DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 162 2942
No ano lectivo de 1966-1967 era em Moçambique quase de 5000 o número de institutos de ensino primário, era de cerca de 7000 o número de professores e aproximadamente de 500 000 o número de alunos. Comparando com Angola é efectivamente verdade haver em Moçambique, para um maior número de alunos um menor número de professores, mas isso só dá prova das dificuldades de recrutamento de pessoal ensinante e não pode deixar de ver-se nessa dificuldade uma das muitas, resultantes da situação anómala que a província sofreu, como atrás se deixou indicado.
Nada acrescenta chorar sobre tristezas antigas, e quem consultar as Actas do antigo Conselho Coordenador e do actual Gabinete de Estudos que substituiu aquele Conselho de Estudos, que substituiu aquele Conselho no Ministério do Ultramar, poderá concluir pelo pensamento constante, diremos mesmo absorvente, de todas as mais altas hierarquias daquele Ministério sobre o uso da língua portuguesa como aglutinante cultura], veículo de convívio e expressão comum de todas as populações que constituem a Nação, e lá se encontram mesmo invocadas e impulsionadas nesse sentido, as escolas regimentais, o que vem também agora explícito, com forte luz verde de esperança, nas eventuais propostas de solução constantes do aviso prévio. Gostaria de estar vendo, para além do mundo da imaginação, as mulheres europeias do ultramar português serem todas e cada uma delas, educadoras, como lhes cumpre, por definição de mulheres e mães, educadoras sociais mesmo para além do lar, mas das mi hás breves passagens pelas províncias ultramarinas não colhi nem essa observação nem essa esperança e bem desejaria, estar enganado quando esta sugestão, inclusa no aviso prévio, me deixa algum tanto indiferente e céptico. A vida de boje é ao mesmo tempo dura e fútil e nem a dureza nem a futilidade dão grande azo a movimentos de doação e solidariedade quando estes não sejam inspirados por altos anseios de ordem espiritual.
Sem embargo destas objecções, adiro à ideia de uma grande mobilização geral em favor da defesa e expansão da língua portuguesa, no sentido de ninguém poder estar dispensado de colaborar, activa e efectivamente, em tal missão.
O nosso ilustre colega Veiga de Macedo soube dar esse impulso, de forma impressionante e eficaz, no plano metropolitano, à generalização da escolaridade no Portugal continental, onde, é certo, mesmo quem não sabia ler nem escrever sabia ao menos falar a língua pátria, o que sem dúvida facilitava o intento. Não é menor a obstinação nesse sentido do nosso Ministério do Ultramar, mas a este cabem tão absorventes, constantes e múltiplas tarefas que nem sempre é fácil realizar depressa o que já de si mesmo só é exequível e fecundo quando realizado com lentidão, paciência e segurança.
E se V. Ex.ª me permite, Sr. Presidente, deixaria aqui antecipada uma ideia que de princípio parecia vir implícita no aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Nazaré, que corresponde a votos já anteriormente formulados, aliás, sem êxito, nesta Assembleia, e que poderia aproximar nas suas conclusões estes dois avisos prévios tão vizinhos no seu tempo de apreciação na Câmara e sobretudo tão próximos nas suas íntimas e mais profundas intenções.
Já em 1944, ao apreciar nesta Assembleia a proposta de ratificação da Convenção Ortográfica Luso-Brasileira, lancei a sugestão de que fosse criado um organismo supranacional que superintendesse, em alto nível, nos problemas imediatamente postos pêlos termos da Convenção e pela necessidade comum aos dois países contratantes de defenderem o idioma que ora bem inalienável de um e de outro.
Nem alcançou êxito a minha ideia, nem teve melhor fortuna a própria Convenção. Também há tempos, ao intervir na discussão do aviso prévio sobre o ensino liceal, tive ocasião, perante VV. Ex.ªs, de reafirmar ainda que de relance, a necessidade e vantagens du criação de um organismo desse tipo a intenção. Houve quem considerasse bizarra a sugestão e houve também quem viesse dizer não ser necessário tal instituto, pois o fundamental da língua é ensiná-la aos ignorantes. Claro que sim, mas o que se está passando com a língua portuguesa em abastardamento, em desleixo de precisão, quer oral, quer escrita, em recuo da expansão, como pretende prová-lo o presente aviso prévio, em descuido de beleza e de pureza, como julgo pretenderá demonstrá-lo o congénere aviso que vai seguir-se, leva-nos a reconsiderar a matéria, pois alguma coisa de muito grave se passa a implicar remédio de conjunto, a necessitar providências para as quais não há ou é irrisória ou mesmo inexistente a competência ou a autoridade para toma-las.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vai em cerca de três anos o Governo Francês aprovou a criação, ou decidiu criar, um alto-comissariado para a defesa da língua francesa, donde se pode concluir que nem a ideia era assim tão bizarra, nem ao Governo Francês pareceu suficiente ensinar apenas o sou idioma aos cidadãos franceses. A proposta aprovada naquele Conselho de Ministros, presidido pelo general De Gaulle era subscrita pelo Presidente do Conselho, ao tempo normalien professor e homem de letras, Georges Pompidon e pelo seu Ministro da Cultura, nada menos do que o Sr. André Malraux! É que esses senhores tinham, e certamente mantêm, a alta certeza de que a língua é a alma de uma nação, e de que perverté-la é perverter o espírito, é renegar a alma dessa nação no que ela tem de mais intimo e de mais precioso!
Ainda há dias o Sr. Presidente do Conselho, na sua mensagem ao País, bem claramente quis acentuar quanto o (inverno estava particularmente empenhado e preocupado com o problema educativo, e outra não é a linguagem que falam os Srs. Ministros da Educação Nacional e do Ultramar, cada um em seu sector. Mas a defesa e a expansão da língua tem de viver fora de sectores acima deles, pois ao plano sectorial já bem chega o peso da responsabilidade e da tarefa dos estudos pedagógicos, da orientação da didáctica, da formação de mestres e de toda a orgânica administrativa, que já por si mesma bem complicada é.
Dos dois avisos prévios surtirão, segundo os usos duas moções, que a meu ver têm de se conjugar e conciliar, porque o problema, nem é só de expansão nem só de defesa da língua, é um problema cerne da unidade nacional e ele só pode caber no âmbito da Presidência do Conselho, com igual ou maior razão do que aquela razão ou razões pelas quais já ali vivem e se desenvolvem outros organismos que não pretendemos subestimar, mas que de certeza não têm mais peso na vida e na sobrevivência nacional do que o problema-chave do maior título de universalização da consciência e da cultura portuguesa.
Um homem como Marcelo Caetano tem arcaboiço espiritual e intelectual para ser ele o primeiro a dar-se conta do ponto de altura em que este caso se coloca, sem que a minha palavra lhe acrescente qualquer valor ponderável, para além do mérito da própria causa.