das condições ambienciais. Igualmente não considero o colectivismo agrário africano como expressão de estrutura, antes como manifestação da falta dela.
A história mostra-nos que o homem só foi nómada até que pôde deixar de sê-lo. E que a posse individual da terra funciona sempre como elemento primordial da sua fixação.
Digamos antes que, em África, foi a abundância da terra que conduziu ao aparente desamor por ela. No dia em que o oxigénio do ar se tomasse escasso, fechá-lo-íamos em frascos comercializáveis e lutaríamos pela sua posse.
Irei mesmo ao ponto de afirmar que ausência de um real sentimento de domínio individual está na base do atraso do nativo africano. Quem está de viagem não faz obra definitiva, só por engano alguém edifica sobre solo alheio. A um campo sem dono sacrifica-se uma colheita, não se devota uma vida.
Não quer isto dizer que eu não seja sensível à beleza de entreajuda, do desinteresse, da solidariedade e de outras expressões de comunitarismo. Mas reconheço que a África pagou por essa beleza um preço em estagnação e sofrimento de que deve, sem demora, cuidar de ressarcir-se.
Outros porão problemas de coerência ideológica ou introduzirão no tema as simpatias partidárias. Não tenho outro partido que não seja o bem da minha pátria e o dos meus concidadãos, com particular acento de simpatia para os mais desfavorecidos da fortuna, que são também, por determinamos bem conhecidos, a generalidade dos portugueses da minha cor. Se uma solução se me afigura mais conducente à sua rápida promoção social tratarei de defendê-la sem me preocupar com outras formas de coerência.
Um dos erros de que pode justamente ser acusada a nossa administração ultramarina consiste na ausência do senso prático. Transplantamos, com frequência, soluções só válidas à pequena escala geográfica para a imensidão dos nossos território ultramarinos. Não raro a preocupação das soluções óptimas e definitivas adiou a viabilidade das soluções razoáveis e transitórias. Com igual frequência deparamos com tentativas, quase sempre frustradas, de operar de um salto a transição da rotina para o superdinamismo, do primitivismo para o ultramodernismo.
Os modernos preceitos da sociologia dizem que se não deve injectar de repente a tecnologia mais avançada, principalmente quando se trata de transformar sociedades menos evoluídas em outras mais evoluídas. Esta transformação mostra-se vantajosa quando feita gradualmente.
No Senegal, por exemplo, depois de um salto brusco da cultura de amendoim com ferramentas primitivas para a cultura altamente mecanizada e motorizada, verificou-se ser preferível voltar «aparentemente atrás» e fomentar a cultura à charrua de tracção animal.
Mostramos, ainda, tendência para as soluções localizadas, circunscritas, menos do que regionais, e ficamo-nos pela exemplificação improfícua à escala geral da unidade dos territórios.
Exemplo que se vai tornando clássico: o parcelamento do vale do Limpopo. Quis fazer-se obra perfeita, alindada, definitiva. Pois ergueu-se um empreendimento sem rentabilidade, não se resolveram, talvez, mais problemas do que os que foram criados, concentrou-se um pequeno «tudo» cercado de «nada». Não creio que a experiência colhida aconselhe a que volte a trilhai-se o suposto caminho do óptimo em detrimento do razoável possível.
Em face destas considerações sobre este tema da distribuição e aproveitamento da terra, quais têm sido as nossas preocupações dominantes? O perfeito cadastro, ainda que moroso e complicado. A agricultura de empresa. A canalização da produtividade rural para o sector das matérias-primas facilmente industrializáveis ou de garantida exportação e mecanização agrícola.
Dir-se-ia que persistimos em não nos darmos conta de que a mecanização da agricultura em larga escala está fora da nossa potencialidade de investimento e de que esse mesmo erro, cometido por outros países de maior suporte financeiro, chamou por toda a parte os técnicos de escol à realidade das dimensões da problemática agrária africana.
De que dispomos afinal? De braços e de terra. Pois procuremos investir o trabalho de que dispomos na exploração da terra que não nos falta, através de uma sensata e realista política agrária de que, antecipo já, considero a propriedade da terra o insubstituível factor dinamizante.
Até ao presente temos procurado o êxito fácil e imediato, ainda que pelo preço de muitos contra-sensos, a produção de matérias-primas industriais de garantida procura, num território onde escasseiam os bens de subsistência, a sua esporádica manufactura local, antecipando a industrialização de territórios sem agricultura racionalizada e sem mão-de-obra especializada, a exportação de força de trabalho manual em detrimento do seu investimento local, a prestação de serviço - portos, caminhos de ferro, turismo - em despeito da nossa carência de estruturas básicas.
Mais nos valera, penso eu, que trilhássemos a via sacra das soluções intermédias, porém, generalizadas. Se dermos uma enxada a cada braço, teremos cumprido o ciclo da enxada manual, de que as estatísticas nos dizem ser chocante a escassez em Moçambique Se tivermos garantido uma charrua manual e um boi de tracção a cada unidade agrária, teremos encerrado o ciclo da enxada manual e iniciado o ciclo da tracção animal. Isto sem prejuízo das possíveis guinadas no sentido da agricultura mecanizada, que certamente um dia se seguirá àquela.
À primeira vista, parecerei modesto nas minhas ambições. Creio que estou apenas a ser realista e prudente. Que, porém, se não considere obra de pequeno valor ou diminuto vulto a radicação generalizada da charrua e do boi de tracção. Pelo contrário atingido esse estádio, poderá falar-se de progresso e raciocinar-se em termos de prosperidade.
E esta, de resto, a lição da história do desenvolvimento dos povos africanos já destribalizados e mais do que isso, de muitas sociedades espalhadas no Mundo.
Li, como disse, um impressionante Livro de um insuspeito anticolonialista francês, o Sr. René Dumond, L'Afrique noir est mal partie. Nele encontrei a consagração ao mais alto e especializado nível técnico, desta minha rudimentar percepção de que é preferível um lento e gradual desenvolvimento rural global a surtos esporádicos e sem significado da iniciativas dernier en.
Se os Europeus - diz Dumond - tivessem pensado em negociar com os Negros como se eles fos-