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DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 162 2940

diais da posição universal atingida pela língua portuguesa em cinco séculos de expansão e partindo de um escasso milhão de utentes ao dealbar da nossa epopeia marítima:

1) A única forma de língua que realmente existe é a língua falada, pois a língua literária, é ela já uma utilização artística da fala corrente:

2) A língua não existe por si mesma, mas só no homem que a emprega utiliza e, empregando e utilizando, logo a divulga e expande, em si mesma e no seu caldeamento de cultura.

Deste modo, e assim sendo, é verdade elementar e primária que só o homem, e o homem falando uma linguagem viva e contagiante, pode transportar e transplantar, de um ambiente para outro, um idioma que se situe e fixe, e alcance ganhar privilégio e primazia, lá onde existiam outros modos de expressão e entendimento.

Não é de outro modo que se expandem as línguas, ainda que seja de vários outros modos que se podem espelhar e alargar as culturas, mas dar e difundir vida a uma linguagem, só o homem falando essa linguagem e afeiçoando a ela todo o seu jeito de viver, todo o módulo da sua existência, toda a gama dos seus sentimentos, ideias e vontades afirmadas pelos seus actos mas definidos e traduzidos pelo seu poder de expressão verbal, ou melhor dito, pelo poder da sua expressão verbal na rotineira constância da vida.

No Brasil, foi no decurso de séculos, com muita gente em contacto humano, social e linguístico que pôde vir a radicar-se a língua portuguesa, a impor-se, sem sucumbir no embate com as línguas autóctones ou mesmo com outras, a si mais próximas, originárias de países eventualmente ocupantes ou de migrações de gentes estranhas ao falar português.

O poder de aliciamento do português no Mundo esteve todo no homem que falou a sua língua e nessa mesma língua que logrou ter logo de princípio, e apenas, na sua expressão oral, um tal valor de sedução que a fez evoluir e expandir-se sem perder força nem carácter. Mas tudo levou tempo e houve necessariamente de depender de uma ocupação efectiva, de um povoamento comunitário de um contacto humano que pela linguagem se tornou intimidade e familiaridade e pouco a pouco se compenetrou na aventura da mesma epopeia, na vicissitude dos mesmos momentos felizes ou infaustos da vida, na mesma eufórica ambição de crescimento e de progresso.

Na realidade, não terá acontecido tal em Moçambique, e é essencialmente para isso que nos chama a atenção e pede providências o Sr. Deputado Manuel Nazaré.

Sem preocupações de historicismo, aqui descabidas, entendo em todo o caso que faltou, no excelente trabalho do ilustre Deputado, um apontamento, mesmo a pincelada larga, dos antecedentes históricos do problema posto. Com inteira razão ele o disse, e isso tenho vindo a glosar: "O pensamento de todos deve partir do conceito de que o homem é a razão da história."

Pois, em Moçambique, penso eu, foi exactamente o homem, a massa do gente portadora da linguagem, que escasseou durante largos tempos, e não apenas isso, mas o condicionalismo em que esses contingentes demográficos de raiz portuguesa europeia tiveram de agir ou puderam alargar-se e desenvolver-se no largo e plurifacetado território moçambicano.

Não se transporta, radica, impõe e fixa a sua língua em ambiente estranho sem um condicionalismo subjectivo de prática e aceitação, sem uma simultânea dispersão de núcleos populacionais e uma concentrarão estratégica desses mesmos núcleos, bem uma persistência teimosa de convivência humana no apego à terra, na comunidade do trabalho e do interesse, na intercomunicação de sentimentos, ideiam, vontades, isto é, numa integração lenta e, longa, que necessita de tempo, de paz, de alegria de viver, de capacidade do compreensão e de comunidade de ideais.

Essas infra-estruturas de gente, língua e tempo é sabido terem sido perturbadas em Moçambique por circunstâncias históricas, políticas, sociais e económicas, étnicas e linguísticas, que explicam e justificam as carências actuais, e se aí vão estaremos isentos de falta ou culpa, bem certo é termos sido, mais do que agentes, vítimas dessas circunstâncias. O português que se foi fixando na África ocidental não era melhor nem pior do que o português que correu as sete partidas do Mundo e nelas difundiu, tendo como ponto de partida um escasso milhão de seres humanos que falavam o nosso idioma, uma língua que se universalizou ao ponto de nela se exprimirem hoje cerca de cem milhões de pessoas, em maior ou menor grau ligadas por essa língua às essências de cultura que ela traduz e representa.

Mas em Moçambique terá sido menos extenso o ritmo do povoamento menos penetráveis as etnias e línguas ou dialectos, inúmeros, que eram sua fonte de expressão, mais trouxe o assentamento rural e as suas virtudes de estabilidade, continuidade e permanência, mas sobretudo, designadamente, diremos mesmo desgraçadamente, mas sobretudo foram ainda as correntes de oposição que ali encontrámos e que eram já os começos dos "ventos da história", contra os quais em Moçambique sempre nos debatemos, e apesar dos quais lá fomos permanecendo, lá estamos, lá ficaremos e lá continuamos a defendermo-nos da mesma insânia contrária, da mesma sanha opositora, do mesmo propósito de nos tirarem e expulsarem de lá.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para dizer a verdade clara, e disso se reivindica pessoal responsabilidade, o imperialismo inglês, o Rule Britannia, o senhorio mercantilista, o reinado dos mares, o "reina Inglaterra, reina sobre os oceanos", foi durante mais de um século uma barreira entranha incrustada em terra nossa e se dessa incrustração resultaram consequências graves de ordem social, política e diplomática, que magistralmente fomos resolvendo, quase poderemos dizer que a perda maior terá sido a de natural e normal expressão e fixação linguística portuguesa, que teve como propositado quebra-mar a infiltração do idioma inglês nos tratos comerciais, na propaganda dos negócios, na vida de relação social e até nos prazeres da existência que os inglesem sempre levavam consigo e que, por serem naturalmente, aliciantes, foram, por evidência, atractivos e contagiosos.

A esta fortaleza antilusitana, aferrada nos territórios de Moçambique, que chegou a transformar em termos ingleses não só muito vocabulário corrente, mas até mesmo a própria toponímia de cidades principais e povoados, veio depois juntar-se a emigração maciça de nativos para as minas do Transval, os quais não só assim se perdiam para a aculturação linguística portuguesa, como ainda no ambicionado regresso às suas terras vinham imbuídos do linguajar inglês ou irlandês, com que, já segregados da idiomática portuguesa, iam inclusivamente contaminar as suas próprias línguas ou