2404 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 133
ensino parece aconselhar que esta minha intervenção se circunscreva a determinado limite. No entanto, julgo que o desejo de todos nós, ao intervir no debate, é contribuir eficientemente para uma melhor concretização desse programa, dando ao grupo de trabalho que o realiza a versão que muitas vezes falha aos que no silêncio dos gabinetes equacionam e resolvem.
O ensino liceal, que até agora se seguia normalmente ao ensino .primário, virá de futuro, e a partir do ano lectivo de 1068-1960, a seguir ao ciclo preparatório, que se situa precisamente na posição intermédia entre o ensino primário e o ensino secundário (liceal e técnico), tendo como finalidade a observação dos alunos e a sua orientação escolar, com vista a descobrir aptidões e tendências e a aconselhar sobre opções futuras, sem postergação, no entanto, da liberdade fundamental de escolha da carreira que se quer salvaguardar (discurso do Prof. Galvão Teles).
No trabalho de preparação para o lançamento deste novo ciclo tem-se empenhado a Direcção de Serviços do Ciclo Preparatório, a qual terá de resolver de forma segura todos os assuntos inerentes e que interessam sobremaneira à sequência dos estudos, razão por que não seria descabida a sua consideração, ao jeito de prefácio, no desenvolvimento deste, debate. No entanto, e considerando as palavras proferidas pelo Prof. Galvão Teles no acto da posse do director de serviços, reveladoras desse cuidado e dessa atenção, parece-me desnecessária a preocupação, pois que nesse dizer se afirmou textualmente:
Demoradas e profundas reflexões, meditação sobre experiências estrangeiras, e nalguns casos seu exame in loco, numerosas consultas c inquéritos, auscultação directa, de necessidades e possibilidades locais, colheita de abundantes dados, intermináveis sessões de trabalho, redacção de delicados textos legais e regulamentares, alguns de grande extensão, definição de planos de estudo, elaboração de programas e directrizes didácticas, preparação e publicação de compêndios, estabelecimento de redes escolares, estudos e diligências sobre instalações, umas difinitivas, outras provisórias, seu apetrechamento, criação e montagem de serviços, realização de cursos de aperfeiçoamento de docentes - eis um enunciado incompleto, e sem dúvida insuficientemente expressivo, da soma de esforços que vem demandando o duplo empreendimento de uma generalizada e renovada escolarização subsequente ao ensino elementar.
Temos assim que o Ministério está atento a todos os problemas, sendo, a causa da demora verificada entre o anúncio do planeamento da acção educativa e a sua total efectivação a grandeza do empreendimento, a dificuldade na obtenção dos meios indispensáveis e a seriedade que se deseja imprimir ao trabalho, critério com que na verdade se concorda, por ser o mais coerente com uma séria política de realizações. Porém, alguns problemas são tão graves, e tão premente é a necessidade de uma solução, que seria bom considerar-se na vantagem que poderia advir para o todo com a sua solução, independentemente do trabalho de conjunto, muito embora se condicionasse essa solução a futuros ajustamentos ditados por uma coordenação que desse conjunto resultasse necessária.
Ao entrar na fase de realização quanto aos planos do novo ciclo, que irá funcionar inicialmente nos mesmos edifícios dos liceus e escolas técnicas, surge como natural a comparação que se fará entre os novos métodos e critérios que irão presidir ao desenvolvimento desses planos e aqueles métodos e planos de ensino que hoje constituem, e continuarão a constituir, os currículos dos diversos anos do ensino liceal. Enquanto ali se tratará de criar um ambiente de renovação pedagógica e espiritual, levando os alunos a uma activa integração na vida escolar, e tendo em conta, no desenvolvimento das matérias dos programas, as interligações das disciplinas no trabalho de formação que se tem em vista, o ensino liceal continuará a proporcionar um ensino divorciado das necessidades que o presente reclama, alheando-se sistemàticamente do aproveitamento dos valores, com vista à sua real integração no ambiente em que terá de viver.
Os programas que hoje regem as disciplinas carecem de realidade, cheios como estão da preocupação, já ultrapassada, da criação de um sentido utilitário, todo ele baseado num exagerado enciclopedismo que cansa e não consegue interessar.
Professores e alunos fatigam-se a estudar a matéria dos currículos, o que não permite aos primeiros as necessárias demonstrações experimentais - tanta vez ainda impossíveis por falta de apetrechamento competente nos liceus -, levando os alunos a uma enfadonha memorização, sem qualquer expressão que os possa esclarecer a respeito da necessidade da obtenção desses conhecimentos.
Ora até nesta fase do desenvolvimento o indivíduo não aceita espontaneamente uma inoculação de saber, sistema que é contrário ao mais elementar princípio pedagógico e, o que ainda é mais evidente, ao mais elementar sentido de preparação do indivíduo para a vida em sociedade.
A rotina impressa nesses programas leva naturalmente os professores a uma rotina didáctica que comanda toda á vida escolar, criando um ciclo que envolve mestres e alunos, privando-os assim de iniciativa e interesse.
Mas o que é pior é que tais programas conduzem os professores a um isolamento da matéria da sua disciplina em relação ao trabalho de conjunto que deve presidir ao desenvolvimento do currículo escolar, prejudicial ao desenvolvimento harmónico do aluno. Esse facto, na maioria dos casos, faz com que se não sinta no ambiente liceal que esta ou aquela matéria não é uma coisa inerte, sem qualquer expressão no trabalho de conjunto, actuando da mesma forma no processo de formação viva da personalidade do educando.
E quando os jovens não sentem o influxo de uma real integração de todos os que têm o dever de contribuir para a sua educação, cedem à, natural tendência de se divorciarem das disciplinas de menor permanência hebdomadária ou daquelas em que o mestre é mais compreensivo e mais companheiro, mantendo-se assim apartados do processo educativo geral, cujo alcance não podem ainda compreender.
Desta forma, não havendo qualquer interligação entre as disciplinas, ignorando-se o valor das ciências no aprendizado das letras e vice-versa, os objectivos deslocam-se para certo ensino verbal, cujos resultados apenas podem ser comprovados por meio de exercícios escritos e algumas chamadas orais.
Pode mesmo dizer-se que, tal como estão organizados os programas, o único ensino possível é o que se divorcia do sentido formativo, parecendo, pois, normal e- certo o modo de avaliação do saber hoje seguido, onde a nota é que tabela o aluno e o exercício é a única forma conhecida para a determinação dessa nota. Desta forma, não há aluno-pessoa, mas aluno-nota, o que se exprime em termos de informação de que tal rapaz é um aluno de treze ou catorze, valores esses através dos quais se pretende abranger todo um conhecimento intelectual e psíquico, ignorando-se os tipos e os perfis psicológicos desses rapazes e raparigas nivelados por um padrão comum.