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23 DE FEVEREIRO DE 1968 2534-(5)

que uma das partes seja favorecida e a outra prejudicada (cf. artigo 1070.°). Atenda-se, por último, ao pedido de suprimento judicial do consentimento do arrendatário ou do senhorio para se fazerem benfeitorias, e ao requisito da maior produtividade do prédio, exigido pelo n.° 3 do artigo 1072.° do mesmo Código, ou ao requisito de os melhoramentos serem de utilidade manifesta para o prédio ou para a produção, referido no n.° 4 do artigo 1074.° São de tal importância estas acções que no projecto de proposta de lei n.° 507, não obstante o n.° l da base XXII se referir a todas as divergências entre senhorios e arrendatários, o n.° 2, cautelosamente, lhe fez referência especial.

Alguma coisa há a dizer ainda quanto à limitação dos poderes da comissão à apreciação das questões de facto.

Procura regressar-se ao sistema do projecto de proposta do Governo n.° 507. Embora bem, no ponto de vista da Câmara Corporativa, pois se limita a competência da comissão, é de notar que se cria uma situação muito séria, desde que, segundo parece, é a própria comissão arbitrai, e não o juiz, quem faz a destrinça entre o que é matéria de facto e o que é matéria de direito. Já esta Câmara teve ocasião, no parecer acima referido, de chamar a atenção para o melindre desta solução. Os problemas que a comissão tem de enfrentar e resolver são dos mais complexos do Direito, pois se trata de definir a própria juridicidade 9. Citemos uma dificuldade ao acaso: a de saber «se a determinação do sentido juridicamente relevante das declarações negociais - a interpretação em sentido estrito - se reduzirá a uma averiguação ou apuramento de factos, em último termo à actividade probatória, ou se não manifestará antes uma intenção e um juízo especificamente jurídicos» 10. Que poderão pensar deste problema os lavradores-caseiros ou mesmo os proprietários das terras? Lembremo-nos de que as declarações negociais constantes de um contrato de arrendamento podem ter por conteúdo matéria de índole essencialmente agrícola, como é exigido para a intervenção das comissões.

Supondo-se que é ao juiz-presidente que cabe indicar aos técnicos a matéria sobre que têm de votar -o que não está no projecto -, as funções dos árbitros aproximar-se-ão das dos simples peritos. Não há, na verdade, quanto aos resultados práticos, diferença sensível entre as duas funções, embora teoricamente aos árbitros caiba decidir e aos peritos informar.

5. Não obstante, pois, a melhoria sensível do sistema proposto em relação ao vigente, na medida em que se limita a competência dos árbitros e se aumenta a do juiz, continua a Câmara Corporativa, como em 1961, a supor que com as comissões arbitrais não se obtêm decisões mais justas nem se prestigiam os tribunais.

A reacção por parte dos magistrados, que se vêem constrangidos a reunir à sua mesa, na sala do tribunal, em igualdade de posições, pessoas sem cultura jurídica, sem responsabilidade, sem uma investidura legal nas funções jurisdicionais e até sem uma beca que revele publicamente as altas funções em que estão investidas, tem o seu fundamento real e a sua razão de ser.

Este problema das comissões arbitrais anda, na generalidade dos países, intimamente ligado ao problema das reformas agrárias. Está nelas integrado e está, como elas dominado pêlos mesmos intuitos políticos e sociais, que não são precisamente, longe disso, os intuitos políticos e sociais que têm presidido às reformas no nosso país.

Esta palavra «social» tem-se prestado a muitos equívocos e tem dado lugar a receios por parte dos legisladores de todos os países, quando se propõem fazer reformas sociais nos seus ordenamentos jurídicos sem caírem num avançado socialismo agrário. É importante, entre nós, que não se veja nas comissões arbitrais, no espírito que as domina e nos autores que as inspiraram, razão justificativa para tais receios. Nunca se compreenderá bem que em matéria tão simples, como é correntemente a do arrendamento rural, se mostre necessária a criação de comissões especiais com funções de julgamento.

Anda também este problema muito relacionado, na teoria dos autores, com o problema do júri, instituição há muito banida da nossa legislação por razões que não importa, obviamente, aqui reeditar. Apenas referiremos, pela sua actualidade no Brasil, as palavras com que o professor, da Universidade de Rio Grande do Sul. Alcides de Mendonça Lima fecha o artigo recente, que intitulou «Júri - Instituição nociva e arcaica» 11:

O júri ressente-se, em alta dose, da falibilidade humana, como também se ressentem, naturalmente, os juizes togados. Entretanto, entre aqueles que se, dedicam à profissão de interpretar e de aplicar as leis nos mais variados sectores, aqueles que têm a formação especializada, aqueles que exercem uma actividade erigida em poder estatal, e os leigos, os normalmente incompetentes na matéria, aqueles devem ter a primazia por direito próprio para julgar os acusados, que, por enquanto, são levados ao tribunal do júri, em nome até da soberania nacional. Ninguém procura um alfaiate se precisa consertar um sapato, e vice-versa . . . É preciso, em uma época de especialização técnica, que só encolham e se elejam os técnicos na sua verdadeira função pessoal. Numa ordem social tão repleta de iniquidades, surgidas de uma hora para outra e que. por contingências invencíveis, não podemos evitar, nem extirpar, só no instante em que o julgamento de todos os litígios, de qualquer natureza, ocorridos entre os homens, seja exercido, exclusivamente, nos pretórios, sob a égide da absoluta integridade, indefectível autonomia e impostergável independência de seus membros, outorgando aos órgãos judiciários o verdadeiro papel político e ético que representam na sociedade, é que cada um poderá aspirar, como supremo anelo da própria civilização, a que a justiça seja eterna, riscando de luz os espaços obscuros da consciência humana!

6. Antes de concluir pela rejeição na generalidade do projecto em causa, a Câmara Corporativa entende dever dizer ainda o seguinte:

a) Afirma-se no preâmbulo do projecto que da Lei n.° 2114 «restam apenas as disposições de índole adjectiva, entre as quais sobressai, como mais relevante, a todos os títulos, a base XXI».

A base XXI não é, porém, a mais relevante, mas n unira que, por não conter matéria de direito substantivo, se pode considerar não revogada pelo Código Civil.

Este facto tem importância, pois é incompreensível que, pela substituição desta base, fique a existir a Lei n.º 2114. quando dela não fica nada em vigor.

Parece que a única solução lógica seria, não a da substituição da base mas a da sua revogação e aprovação de um novo diploma.

9 Recentemente, o Doutor António Castanheira Neves, num 1.° volume de 921 páginas, quase se limitou, ao versar a «Questão de facto, questão de direito» ou o «Problema metodológico da juridicidade», a indicar o seu aspecto de crise.

10 Doutor Castanheira Neves, op. cif., p. 335.

11 Reviria Forense, ano 58.°, p. 16.