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16 DE JANEIRO DE 1969 2941

tóctones, como com tanto estudo e lucidez n tem verificado o eminente filólogo Prof. Rodrigo de Sá Nogueira.

A própria Igreja, por determinações da Propaganda Fide, ela própria celebrou, catequizou, evangelizou - não sei se bem, se mal -, nas línguas nativas africanas ou mesmo noutras já então europeias e que por outras ordens de razões, contra nós se utilizavam. Só em 1966 (!) se tornou verdadeiramente obrigatório para os missionários estrangeiros o conhecimento enfrente da língua portuguesa.

Sr. Presidente: Não consta isto, que venho sumariamente enunciando, do complexo contexto do aviso prévio sob discussão, mas parece-me que fazia lá falta para explicar e justificar situações que vêm do longe e onde, se algumas culpas nos cabem, mais fomos vítimas de estranhos agenciamentos do que traidores aos nossos naturais e normais usos e costumes de compenetração e de humana convivência com os povos nativos de África. Esta convivência não sofre outra forma de entender que não seja o da nossa tradicional opção civilizadora: o da integração sócio-cultural de todos os moçambicanos, bem como de todos os outros povos de África, numa assimilação integradora toda ela apontada aos valores comunitários, pois esse e não outra, foi sempre o teor de princípios, sentimentos e multisseculares práticas do nosso convívio inter-racial.

Tudo isto quer dizer que não só o homem português como a língua portuguesa se não se dissolveram naquela* culturas e naqueles sangues estranhos de Moçambique, porque ali tiveram de sofrer o impacte de uma presença colonialista e centrifugante que era por si mesma e pêlos seus modos de actuação, contrária ao sentido colonizador português de confraternização com os homens e com a própria Natureza.

Estamos pensando ao jeito do querido mestre e amigo Gilberto Freyre. E porque nele pensámos, citemo-lo a propósito que a lucidez do seu pensamento é sempre bom arrimo:

O grande drama de vida e de morte para os povos não é o que decide pulas armas, a sorte dos Estados, nem a dos regimes políticos. O grande drama é o que decide a sorte das culturas. É a guerra entre as culturas.

Pois em Moçambique, a cultura tradicional portuguesa arrostou durante larguíssimos anos com uma guerra de culturas de sinal diferente, o que de forma profunda afectou a implantação e normal difusão de nossos usos e costumes, da nossa língua corrente.

O professor Mário de Albuquerque, connosco Deputado u Assembleia Nacional na III Legislatura, aqui chamou à língua portuguesa "Bem-aventurada" (citando Duarte Nunes de Leão) e "Novo apóstolo" (citando João de Barros) e eu apenas quis agora dolorosamente salientar algumas das muitas razões pelas quais, mau grado nosso, mas não sem alguma necessária penitência a língua portuguesa não logrou ter sido, em tempo bonançoso e conveniente, nem bem-aventurada nem sequer mesmo o novo apóstolo, pois bem-aventurança e apostolado lhe foram cerceados intencionalmente pelo constrangimento da sua mística própria e pela sistemática oposição no ímpeto nacional com que ela se universalizava.

Sr. Presidente: Carinhosamente invoquei o patriotismo e a nobreza do intenção do Sr. Deputado Manuel Nazaré e com idêntica atitude de espírito do alto desta tribuna lhe peço a atenção para o verdadeiro milagre que foi o não ter sido tudo levado e arrastado por ventos tão contrários, não ter sido tudo submergido nessa vaga rolante que precisamente foi, em Moçambique, durante mais de um século, o prólogo do assédio que estamos sofrendo em Angola e na Guiné e continuamos sofrendo, com outros matizes mas nas mesmas linhas mestras, na província de Moçambique. Perfeitamente de acordo com o Dr. Manuel Nazaré nas providências que pede e nos seus anseios de perfeição, mas já não tanto na dolência de alguns dos seus comentários, estranhos ao tema e dispersivos em relação ao objectivo fundamental da sua intervenção, que não alcançou trazer concretas propostas de solução construtiva, o que, aliás, era natural, porque elas se não improvisam ou mesmo quando se improvisarem não se executariam nesta matéria de hoje para amanhã e num abrir e fechar de olhos.

Os tempos de hoje nem são bons nem são os mesmos de ontem: já não parece possível a grande expansão linguística pela lenta e sedentária oralização dos meios rurais, já porque esses meios estão dizimados de gente - lá em Moçambique como por toda a parte -, já porque a vida contemporânea se processa com uma tal mecânica de crueldade que ela está aí pelo mundo inteiro a ser contestada com algumas boas razões, ainda que por maus processos.

Onde ontem foi construtivo e criador o fraternalismo familiar, já hoje nau é possível nem a "casa grande nem a sanzala", nem possível nem talvez mesmo desejável. Hoje é a escola que tem de realizar tudo, e o nosso Ministério do Ultramar chamou a si e tornou seu o conceito de que "hoje, em todo o mundo, a escola é uma aspiração quase tão válida como a da refeição quotidiana".

As soluções de emergência são evidentemente sempre de considerar, até na medida em que a própria emergência as impõe! Mas a vida não é uma emergência, são emergências constantes o contínuas e para elas há que encontrar e promover criações de aplicação e execução contínuas e constantes, inspiradas da tradição e da experiência, sem duvida, tão actuais quanto possível, pois evidentemente, mas a olhar para diante em tudo quanto este adiante tem de esperanças e de incertezas, mas de fulgurações magníficas de que o nosso tempo simultaneamente nos dá todo o sentido da beleza e da tragédia.

Pois como não aplaudir o autor do aviso prévio quando preconiza uma vasta campanha de reaportuguesamento e diz:

Na verdade que mais belo investimento de recursos e que mais promissora sementeira de esperanças, do que essa de pôr todos os portugueses a falar português.

Falar português, "falar cristão", como se dizia em Malaca, pois certo, mas tão difícil como difícil parece hoje falarem verdadeiramente cristão os próprios cristãos. Hoje tem de se ensinar, elevar, educar, adulterar desde a base e no plano da expansão da língua isso só se poderá fazer cem muita gente, que a fale: logo o povoamento, com muita gente que a ensine; logo a disseminação de escolas, numa rede tão larga quanto possível: logo a indispensabilidade da promoção maciça de professores - e tudo isto é ao mesmo tempo trabalho de Penélope, pela paciência necessária, e trabalho de Hércules, pelo gigantesco da missão e pelo gigantismo do crescimento de número daqueles que carecem de ser ensinados.

Pois nesse trabalho de paciência e esforço nós estávamos e continuamos a estar, não obstante o embaraço grave causado pela situação do guerra em que dolorosamente nos encontramos.